DESPEDIDA

Oi pai... Sei que você não me ouve, mas mesmo assim quero conversar um pouco contigo.

É tão estranho te ver aí, nesse leito de hospital, com esses tubos todos. Pior, sabendo que você não vai mais abrir seus olhos, não vai dar mais um daqueles raros sorrisos, que não vai mais fazer ranhetice, que não vai mais reclamar da gente e tudo mais.

Foram tão poucas conversas, tão raras vezes tivemos aqueles papos de pai pra filho. Tudo entre nós foi sempre meio formal.

Lembra que sempre fui bom aluno, que sempre passava de ano direto, mas você nunca me elogiou? Eu sei que você sentia orgulho, mas era seu jeito guardar esse sentimento pra si.

Teve também aquele episódio na pizzaria. Estávamos comendo quando você percebeu um menino de rua olhando pra gente pelo vidro. Aí você foi até lá fora, e se ofereceu pra pagar um lanche pra ele. Eu era pequeno mas nunca esqueci dessa bonita lição pai. Tanto que até hoje não recuso ajuda quando alguém me pede comida.

Lembra que só uma vez você tentou me ensinar a dirigir? E que foi um fiasco total? O carro saiu dando trancos, eu olhava pro câmbio pra trocar de marcha e o carro sempre ia pro meio da pista. Quanto tempo demorou aquela aula? Dez minutos? Paciência nunca foi seu forte né? Você talvez não saiba, mas desde esse dia passei a observar com bastante atenção como você dirigia. Embora você fosse meio estourado no trânsito, consegui aprender muitas coisas simplesmente te observando. Não queria te decepcionar de novo.

E sobre mulheres então? Acho que só conversamos uma vez sobre isso. Você até confessou que tinha medo que eu fosse gay por nunca ter me visto com mulher, lembra? Também, fui dar meu primeiro beijo só aos dezoito anos! Aí te tranquilizei dizendo que era apenas romântico, mas que, sim, gostava muito de mulher. Só queria que quando ficasse com uma menina, ela fosse especial pra mim.

Sempre fomos tão diferentes, né pai? E ao mesmo tempo tão iguais. Dois cabeças-duras.

Enfim, tivemos nossos altos e baixos. Mas neste momento derradeiro prefiro ficar apenas com as boas lembranças.

Peço que o Pai do Céu te receba de braços abertos. E espero te reencontrar um dia.

Quanto à mãe não se preocupe, pois vou cuidar dela, viu?

Agora descanse pai. Fique com Deus e saiba que te amo.

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*Nota do autor: Essa conversa realmente aconteceu. Cinco dias depois escrevi:

DESCANSO

Ontem, 20 de abril, meu pai finalmente descansou.

Foram anos de muita luta, muitos altos e baixos, idas e vindas, e apesar da dor da separação, fica o sentimento de missão cumprida.

Agora entrego meu pai nas mãos de Deus, na esperança de um dia reencontrá-lo na vida eterna.

E peço que o Pai do Céu me ilumine, me dê força e sabedoria para seguir em frente.

Um beijo, pai... Até um dia...