Bem-vindo ao passado !

Bem no final de 1970 eu os chamo de pés sujos, carrinho na mão e bermuda convidando pra brincar na rua...

Em 1980 na hora marcada, a gente combina de se encontrar pra curtir a night...

Em 1990 eu os convido pro meu casamento e batizado dos filhos...

Em 2000 a gente se esbarra no supermercado... Um sorriso contendo euforia. Não sabe se abraça, não sabe como reagir, pois as boas lembranças e a saudade deixam ocupar toda mente, e mais rápido do que possa imaginar, tudo acaba antes mesmo de passar no caixa, como se os amigos de infância fossem mais um produto a se consumir em poucos minutos da prateleira.

Em quase 2010 nos deixamos ser apenas vultos de memória...

Onde vocês estão? O que vão fazer no fim de semana? O que fizeram nos últimos anos? O que fizemos de nossas vidas?

Vamos insistir pra esquecer, mas são essas coisas do tipo que movem toda eterna juventude... Ter a plena certeza de que o tempo não vai voltar, de que nunca mais a rua será palco de brincadeiras, ter de suportar o playmobil desmontado, o ferrorama guardado na caixa,o boneco lango lango ser alvo dos filhos, não ver qualquer parte de terra pra desenhar a amarelinha, não ter onde cavar pra acertar nossas bolinhas de gude, o aquaplay sem movimento... Tudo num sonho amplo, desejando a singular realidade do passado.

Eu vou ligar a TV e assistir o rebolado de Rita Cadillac, alô alô Terezinha... Vou beber mais um gole de Tubaína, morder a merendinha... Adeus velho guerreiro, Lá se vai o cassino do Chacrinha.

Vamos ser jovens... Não importa os seus 30, ou 40, vamos ser jovens, viver as décadas de todos... Ser feliz é o que importa, eu com meu Atari, você com seu nintendo... Eu com meu Bob’s, você com Mc’ Donalds... Vamos ser jovens, e isso nada mais é do que ver umas edições da playboy escondido, ensaiar os passos de Grease – nos tempos da Brilhantina... Encostar em um Del Rey qualquer e dizer que é seu, arrancar a cabeça das barbies da irmã, e esconder os brinquedos quando alguma menina for na sua casa...

Simplesmente saudade, desejo sem medo, sede, vontade de velhos tempos, em que conhecíamos as pessoas de verdade e era um luxo falar-lhe ao telefone... Em que nos falávamos cara a cara depois de um abraço, e não enviando ícones pra uma foto na tela do computador... Necessidade da tecnologia ser fantasia no desenho dos Jetsons, e a maior alegria ser a idade da pedra nos Flintstones... Vontade de tomar um sorvete Yopa e conferir se o palito é premiado, de lamber a tampa do danoninho e ele ser bem mais barato.

Desejo de acreditar mais uma vez que existem pessoas dentro do aparelho de rádio, e que na tv todos são pequeninos pra caber na tela, fumar cigarro de chocolate, pagar com o dinheiro que vinha no salgadinho...

Pedir as horas que permitam mais um pouquinho no colégio com aquela aula chata de Estudos Sociais, sair correndo com a lancheira na mão no intervalo e esbarrar no valentão do colégio, ou derrubar a laranjinha água da serra de alguém... Chamar a loira do banheiro, e colocar um espelho no cadarço do tênis pra espiar as meninas de saia. Eu vou pedir as horas... Que o tempo me atenda... Que este mundo tão de pedra e voraz me compreenda... E ter a prova do cruel universo, de que as flores de plástico não morrem, que mais vale um cubo mágico velho resolvido, que dois novos pela metade... E ser só lembrança, padecer memória e páginas cheias de história... Ser mais alguém certinho da sociedade, mesmo assim, gritar com orgulho ao mundo que mesmo alienados, desiludidos, sem posições políticas definidas, “cansados de correr na direção contrária”, a seu jeito, os jovens protestavam: “indecente é você ter que ficar despido de cultura”, “as ilusões estão todas perdidas”, “os meus sonhos foram todos vendidos tão barato que eu nem acredito”, “meu partido é um coração partido”, “minha metralhadora cheia de mágoas”, “meu cartão de crédito é uma navalha”, “ideologia, eu quero uma pra viver”, “a gente não sabemos escolher presidente”, “ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”. Que país é esse?

Outros, em crise de identidade, apenas experimentavam o inédito prazer de comprar um disco e gostar de uma banda da qual seus pais não gostavam, que tivesse suas caras. Como rebeldes sem causa (“como é que eu vou crescer, sem ter com quem me rebelar?”), querendo negar os preceitos de Belchior de que “nossos ídolos ainda são os mesmos” e que “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Como eles, queríamos nos sentir capazes de produzir algo de valor e não mais ter que repetir: “a gente somos inútil”.

Até que não nos saímos tão mal e, em meio ao lixo que cuspimos, pudemos garimpar e encontrar belas coisas, até que nos esforçamos em tudo que tentamos... E se fomos bons, imagine o mundo se tivéssemos sido ruins... Imagine.

A certeza de nossas vidas, é que daqui pra frente tudo vai ser diferente...

A começar por vocês, eternos amigos por qual eu puxei esta conversa, mas que talvez eu nem veja mais, que talvez aí nem estejam mais, mas que a alma não deixa apagar... E no passar dos anos assumimos tantas formas, posições e até quem sabe cores... Pra uns talvez vocês sejam cinzas como a tristeza, verde muito claro como a nostalgia, ou ainda azul escuro como a saudade... Mas importa é que de vocês eu sempre verei a aquarela de nossas faces sorrindo, o degradê da eterna alegria, de vocês e de nosso anos dourados, eu sempre verei as cores verdadeiras, e são todas lindas, como um arco-íris!

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 29/11/2009
Código do texto: T1951521
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