Flowers again

Passo inúmeras vezes pela porta de tua casa com um enorme buquê de flores, com que pretendo homenagear-te; homenagem mais do que merecida; provavelmente, entendes muito mais de vários assuntos do que confessa tua autocrítica; podes achar no mínimo estranho...Ensaio versos para compor a homenagem e tento pobres rimas, como de hábito; passo inúmeras vezes pela tua porta num vai e vem de balé, temendo que as flores fiquem murchas, descorem e dêem uma pálida imagem dos meus sentimentos.

As flores que eu te mando,

São flores que te mandei,

São flores que mandaria,

São flores que mandarei;

Se não tivessem perfume,

As flores que te mandei,

Não te mandava essas flores,

As flores que mandarei.

Procurei dispor as palavras de maneira estética, minimizando a falta de conteúdo. Passo inutilmente pela tua porta, sem pensar em entrar, permitindo que o viço das flores se disperse, e que elas tenham o destino das flores do Vicente Carvalho. A propósito desse poeta, devo ter lido em alguma antologia sua poesia: “Deixa-me, deixa-me fonte, dizia a flor a chorar, eu fui nascida no monte, não me leve para o mar”...O que teria havido com a desconsolada flor? Restos de festa ou de funeral? Trabalho do vento ou de alguém sem amor às flores, atirada às águas, com que intuito? É possível que se tenha desprendido de sua haste junto a uma nascente, pois, em suas lamúrias se refere à fonte, mas pede que não a leve para o mar...As flores podem ser muito belas, se num jardim ou numa sala, bem cuidadas; a história de casinha pequenina com gerânios em flor na janela, só funciona mesmo em cantiga. Antigamente, era comum que as jovens se deixassem fotografar com belos penteados e segurando um ramalhete de flores; como se fosse um retrato oficial da beleza. Todas essas coisas são divagações fáceis de entender, porque eu passo inúmeras vezes pela porta de tua casa sem entrar... As flores já estão ficando um tanto murchas e o cartão, se não tivesse proteção, já estaria manchado por ser manuseado e manuseado...A bem da verdade, eu nunca vi nenhuma flor em teu jardim e nunca vi nenhuma flor em tua casa. Cuida-te minha Charlotte Corday*, pensa melhor antes de tomar qualquer medida drástica, que te possa condenar à posteridade; procura respirar o aroma das flores que não costumas ver, nem fazem parte de tua vida, cuida-te mulher! Passo inúmeras vezes pela tua porta e, já nem sei o porque, e nem sei o que faço com essas flores já despetaladas; sei que sonhas com Baudelaire e repetes sempre que as Flores do Mal são uma obsessão para tua sensibilidade; não sei porque lembrei disso agora, mas suponho ser uma pista para essas flores que carrego, passando inúmeras vezes pela tua porta, sem querer entrar, sem pensar em entrar, talvez num simbolismo dos mais estranhos; é estranho o fato de conheceres Charles Baudelaire e teres por ele um certo encantamento; de qualquer modo, eu te desejo muitas felicidades neste mês de maio, deste centésimo octogésimo oitavo ano do nascimento desse poeta.

* Marie-Anne Charlotte Corday guilhotinada em Paris, em 17.07.1793.

Abrantes Junior
Enviado por Abrantes Junior em 24/07/2009
Código do texto: T1716450
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