Minha caramboleira.

Fiquei muito triste, lá nos meus 5 ou 6 anos, quando vovó decidiu acabar com o quintal verde e cheio de árvores e frutas que havia em sua casa.

Lembro que me deliciava com as carambolas quase maduras demais que eu comia aos pés daquela minha pequena árvore predileta. Lembro dos dias de chuva e de me lambuzar na lama com os poucos primos. De ansiar pelos gritos da minha vó, querendo que nós entrássemos. “Já pra dentro! Pro chuveiro!”, ela dizia, entre risos de avó. E nós sabíamos que ela havia desistido, quando saía correndo atrás de nós, pulando em todas as poças de lama que ela via. Depois seu lado responsável levava-nos todos para a grande banheira quentinha e cheia de espuma, que lavava as provas das artes que só fazíamos na casa dela. Lembro dos bolinhos de chuva e da chupeta que eu tinha escondida da mamãe, lá no fundo do móvel da sala. De colocarmos um copo fora da janela, pra pegar as pedrinhas quando chovia granizo. Lembro que dia de escola era dia de escola, e que eu não poderia levantar da cadeira antes de terminar minha lição de casa.

Lembro sem saudade do dia em que vovó descobriu que estava doente e de como ela tentou esconder de seus poucos netos. Fazia-se de forte, mas sabia que não poderia mais fazer um monte de coisas. Lembro que as crianças choraram, e os adultos tentaram persuadi-la a não cimentar o grande quintal. Mas, na flor dos seus 70 anos, vovó não discutia mais. Fazia e pronto, como mulher forte que era. Preferia que seus netos ficassem bravos com ela do que com pena.

No começo, vovó lutou muito. Continuava fazendo as unhas, e corrigindo nossa lição de casa. Aos poucos, passava mais tempo sentada do que de pé, e seus volumosos cabelos castanhos começaram a cair. Ela perdeu a barriguinha de avó e seus braços ficaram bem magrinhos. Só conseguia andar apoiada em um andador e passava seu tempo resolvendo palavras cruzadas. Depois de um tempo, quando a quimioterapia acabou, ela dava risada conosco, quando seus cabelos voltaram a crescer, dizendo que não precisaria mais enrolá-los, já que eles não voltaram a ser lisos depois do tratamento.

Hoje, muitos anos depois da nossa despedida, voltei à velha casa que mamãe ainda mantém. Mesmo adulta, ainda sonhava em encontrar minha vó sentadinha na cadeira de balanço herdada de seu pai. Mas na casa, só restou mesmo o vazio, o cheiro de guardado e o pó acumulado nos móveis. E no quintal, a surpresa, a certeza e a lembrança de que nada é pra sempre, e que ainda nos encontraremos em algum lugar: a minha pequena caramboleira crescia, lutando contra o cimento, dizendo com todas as letras que a vida é muito mais do que imaginamos. Obrigada, vó.

Maís Petrini
Enviado por Maís Petrini em 08/04/2011
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