CIA. GRITE DE TEATRO - Mauá-Pirituba, o expresso das contradições!

Como já reiterei por diversas vezes, 'estou' paulista por 59 anos ... Em realidade sou nordestino de nascimento e registro. Nasci na cidade de Paulista, muito próxima à capital Recife em 1947 e em 1950, ano de muitas ocorrências, 'migrei' para o 'Sul maravilha' carregado por meus pais que vieram 'no rastro' de meu avós maternos!

'Comemos o pão que o diabo amassou' por aqui. Éramos em 7 nordestinos, com anos de nascimento 1913, 1917, 1937, 1938, 1944, 1946 e 1947! Em 1952 e 1954 chegaram dois paulistanos 'da gema' nascidos no Belenzinho e na Vila Formosa, em São Paulo.

Em 1956, o antigo IAPI 'contemplou' nosso assalariado pai com a cessão de um apartamento na cidade de Santo André, no ABC paulista e lá fomos nós para mais uma 'migração'.

E foi nesta cidade em ascensão que vivi o restante de minha infância, minha adolescência e a maior parte de minha juventude. Nela concluí meu curso primário, meu curso ginasial, meu curso científico e, na vizinha São Caetano do Sul, minha licenciatura em matemática!

E é justamente esta minha fase Santo André que fizeram rolar abundantes lágrimas pelas minhas faces com as lembranças de fatos que se encontravam 'um tanto quanto adormecidos' em minha mente ao assistir à encenação efetuada pelos competentes componentes da Companhia GRITE de Teatro da peça teatral MAUÁ-PIRITUBA, o expresso das contradições!

Meus contemporâneos e até gerações um pouco mais recentes devem se recordar das 'deslumbrantes' viagens que eram proporcionadas pelas composições férreas da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí.

As gerações mais atuais devem se perguntar: 'Ué! Um trem que ligava Jundiaí a Santos e vice-versa?'.

A resposta, 'curta e grossa' é SIM!

Embarcava-se em uma composição férrea na cidade de Jundiaí e seguia-se direto até a Vila de Paranapiacaba (pertencente a Santo André) onde primeiramente através de um complexo sistema de compensação de peso das composições fazia-se a descida e a subida “da serra” para e de Santos. Posteriormente (entre 1970 e 1974) este sistema foi modificado para um uso de cremalheiras no qual três linhas paralelas dentadas eram colocadas entre os trilhos que por sua vez se acoplavam em rodas dentadas retraveis na locomotiva encarregada de efetuar a descida/subida dos vagões.

A composição férrea Santos-Jundiaí partia da região central da baixada santista (Bairro do Valongo) e cruzava os municípios de Cubatão, Santo André (Paranapiacaba), Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires, Mauá, região central de Santo André, São Caetano, São Paulo, Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato, Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista e Jundiaí (Vila Arens).

Juntamente com minha família, efetuei esta viagem algumas vezes. Entusiasmados, embarcávamos na Estação Central de Santo André e juntamente com outras famílias de 'farofeiros' que já vinham de estações anteriores [a composição partia da estação ferroviária de Jundiaí, passando pelas estações de Várzea Paulista, Campo Limpo Paulista, Francisco Morato, Franco da Rocha, Caieiras, Perus, Jaraguá, Pirituba, Lapa, Barra Funda, Luz, Brás, Mooca, Ipiranga, Parada Vemag (atual Tamanduateí), São Caetano, Santo André (Utinga), Santo André (Santa Terezinha – atual Prefeito Saladino)]!

Em uma destas ocasiões houve ligeiro atraso na chegada da composição à Estação Central de Santo André e ela ficou literalmente abarrotada de passageiros no seu aguardo. Quando a composição foi encostando-se à plataforma em que a estávamos aguardando, pudemos vislumbrar que seus vagões já se encontravam quase que totalmente ocupados, com pessoas em pé disputando cada centímetro de espaço! Não houve nem tempo de que houvesse uma desistência no embarque por parte de minha família ... uma verdadeira 'avalanche humana' nos levou para o interior de um dos vagões!

Senti na pele, na acepção do termo, quando se faz uma analogia de um recinto 'abarrotado de pessoas' com uma lata de sardinha. Ainda mais sendo criança, estava quase trucidado em meio aquelas pernas, bumbuns, 'regiões baixas' de homens e mulheres que roçavam por minha cabeça, esbarrando sem qualquer cerimônia em meu nariz, minhas orelhas, meu olhos ...

De quando em quando se podia ouvir choromingos de crianças menores que estavam sendo 'quase sufocadas' naquele ambiente.

Como já estava atrasada, a composição após os devidos 'apitos denotando que que iria partir', fechou as portas e reiniciou sua viagem para Santos, rumo a próxima estação: CAPUAVA! Foram alguns minutos de 'verdadeira agonia', com reclamações de adultos, choromingos das crianças menores e alguns choros das crianças já maiorzinhas!

Quando a composição 'atracou' na próxima estação e as portas se abriram, foi como se um bolo que estivesse sendo assado em uma forma menor do que o seu tamanho, houvesse achado uma 'válvula de escape' e 'estufado' para o lado externo! Houve como se um 'expulsar' de alguns passageiros de dentro dos vagões. Alguns, dentre estes nós, que permanecerem dentro dos vagões, faziam força para uma retirada estratégica, contudo, sem lograr êxito nesta sua intenção. Embora ainda criança, pude constatar que um casal com uma criança no colo da mulher logrou safar-se daquele verdadeiro caos que representava para todos nós aquele interior do vagão e permaneceu em pé na plataforma tentando se refazer do sufoco. Não sei precisar se querendo ou não, houve os apitos sinalizadores da partida da composição, algumas pessoas que encontravam-se no lado exterior a adentraram novamente, o que não ocorreu com a 'família' que permaneceu em pé, estática observando a partida do trem ...

Por razões que a própria razão desconhece, a medida que os km iam sendo vencidos, havia como uma adequação no ambiente interno das composições e o sufoco ia sendo minimizado!

Ao atingir Paranapiacaba a 'festa' era completa! Com a inevitável espera para adequação dos vagões as cremalheiras para devida segurança da descida da serra, os vagões se tornavam um verdadeiro festival de confraternização entre os viajantes. Era oferecimento de um pedaço de galinha na farofa por parte de uma família a outra; um copo de ki-suco em retribuição a uma coxinha 'doada' por parte de outra; um sanduíche de mortadela para aquela garotinha que estava com olhar 'pedinte' em direção a outra criança que degustava a iguaria ...

Com o passar do anos, não me abstive de usufruir dos serviços do transporte ferroviário, até por razões profissionais, haja vista haver acompanhado um curso de análise de sistemas que foi ministrado em instalações que ficavam próxima à estação ferroviária da BARRAFUNDA e que facilitava muito o meu deslocamento comparativamente ao deslocamento ser efetuado utilizando transporte rodoviário. Nestas minhas viagens que realizava desde a estação de UTINGA até a BARRAFUNDA também enfrentei verdadeiros sufocos com as super lotações das composições e pude observar várias situações que foram retratadas pelos atores do GRITE! Cotidianamente observava os casos de 'abusos' aos quais eram submetidas as pobres das jovens trabalhadoras que prestavam seus serviços principalmente nas várias tecelagens que 'fervilhavam' na região da MOOCA, que, 'obrigadas' a enfrentar os vagões superlotados, ficavam literalmente 'esmagadas' e sofriam toda espécie de bolinações, algumas de forma involuntária, haja vista a falta de espaço existente, porém, algumas de forma totalmente evitáveis por alguns aproveitadores da situação. Nestas minhas viagens, carregava uma pasta do tipo 007 com minhas apostilas e folhas de anotações utilizadas no meu curso. Em algumas ocasiões, 'amassado' como estava dentro do vagão, cheguei a soltar a mesma para amparar-me nos 'ferros de sustentação dentro da composição' e ela ficou 'no ar', espremida entre dois outros passageiros!

Sem exagero, houve ocasiões nas quais, ao retirar um dos pés de apoio do chão da composição para dar-lhe um certo 'refresco' não encontrava mais o seu espaço quando tentava retornar com o mesmo à sua posição original!

Personagens como vendedores de vários artigos, que iam desde chocolates, balas, amendoim, chiclete, mentex, drops, pentes, tabuadas, canetas esferográficas, revistas de pintura para crianças, ... perambulavam 'aos montes' entre as pessoas dos congestionados corredores.

As vezes, surgiam religiosos, que de posse de uma bíblia ficavam exclamando a pleno pulmões seus versículos e passagens relevantes; e grupo de 'conterrâneos' que ficavam parados junto às portas dificultando a entrada e saída dos já ultrajados usuários; e repentistas; e deficientes físicos; e vítimas de atropelamentos, assaltos ...; e portadores de males que necessitavam tratamento infinito; e moçoilas carregadas na maquiagem e vestidas com 'economia de panos'; e casaizinhos 'suspeitos' compostos por elementos de mesma sexo e, até alguns que denotavam claramente não serem contumazes usuários do sistema!

E por estas e outras, que ao assistir à encenação efetuada pela Companhia GRITE de Teatro naquela praça de 'pungente' São Caetano do Sul, para um público muito aquém de seu real merecimento, fiz minha viagem de volta ao passado e verti, sem nenhuma vergonha e totalmente cônscio de meu difícil, porém, feliz passado, doces lágrimas conciliatórias!

HICS
Enviado por HICS em 04/03/2010
Código do texto: T2120456
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.