Memorial da minha vida

Memorial Da Vida De Juciara Maria Teles Brito

Impressionante como é a vida, com apenas 4 meses de gestação minha mãe sofreu um acidente: a casa onde eu iria morar assim que viesse ao mundo caiu sobre nossas cabeças, e lá estava eu no conforto do meu primeiro lar, o útero de minha mãe, protegida por ela e protegida por Deus ,sempre...

Assim começa minha história, cheia de alegrias e tristezas como qualquer outra. Mas nunca devo me esquecer que sempre me foi dada uma segunda ou terceira chances para tudo nesta vida.

Nasci numa família de sete irmãos, onde eu era a quarta filha e nós tínhamos apenas um irmão homem. Meu pai já havia se casado anteriormente com sua primeira esposa e tivera mais sete filhos, minha mãe também já vinha de um casamento que não deu certo e trazia em sua bagagem mais três filhos, totalizando dessa forma uma pequena quantia de dezesseis irmãos. Ainda bem que não morávamos todos juntos, imaginem a loucura que iria ser o convívio de tantas crianças e adolescentes juntos. Minha mãe não suportaria.

Eu sempre fui uma pessoa desligada um pouco das coisas, por exemplo: agora que sou adulta descobri vários problemas pelos quais passavam minha família e nunca me toquei de nada, sempre fui alienada em relação a sofrimentos alheios e ainda sou.

Prefiro viver a vida extraindo dela apenas as coisas boas, os bons momentos, os melhores amigos, as mais lindas paisagens, as boas notícias...

Na minha infância fui muito feliz, apesar das idas e voltas de meu pai e minha mãe, que brigavam muito e consequentemente se separavam muito. Eu via o sofrimento nos olhos da família, mas não conseguia senti-lo, pra mim era tudo diversão. Numa dessas separações de meus pais onde minha mãe nos arrebatava de onde quer que nós estivéssemos para sair de casa ou de cidade, eu achava ótimo ter outra casa, outra cidade pra morar,outra escola,outros amigos.como disse,sempre alienada.

Fui uma criança já um pouco ligada às questões religiosas, pois nunca me esqueço da minha primeira oração sincera que fiz num momento onde eu achava que iria morrer. Estava chovendo muito e os trovões ressoavam com violência rasgando o céu com seus raios que me fazem tremer até hoje e eu me encontrava no interior de minha casa, não me lembro bem se sozinha ou com a família, só lembro que no momento eu estava na sala de estar, havia faltado energia elétrica e ao ouvir os estrondos vindos do céu eu me escondi embaixo da máquina de costura e falei com Deus...

Foi uma oração simples de criança onde eu pedia que se aquele fosse o último dia de minha vida, que eu queria morar ao lado dele que eu nunca fosse abandonada e se não fosse o último dia que ele me guiasse para onde quer que eu fosse para estar sempre ao seu lado e me protegesse sempre. Hoje escrevendo sobre minha vida eu venho perceber que sou protegida por Deus desde o útero de minha mãe. (choro)

Eu amava brincar no terreiro da minha casa com minhas irmãs e amigos vizinhos, dentre essas brincadeiras, já fui dançarina de circo, já fui mãe, cigana, fiquei noiva e me casei, tomei banho nua no rio, fiz vários pic nics, já tomei muita surra, muitas delas “inocentemente”.

Lembro-me de uma surra em especial. Tenho uma prima que se chama Danda e nós sempre brincávamos na minha casa que tinha um enorme quintal com cacau, bananeira, dentre outras vegetações e no quintal ao lado, separado apenas por uma cerca de arame farpado, se encontrava uma enorme plantação de milho que Danda queria que nós atravessássemos para apanhar algumas espigas, eu sabia que minha mãe não iria deixar, pois ela já havia me dito que o que ficava após a cerca não era nosso e não devíamos de forma alguma apanhar o que não é nosso sem a permissão dos respectivos donos, porém eu concordei em ir apenas fazendo companhia, desta forma fiquei do lado de cá da cerca (da minha casa) e Danda passou para o milharal. Enquanto eu, agachada e despreocupada fazia cocô por “não estar errando”, só via de minuto a minuto as espigas de milho se amontoarem ao meu lado.

Após o término dos “trabalhos” nós saímos depois de Danda ter guardado na despensa seu tesouro adquirido. Fui brincar no terreiro em cima de uma picape velha que meu pai tinha e no melhor da alegria, minha mãe me chama na porta de casa com as mãos escondidas nas costas, só esse gesto bastava para eu saber que iria apanhar e comecei a tremer já de cima da picape e quase não conseguia descer. Ela me perguntou quem havia roubado aquelas espigas e eu não confessei para proteger a minha prima e não sabia que ela já tinha contado para minha mãe que havia sido eu a ladra. Como nunca corri de surras de meus pais eu me virei de costas abaixei a cabeça e fiquei esperando as cintadas... e elas vieram, vieram com muita intensidade.

Foram inúmeras dessas surras, mas eu prefiro lembrá-las contando como piada, pois no fundo elas não me afetavam eu estava brincando logo após e cercada do carinho de minha mãe. ( choro)

Houve outros momentos marcantes na minha infância, dentre esses quando fui convocada por minha professora de educação física para desfilar nas paradas de sete de setembro como baliza e eu fiquei eufórica, pois sempre nessas ocasiões eu desfilava no ultimo pelotão, de farda e pra piorar eu era baixinha então ficava no fim da fila, pois esta era organizada em ordem decrescente.

Não é de admirar que eu tenha ficado no maior êxtase pois as balizas desfilavam à frente até da banda de fanfarra. Que orgulho eu senti.

Aos 11 anos, ao chegar à sala de aula, fui pedida em namoro por um colega de classe que era um ano mais novo que eu, Aílton, e tinha que dar a resposta a ele assim que a aula acabasse. Resultado: não consegui me concentrar em absolutamente nada naquele dia, apenas fiquei com calafrios o tempo inteiro, friozinho na barriga e não consegui falar nem com minha melhor amiga sobre a mudança que ocorreria em minha vida a partir daquela aula.

Falo em mudanças, pois eu resolvi aceitar, pois gostava muito dele, mas o problema é que eu tinha que responder pra mim mesma algumas questões: como é que eu dou a resposta? Como é que eu vou dizer pra minha mãe?( pro meu pai nem pensar)como é que se namora? Como é que se beija na boca?

Bons tempos em que minhas preocupações eram estas!

No final tudo deu certo, só não tive resposta à pergunta do beijo que nunca aconteceu. A vergonha era muita, minha e dele, que só ficamos nas mãozinhas dadas e beijos no rosto. Mas foi muito especial esse namoro.

Só fui namorar de verdade aos 14 anos, porém com 12 eu dei meu primeiro beijo na boca. Um circo estava de passagem por minha cidade e armado quase em frente a minha casa.

Fiz amizades com alguns dos artistas, porém um em especial me chamou a atenção. Rogério tinha 16 anos e era um dos palhaços da trupe. Todas as noites eu infernizava a minha mãe para pagar o ingresso e consequentemente minha irmã para que me levasse ao circo e eu pudesse assistir ao espetáculo.

Ela não entendia o porquê de eu dar tantas risadas daquelas brincadeiras sem graça do jovem palhaço, nas palhaçadas ele só levava pancada do palhaço mais velho e eu ria a ponto de chorar.

Num sábado assim que acabasse o espetáculo haveria uma festa no clube social da minha cidade e Rogério me convidou pra ir com ele. Aceitei e tive que levar minha irmã mais velha a tiracolo. Tudo bem, o importante era ir.

Acontece que só quem me chamava para dançar era, olha só, Aílton, nós já éramos amigos de novo e não namorados. Dançamos a noite toda e quando Aílton me dava uma folga eu sentava ao lado de Rogério e deixava transparecer que queria dançar com ele, mas ele também deixava explícito que não sabia dançar e ficamos nessa até que a festa acabou e minha irmã me chamou pra ir embora.

Fiquei triste por ir embora sem dançar com ele, porém a alegria voltou quando ele pegou na minha mão na saída do clube e aumentou o passo comigo pra ficarmos longe dos olhos de minha irmã que a essa altura estava de namorico com algum rapaz que não me lembro o nome. Ao verificar que estávamos a uma distância segura e após dobrar uma esquina, veio a resposta para aquela pergunta que me afligia desde os onze anos de idade: como é que se beija na boca? Não sei em que fração de tempo, mas de repente eu estava sendo beijada pela primeira vez, foi uma sensação indescritível, um calor gostoso, um misto de aconchego, ternura, medo, vergonha e por fim, alívio. Eu beijei na boca ( ou melhor fui beijada). Tabu quebrado, MARAVILHA!

Ainda nos correspondíamos por carta após a saída do circo por uns nove anos, mas depois perdi o contato e só ficaram as boas lembranças.

Namorado mesmo eu fui ter aos 14 anos, ele tinha 16, Curujão era seu apelido, mecânico por profissão e mulherengo por natureza, afinal era de fora da cidade, bonito, dirigia um bugue que era só o motor e os bancos rasgados, tinha um “papo de derrubar avião”,e era o sucesso das meninas.

Nossa! Como eu fui apaixonada por ele!

Ficamos juntos por dois anos, era muito amor, muito ciúme, muita traição por parte dele e como conseqüência muita briga até o término do relacionamento, quando não agüentei seu jeito despachado de ser e...Dei o troco!

No decorrer do nosso namoro eu jogava na seleção jiquiriçaense de futebol e sempre nosso técnico marcava alguns jogos fora de nossa cidade. Numa dessas viagens, fomos parar em Itatim, localizada no sertão baiano. Conheci Toinho um rapaz maravilhoso, poeta, artista plástico e compositor, que de imediato se interessou por mim e solicitou o meu telefone. Resolvi lhe entregar o número mas deixei claro que tinha namorado e que só poderíamos ser amigos.Claro que minhas amigas me incentivavam, mas eu estava firme.

Dois meses após essa viagem um acontecimento marcou muito a minha vida afetiva.

Era véspera de São João e sem avisar, chega à minha casa, Toinho, com uma champagne e um par de alianças. Eu estava no banho e minhas irmãs vieram avisar que tinha alguém esperando por mim, tomei um grande susto ao saber quem era, pois eu não tinha dado esperanças a ele em relação a nós e ainda namorava com Curujão. O que fazer?

Antes de acabar o banho, eis que surgem novas notícias. Curujão também estava a minha espera no sofá da sala, ou seja, duas pessoas que não se conheciam estavam sentadas frente a frente com o mesmo objetivo: namorar a mesma mulher. É de ficar lisonjeada? Que nada, fiquei apavorada e de dentro do banheiro pedi a uma amiga minha que retirasse Curujão da sala e inventasse algum pretexto para que ele demorasse um pouco, eu tinha que ter um tempo sozinha com Toinho, pois a confusão poderia gerar desconfianças.

Que alvoroço estava a minha casa! Minha mãe já tinha conversado com Toinho e já tinha aprovado o namoro, (as mães não agüentam ver um par de alianças) veja só, antes de saber se eu queria noivar se eu gostava do rapaz. A questão é que Curujão era muito mulherengo e ela sabia disso.

O tempo pra que eu conversasse com Toinho foi o suficiente para ele não querer um “não” como resposta, chorar bastante na minha frente, me comover por um período, mas não me convencer de que eu amava Curujão.

Falou-me que eu não saía da cabeça dele desde aquele jogo de futebol em que ele era o massagista das atletas e que na época ficava torcendo pra que eu caísse para que ele pudesse chegar perto de mim e dizer o que estava sentindo. Acontece que eu só tinha quinze anos e era uma romântica inveterada, nada poderia me convencer de que minha vida já estava traçada ao lado do meu namorado. Quanta ilusão!

Resultado: deixei-o chorando no ombro de minha mãe e saí com o intuito de me encontrar com Corujão na cidade vizinha de Ubaíra e curtir as festas juninas.

Mas vejam a vida como lhe prega peças o tempo todo para te fazer refletir nas tuas decisões. A primeira pessoa que vi quando saltei do carro com minhas amigas foi Curujão, sentado no meio fio do outro lado da rua, aos beijos com outra garota.

Meu reino encantado fora invadido por um monstro, o ódio.Foi nesse momento que eu acordei, acordei para a realidade nua e crua de que o amor não existe, que não vale apena ser fiel, que as pessoas se traem mesmo jurando lealdade.

Fiz questão que ele me visse e sumi no meio da multidão, só permiti que ele me visse de novo quando estava de mãos dadas com outro rapaz. E beijei-o na frente dele para que ele sentisse a dor pela qual eu tinha passado, mas a minha dor era tamanha que não me satisfiz em mostrar pra ele apenas um rapaz. Foram cinco em sequencia, e fiz questão que ele visse a todos.

Nunca mais acreditei nos homens e nunca mais fui fiel.

Firmei um novo namoro aos dezesseis anos com um rapaz que na infância eu odiava, pois era chato, catarrento e feio, mas não é que o patinho tinha virado cisne e eu como a maioria das meninas tinha fissuração por motos e... Ele tinha uma, dessas grandes que ficam melhor ainda com a gente em cima.

Novamente em uma festa junina meu relacionamento novo começou, o nome dele é Balbino e tinha apenas um ano a mais que eu.

Foi um relacionamento intenso, tão intenso que um mês após eu estava perdendo a minha virgindade com ele. Foi decepcionante, pois não era nada daquilo que as revistas e a TV falavam. Doeu, sangrou e eu não senti nada, apenas um vazio.

E o pior de tudo isso: Não usamos preservativos e nove meses depois lá vem minha primeira filha, Laiana, e eu só tinha dezessete anos. Era mais uma integrante de minha nova família. Dois adolescentes e um bebê.

Não é de se esperar que não tenha dado certo, ele bebia muito e era violento comigo, nos separamos umas três vezes em apenas um ano.

O aniversário de nossa filhinha nós passamos separados, resultado da soma de imaturidade, álcool, responsabilidades familiares e desestruturação financeira. Ainda bem que acabou!

Morei um ano só eu e minha filha, estava me formando em magistério aos dezenove anos, pois tive que parar a escola por causa da gravidez e do nascimento da criança. Como não tinha emprego, passei por inúmeras dificuldades, inclusive fome, mesmo minha mãe tendo uma mercearia e meu pai também (eles estavam separados nesta época). Mas o orgulho não me deixava chegar até eles e pedir ajuda. Era um sinal de fracasso e isso eu não queria admitir e não deixava transparecer para ninguém.

Lembro-me de meus vizinhos fazendo o almoço e na hora de entrarem para almoçar eles me convidavam e eu recusava dizendo que o meu já estava pronto e ia para casa com minha filha de um ano e meio comer pão com ovo.

Não era muito, mas era o que tínhamos e sempre agradeço a Jeová pelas provisões que eu tenho.

Assim que me formei consegui junto à prefeitura da minha cidade um emprego de professora onde ganhava na época, a terça parte de um salário mínimo,fiquei muito feliz pela renda, afinal eu não tinha nenhuma,porém a minha inexperiência me fez desistir três meses depois, não agüentava aquela vida e chorava todos os dias assim que chegava em casa.

Mas a minha fé sempre foi maior que as minhas dificuldades e de tanto pedir a Deus um novo emprego, as portas se abriram e fui trabalhar em Santo Antonio de Jesus como balconista de posto de gasolina, meu salário quadruplicou, não pagava aluguel, pois morava com um tio, não gastava com transporte, porém não tinha mais a minha filha por perto, tive que deixá-la com minha mãe para ir morar na nova cidade. Isso era ruim, não estava feliz assim, foi quando meu pai me resgatou e me chamou para trabalhar na mercearia dele, não teria salário, mas teria minha filha perto de mim e não me faltaria nada.

Estava tudo muito bem ao lado de meu pai, todavia a nova esposa dele não se dava bem comigo e foram dias de perturbação para meu pai e para mim. Após dois anos minha irmã mais velha que mora em salvador me chamou para morar com ela, pois tinha um emprego esperando por mim, não pensei duas vezes e fui. Mais uma vez longe de minha filha e com um sonho na vida, estruturação financeira.

Morei com helena minha irmã durante um ano e sofri muito com um emprego de salário mínimo dentro de uma metrópole, não podia gastar com transporte( a empresa não me dava) então ia a pé para o trabalho, atravessava dois bairro andando e chegava exausta tanto no trabalho, quanto em casa.

Não agüentei muito tempo por lá.

Em salvador passei por diversos empregos em lojas, escritórios, pequenas fábricas, fiz concursos para contrato temporário na FNS (Fundação Nacional de Saúde), passei e nesse meio tempo, conheci o pai de meus dois últimos filhos,Francis, uma pessoa maravilhosa, um homem de caráter que me encontrou num momento de extrema carência familiar, que me amou, me apoiou e fez com que minha vida fosse mais feliz e significativa.

Faltam palavras para dizer o quanto ele foi e é importante pra mim e minha filha.

Estivemos juntos por dezesseis anos, tivemos dois filhos, Victor e Lara, nossa vida não foi um mar de rosas, tivemos nossas diferenças, nossas desavenças, já brigamos muito, nos separamos muito, nos agredimos muito, mas o mais importante de tudo isso é que superamos tudo.

Após cinco anos em Salvador ( nesse intervalo fiquei grávida e tive meu filho Victor), Francis conseguiu um emprego para mim em minha própria cidade natal numa empresa de ônibus( Auto Viação Camurujipe) e fiquei muito feliz de voltar e morar com minha filha e seu novo irmãozinho.

Durante dez anos fiquei nesta mesma empresa, dei a luz a minha filha caçula Lara e estudei para passar em dois concursos públicos, um na minha cidade e outro na cidade vizinha de Ubaíra .Passei nos dois,sai do antigo trabalho e hoje volto a exercer o mesmo cargo que consegui há dezenove anos atrás...Professora.

Hoje curso uma faculdade para que eu possa ser mais completa profissionalmente e dar o melhor de mim para meus alunos e principalmente ser reconhecida naquilo a que me propus a fazer.

Não foi o que sonhei pra mim, mas agradeço sempre. Algo de melhor pode estar esperando por mim lá na frente. O importante é não desistir.

Olhando desse jeito pra meu passado venho observar que eu sempre fui feliz, sempre tive minha família comigo, meus amigos por perto e meu Deus dentro de mim. O que são os problemas perto da fé? Apenas uma ponte para o engrandecimento da alma.

Não foi, não é e não será nada fácil viver, mas com algumas coisinhas por perto fica tudo mais fácil: Deus, família, amigos, determinação e fé.

Graduanda em pedagogia Juciara Maria Teles Brito