UM TRIBUTO DE RESPEITO E GRATIDÃO

Lembro-me de quando, a mais de meio século, fui conduzido à sala de aula antes mesmo da idade exigida, pois a convivência com os irmãos mais velhos me havia proporcionado conhecer as letras e arremedar a leitura, padrão considerado inusitado para a época e que me abriu os portões da escola com quase um ano de antecedência.

Os alunos veteranos, que já cursavam o segundo ano, se acercavam de mim para falar das professoras (não me recordo de haver conhecido nenhum professor nos meus primeiros quatro anos de estudo) e desenhá-las verdadeiras megeras que puniam ao menor sinal de erro ou desatenção.

E assim, eu as conheci, desde as mais meigas às mais severas e nunca as deixei de admirar na minha inocência de menino que desde então sonhava ser professor. Aprendi que a leitura deveria ser pausada e em voz alta, com as palavras bem pronunciadas e obedecendo-se às regras dos sinais; a recitar a tabuada, ora em seqüência, ora alternada, "na ponta da língua"; a conjugar os verbos em todos os tempos e modos, com atenção aos irregulares e aos defectivos e tive o privilégio de encantar-me com todas as professoras que contribuíram para fazer de mim "gente", como dizia minha mãe.

Nunca tive a curiosidade de pensar como as professoras surgiam na nossa vida, conquistavam a nossa simpatia e passavam a ocupar um pedaço do nosso coração, para que eu, depois de tantos anos, mesmo sabendo que estão no céu (acho que todas as professoras deveriam ir para o céu), ainda as recorde com um misto de respeito e gratidão.

Quis a vida que eu acabasse por formar-me Pedagogo e, lembro-me bem, ultimando os preparativos para concluir minha monografia, vi-me capaz de entender o apelo que meu coração fez para pesquisar a formação de professores e, dentro de tema tão amplo, buscar enaltecer a figura do formador de sujeitos críticos, preparados para enfrentar desafios e aptos a também dar sua contribuição para construir um mundo melhor.

Nas pesquisas realizadas, quando estreitei contato com os grandes nomes da educação no Brasil e no mundo, com uma pontinha de orgulho, só meu, senti no coração o carinho grande e latente, nutrido pelas minhas abnegadas professoras, para mim, também grandes nomes da educação, para mim e para muitos outros que comigo partilharam os bancos da escola, os quais, no entanto, nunca puderam ouvir falar de expoentes maiores, pois a precária situação econômica não lhes permitiu ir além daqueles únicos quatro anos do grupo escolar.

Nomes como Paulo Freire, que nos fala que "ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria" (p. 67); Gadotti, que respondendo ao que é ser professor hoje, diz: "é viver intensamente o seu tempo com consciência e sensibilidade. Não se pode imaginar um futuro para a humanidade sem educadores. Os educadores, numa visão emancipadora, não só transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas. Diante dos falsos pregadores da palavra, dos marqueteiros, eles são os verdadeiros 'amantes da sabedoria', os filósofos de que nos falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber - não o dado, a informação, o puro conhecimento - porque constroem sentido para a vida das pessoas e para a humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo, mais produtivo e mais saudável para todos. Por isso eles são imprescindíveis" (p. 9-10).

Rubem Alves também é contundente quando fala do professor: "O estudo da gramática não faz poetas. O estudo da harmonia não faz compositores. O estudo da psicologia não faz pessoas equilibradas. O estudo das 'ciências da educação' não faz educadores. Educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem. O que se pode fazer é ajudá-los a nascer. Para isso eu falo e escrevo: para que eles tenham coragem de nascer. Quero educar os educadores. E isso me dá grande prazer porque não existe coisa mais importante que educar".

E na construção do meu trabalho fui descobrindo a cada leitura um pouco mais da arte de ser professor, fui-me deparando com novas perspectivas, fui aprendendo que o aprendizado nunca para, que quanto mais se aprimora, mais se tem a aprender. E li e reli, mais e mais e nem sei quantos livros li, quantos autores pesquisei, quantas páginas escrevi, mas sempre sentindo que ainda faltava muita coisa, que o fim ainda estava longe, que nada lido ou escrito haveria de esgotar o assunto, que tudo o que já havia constrído não era mais que a ponta de um "iceberg".

E hoje, quando me sentei para escrever, as idéias surgiram como mágica e me transportaram a um mundo que não existe mais, então, comecei a imaginar como as minhas professoras representam o pensamento de Rubem Alves, parece até que ele as conheceu, pois nasceram professoras. Já o eram antes da minha chegada e o foram após minha partida, durante não sei quantos anos.

Uma delas, ainda a vi, depois de aposentada, debruçada na janela olhando o vai-e-vem de pessoas na rua, depois, mudei-me e quando voltei só me ficou a saudade que até hoje se manifesta cada vez que passo defronte à sua casa. Atualmente, só as tenho na memória e enxergo nitidamente seus rostos, tal e qual eram; seus nomes, os sei completos; suas didáticas estão gravadas em minha personalidade.

Novos tempos esses que vivemos, muito se evoluiu desde aqueles anos, uma nova visão se instalou em mim, muitos conceitos foram revistos, paradigmas foram quebrados, a atual concepção de professor exige um intrincado processo de conhecimento, atualizações, formação continuada, mas dentro de mim, prefiro que as coisas continuem simples, tão simples quanto eram as aulas de Dona Maria Aparecida, Dona Maria Pazzini, Dona Nilda e Dona Irene Del Mônaco, simples e eficientes.

Quanto do que sei devo a elas!...

ALVES, RUBEM. Conversa com educadores. Acesso em 02/04/2011, às 18:30h. http://www.rubemalves.com.br/conversacomeducadores.htm.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. São Paulo: Grubhas, 2003.