Tango no Céu

O bandoneon calou-se em dó...

E todas as guitarras silenciaram,

todos os cantores se calaram.

Nenhum acorde de teclas,

nenhum acorde de cordas.

Apenas silêncio só.

Apenas silêncio em dó

e reticências de sal

sobre a inércia do fole.

O anjo de sentinela

anunciou em seu clarim,

numa milonga tangueada,

que dom Astor Piazzolla

Se tornara querubim,

que, translúcido e azul,

pusera-se em viagem

para um recanto de céu

onde Nonino morava...

El Angel do bandoneon

rompeu a tez do casulo

e com asas de condor

evadiu-se pra o infinito.

A pampa se quedou triste

e uma sonata de sinos

timbrou a noite portenha

na pauta dos campanários.

Uma típica de duendes,

sob a regência do vento,

sussurrou sobre os ciprestes

a “Balada para um louco”.

Que tango foi amputado

de seu último compasso

enquanto as andorinhas

pousavam na cruz da torre?

Um táxi todo negro,

com a bandeira de Livre,

transitou sem passageiro

desde a calle Florida

até o Velho Armazém,

enquanto no arrabalde

uma sirene distante

soluçava em dó maior.

A pomba branca do adeus

alçou vôo do obelisco

como um pañuelo rebelde

buscando pouso na lua.

E, na Plaza de las Madres

houve aplausos nas ramagens

e o pássaro noturno,

em soturno recital,

gaguejou os seus cristais

num prelúdio tangueado.

Ah, angústia de violino!

Ah, pesar de violoncelo!

Todos timbres da orquestra

se exilaram no silêncio...

Houve uma ausência de acordes

na solidão dos teatros

e um clamor desconsolado

nos balcões das pulperias.

Caramba, que dor que dói

quando geme um bandoneon...

Há uma síncope de milonga

no compasso do relógio,

paira um vazio nos tablados

e os casais, na penumbra,

parecem bailar de luto

porque o tango sente a falta

do mago da partitura,

da tessitura pampeana

nas mãos de dom Piazzolla.

Porém, “O tango é macho”,

o tango é o pão sonoro

que acalenta os esquecidos

nos ranchos do arrabalde.

O tango vive seu destino,

de poesia e tragédia,

feito de sangue e de vinho,

feito de acordes e lágrimas

porque o tango é composto

de todas as aflições

que compõem o ser humano.

Dom Piazzolla se foi,

cada um tem o seu dia...

pode o homem ausentar-se

mas a obra permanece.

E, mesmo, efêmero o homem,

sua obra é perene,

a música se eterniza

desde os bares mais humildes

aos mais nobres recitais.

Porém, na noite portenha

alguém vai cantando ao léu...

Há uma saudade na calle

E mais um tango no céu.