Vovô Altair, 78 anos

“Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida e o homem passou a ser alma vivente.” Gênesis 2:7

A gênesis do primeiro homem é descrita nessas palavras anteriormente pronunciadas. O que se deve notar é um detalhe por vezes “inotável”, o simples fato de que foi do barro, do pó da terra, que surgiu o homem. Essas mesmas palavras, homem nenhum consegue datá-las, porém o barro, o chão pisado, o pó da terra, da terra da cidade de Aracoiaba foi testemunha de mais um milagre da vida. Em 7 de maio de 1927, surge do pó da terra um homem que mudaria, ou seria o canal da história existencial de muitos aqui. Neste dia a história registrou o nascimento de Raimundo Altair Pereira do Rego.

Esse mesmo barro que o fez surgir foi seu companheiro em toda sua jornada. Desde a infância e juventude, na batalha, no chão batido do sertão cearense, toda a vida dura, da labuta sofredora, de sol a sol, da areia escaldante, tudo isso fez dele um homem experimentado não nas letras, mas na vida. Daí, então o que marcou sua vida foi seu casamento e o início de uma nova etapa da história. O encontro com a “Baía” fez dele um homem responsável, em busca da construção da família, hoje tão grande e tão bela.

Nesse tempo as estradas de barro transformaram-se em estrada de ferro, e por muitos e muitos anos foram o “tapete vermelho” do homem de barro, que pouco a pouco transformara-se no homem da via de ferro, homem ferro-viário. Por todos esses anos, pra muitos, falar de Altair, era falar “Altair da RFFSA”, “Altair da estrada de ferro”, “Altair do Ferroviário”. Seria impossível falar do Altair sem falar em sua paixão pelo Ferroviário Atlético Clube. Eu mesmo, o que escreveu estas, fui testemunha desde minha infância, da voz de ferro do vovô, “o vovô tem uma voz grossa, né Rondy”, eu dizia sempre. E ele sempre gritava assim, com o radim motorola no pé do ouvido: aí é ferrim, meu fiii...!, lá na esquina do Nel, na Vila. Foi assim sempre: vida simples, da estrada de ferro, de estação em estação, de freios e mais freios nos vagões lotados de cargas, muitos filhos, muitas responsabilidades, muito cuidado, muita experiência a acima de tudo muito ensino aos filhos, sempre mostrando a eles que apesar de ser um “homem de ferro”, seu coração sempre foi de carne, e carne de primeira.

E esse coração por muitas vezes estendeu a mão em favor do outro. Muitos que cruzaram e cruzam com o Altair, comumente ressaltaram e ressaltam a bondade, o amor no toque das mãos calejadas.

O homem de ferro, sempre humilde, sempre “húmus”, sempre terra, sempre barro, esteve baleado quando o barro levou a filha. Porém o barro não pode reclamar do Oleiro que o fez jarro. E quando o Oleiro quis levá-la, o barro foi húmus, foi humilde, baixou a cabeça em tristeza, mas levantou em alegria sabendo que o Oleiro sabe o que faz.

E assim segue viagem

Muitos aqui de nós nunca irão esquecer do “chêro do vaco, do vovô”. Hoje, nossos filhos, seus netos e bisnetos, levantam o bracinho pra dar o chêro do vaco. Outros momentos como o café das 4 da madrugada, o ronco depois do almoço, o buracão entre os peitos que todos os netos já ficaram impressionados, do chapéu na cabeça, da cartucheira na mão, da camisa do ferrim cortadas as mangas, das botas pra ir pro roçado, e outros e outros e outros.

É, Taí (como chama a Baia)... é Papai... é Vovô...é seu Altair... essas palavrinhas são poucas pra expressar a grandiosidade do homem de Ferro.

Hoje, o Homem de Ferro, prestes a virar Homem de Aço, com todo vigor, saúde e disposição, tem tanta consciência que é pó, e o pó da terra tem tanta consciência de quem ele é que até hoje não larga do seu pé. Que ver o homem de barro? Segue e trilha de areia, segues as pegadas da butina, vai pro chão e lá tu encontrará. Mãos calejadas, cansadas, mas revigoradas, pés sujos da areia da terra.

Eu não, nem muitos de nós, porém ele sabe mas do que ninguém que faz parte do chão da terra. Ele sabe que do barro foi formado, e ao barro um dia, muito distante do hoje, voltará.

Parabéns, vovô. Escrevo, não somente por mim, mas por todos que, de alguma forma, formam o fruto de sua existência. Que esses 78 anos, possam se multiplicar por vários outros, e assim por muitos sertões faça-se ecoar a voz de sua história, contadas nas gerações seguintes por seus filhos, genros, noras, por mim, por seus netos, bisnetos e por todos.

A ti, Altair, digo: alto aí.

Ainda não acabou o dia.

Nem noite é ainda...

Muito te falta pra conhecer.

Tem muitos que vão nascer

Que ainda vão te ver,

E conhecer em ti o que é ser gente,

Gente que ama gente,

Gente que cuida de gente

Gente como a gente (daqui de cima).

Eu te fiz do barro,

Pus o ferro em tuas veias

Te ensinei direitinho a história

E como tu aprende rápido.

Hoje quando te vejo,

Na poeira do roçado

Digo comigo mesmo

Ô caba invocado.

Vai Altair, segue tua estrada,

Anda mais um bucadim.

Ensina, fala, beija, cheira, toca, ama

Eles precisam disso, segue teu rumo

Tua missão agora que começou.

Seja sábio, sempre

E quando as coisas arrocharem

Tu sabe muito bem

Olha pra cima, que eu daqui

Te abençôo, e te consolo...

Fique comigo, fique com esses que te amam,

Que te respeitam como esposo, pai, sogro, avô, bivô, amigo, amor.

Eu te abençôo...Eu, que falo contigo...

Teu Pai e Criador.

Carlito

Carlito
Enviado por Carlito em 18/07/2006
Reeditado em 18/07/2006
Código do texto: T196865