Ár(vo)re

Vim pra cá e não estava nos planos. Não os que

tracei; porque herdei de ti a pressa e a inquietação.

Vim contrariada de mim, porque você também me ensinou

que nunca se volta. Mas precisei voltar, porque era

necessário o resgate. Em alguns momentos pensava:

Que bom não estar só, apesar das ranhetices. Que bom

não estar só, porque já estava cansada. Porque mesmo

dormindo, você era uma presença nas minhas madrugadas

insones. Que bom não estar só, apesar da imensa

necessidade de ser.

Gostava dos seus cuidados, da canja de galinha

caipira, que te pedi, alguns dias antes, na minha

soberba de neta preferida e mimada. Como se faz essa

canja? Você tentou me ensinar um dia, destacando o

quanto era simples. Mas você mentia muito. E como...

Algumas pessoas me perguntam: "Mas como?!"

perplexas, guardando talvez esse mesmo sentimento que

eu tinha na minha meninice da sua eterna fortaleza.

Mas você foi, correndo antes que os incômodos da

velhice chegassem. Não poderia ser de outra forma,

porque você não conseguia esperar. Algum dia li ou alguém me falou:

nosso fim é uma metáfora de nossas vidas.

Ps. Minha avó morreu em um acidente de transito poucos dias antes do natal de 2004, enquanto fazia compras. Ela tinha 84 anos e uma vivacidade que surpreendia a todos. Saudades...