PROFESSORA BOCA SUJA?

PROFESSORA BOCA SUJA?

Fizeram-me professora de teatro.

Assim que fundei a Oficina de Teatro do Grupo Vital

Porem eu nunca segui regras ou me formei e isso fazem quase dezenove anos.

Com esse trabalho, fui convidada para dar aula em escolas da prefeitura no projeto que ongs contratam pessoas da comunidade para prestar serviços em escolas.

Eu sempre escolhi aquelas salas que os outros Oficineiros não queriam nem passar perto.

Aqueles anjinhos que viviam sendo suspensos ou visitando diariamente a diretoria.

Com o tempo essas crianças melhoravam cem por cento e a direção da escola queria saber qual era meu método de ensino.

Convidavam eu para infindáveis reuniões para descobrir meu “Dom” eu que não sabia só respondia.

Eu sou da periferia e falo a língua deles, acho que é isso.

Eu levava os anjinhos nos finais de semana para minha casa. E eles viviam disputando sempre de quem seria a vez.

Os Pais dessas crianças também me adoravam. Eles não iam nas reuniões dos outros professores, mas na minha de teatro, compareciam em peso. Eles falavam que os meninos que passaram quatro, cinco anos na escola, não aprenderam a ler e com o teatro, eles tiveram interesse em ler os roteiros para a montagem das peças.

Confesso que até senti uma certa bronca dos professores, eles nem me cumprimentavam mais. A direção adorava eu, as crianças rotuladas como crianças do “PAC” e “PIC” não sei bem o significado e nunca procurei saber, sei que não era uma coisa legal, já que meus “anjinhos” eram rotulados assim. Pois bem, essas crianças não aprontavam mais e nem quebram mais nada. A direção queria até que eu dobrasse na escola mais horas.

No dia dos professores do ano de 2003 eles e os Pais, resolveram fazer uma homenagem para mim. Pediram para a direção e foram atendidos. Eles queriam o palco e o som a disposição por uma hora.

Eu sei que era uma correria danada e eu fingia que não sabia da homenagem.

Na hora todos nervosos e eu na sala corrigindo umas falas da peça que iríamos apresentar no final de ano e fui então chamada pela diretora. Quando desci estavam todos sentados na quadra e meus anjinhos no palco...uns emocionados e começaram um rap.

NÓS AMAMOS A PROFESSORA QUE NÃO É A ELIETE

NÓS TAMO MERMO FALANU

E NA GOSTOSA DA ELISABETH

ELA FALA NOSSA LINGUA

E NÃO TEM MUITA FRESCURA

SE ERRAMOS O SEU TEXTO

ELA FALA QUE FILHA DA PUTA

SE COMEÇA UM BATE BOCA ELA VEM LOGO CA REGUA

SAI DA FRENTE O MALUCO

QUE ELA DESAFORO PRA CASA NÃO LEVA

MAS NÓIS ADORA ESSA MULHER

SEMPRE MUITO BEM LIGADA

NO POVÃO LA DA FAVELA

ELA LÁ É MUITO AMADA

E VOCES QUE É TUDO FRESCO

NESSA ESCOLA QUE É PÉ NO SACO

VÊ SE APRENDE COM ELA

QUE NÓIS TAMBÉM LE DAMO UM ABRAÇO

VIVA A PROFESSORA BEEEEEETHHHHH...

Gente! Voces imaginam minha cara? E até então o silencio imperava.

Até os Pais e convidados começarem a aplaudir. A direção e os professores levantaram e... também aplaudiram e eu pensei to ferrada.

Que nada, ninguém tocou no assunto e tudo continuou as mil maravilha.

Fiquei mais um ano nessa escola e resolvi ser professora só do meu grupo. Não gosto de regras. Sou livre e adoro falar palavrões. Aqueles alunos até hoje falam sentir muita saudades. Falam que fiz grande diferença em suas vidas. Eles falam que não existe dois lados quando a gente faz arte. Alguns freqüentam ainda o teatro. Tomam dois ônibus para estarem aqui todos domingos.

Quando a gente tem amor no que faz, até com palavrões se ensina... se aprende.

SAUDADES DOS MEUS PACs E PICs

ELISABETHDOVITAL
Enviado por ELISABETHDOVITAL em 15/10/2009
Reeditado em 24/10/2009
Código do texto: T1867806
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