Delicadeza
A espuma branca da cerveja transbordada no copo e uma bolha estufada no gargalo que ele estourava e levava o indicador à testa:
- Saúde!
Porque só ele bebia e tampava com uma rolha, guardando o restante para à noite, ou o dia seguinte.
Era filho de judeus. Mas não por isso.
Nas tardes de sábado e domingo dormia de bruços, formando um quatro com as pernas finas e brancas, abraçando o travesseiro, aconchegado,
descansando merecidamente por ter cumprido com zelo de segunda à sexta, seu papel de homem de bem. Às vezes eu o acompanhava, só para estar próxima e protegida, imitando o quatro com as pernas de menina.
Nunca atrasou uma conta e suas viagens eram programadas com alguns muitos meses de antecedência. Tudo era definido, sublinhado, arquivado e estipulado, para que não houvesse erro.
Dormia de meias porque tinha os pés frios.
Passeava comigo de mãos dadas. E eu me sentia importante.
Tínhamos um lugar que secretamente chamávamos de nossa cabaninha.
E eu tinha um lugar.
Pedia-me água e bebia café frio, elogiando a temperatura perfeita, com uma sinceridade que só os avós têm. E eu o amava.
(Dedicado ao homem que me ensinou muito do que sei com a delicadeza de quem ama, meu avô Mário Goldstein)