O avô que não conheci

Não há como se falar num lar sem citar as pessoas que dão essa qualidade a uma casa, casebre, palácio, seja que tipo for. Assim iniciarei falando do avô que sequer conheci.

Se realmente a vida intra-uterina for rica em informações para nossa vida futura, foram registradas nessa época minhas mais antigas recordações sobre meu avô Nequinha, figura marcante da minha história, ladeado por minha avó Josepha.

Nascida exatamente um mês após seu falecimento sei que ele foi um homem ímpar.

Por ser a primogênita, meu avô estava com grande antecedência preparando uma festa que não aconteceria. Minhas fotos de recém nascida revelam um clima dúbio. Nelas são uma constante as mulheres de preto, num luto que minha vinda amenizou Percebe-se em todas uma mistura da dor da saudade a alegria da chegada de uma criança muito esperada.

Minha mãe que o idolatra me fala de um homem reto, amantíssimo da esposa e filhos. Católico praticante ele não dispensava o terço em família e além disso era um artista, tocador de violão e dono de linda voz.

Não sei o quanto há de exagero nestas palavras de quem não vê defeitos no pai, que como todo ser humano é falível. Segundo sei ele gostava do jogo de cartas e por causa delas teve que deixar a terra natal arruinado, porém sem inimigos ou devendo nem mesmo obrigações, como costuma dizer minha mãe.

Pobre por conta desse infortúnio, seu Nequinha como era conhecido meu avô, Manuel da Piedade Campos, aventurou-se na maior cidade do país, trazendo aos poucos toda família.

Filho de tradicional família mineira de Três Pontas MG meu avô tinha ascendente ilustre, seu pai.

Cada uma das próximas páginas será uma homenagem a esse homem cheio de facetas que até hoje rendem muitas histórias como a da sua correção de caráter, mas pouca aptidão para o comercio, contida no seguinte relato de meu tio:

“Quando o pai comprou a pastelaria toda, fabricava-se coxinha, empadinha e pastéis. Naquela época as coxinhas tinham que ter osso, para imitar a coxinha verdadeira. Acontece que a galinha tem mais carne do que osso, então faltava osso para por nas coxinhas.

A solução, dada pelo antigo sócio era a de comprar nos restaurantes próximos os restos de ossos de galinha,que eram lavados e fervidos. Porém, quando o pai descobriu que os ossos das coxinhas eram sobras de restaurante, ele disse que não comeria daquelas coxinhas, e se ele não come, ele também não vai vender e suspendeu a produção de coxinhas. Péssimo negociante não acha?

Já com as empadinhas o problema era o seguinte: a massa da empadinha tem de ser feita na véspera e deixar descansar.

Tínhamos uma mesa de mármore bem grande onde era colocada a massa para descansar, ficava uma verdadeira montanha. Acontece que a massa vai ressecando, então de vez em quando era necessário molhar a superfície exposta com água. A mãe ou a Geralda ferviam a água e deixavam num balde para de vez em quando alguém molhar. Entretanto, o que ocorria era o seguinte, os empregados iam ao banheiro e na volta estando com as mãos molhadas, aproveitavam e molhavam a massa.

O pai ficava muito bravo com eles, dizia que não comeria mais daquelas empadinhas. Como ele não conseguiu fazer com que os empregados parassem com aquela molhação "porca", resolveu, como péssimo comerciante, não mais fabricar empadinhas. Ele dizia, se eu não como porque tenho nojo, como posso vender para os outros.

O pai era correto, honesto, mas péssimo comerciante. Parou de vender coxinhas e empadinhas e só vendia pastéis.

Assim era o teu avô.”

Pois é, assim era meu avô

Só Suely
Enviado por Só Suely em 18/10/2006
Código do texto: T267293