Réquiem à Fox Paulistinha Ninki Pepeta

Réquiem à Fox Paulistinha Ninki Pepeta

A Noite foi longa...

A lua imensa, a rede balança

Sob a enorme amburana .

Os gritos noturnos do caburé

Soaram como um augúrio, um presságio

Trazendo a notícia da “mala sorte”.

Meio dia...um almoço insosso

Um tereré sem gosto

Uma jarra de suco de limão

Tomado à sombra da amburana

Em companhia da fiel Beca

Comadre do batismo de Raoni.

Treze horas ... sol inclemente

Um carro branco para,

Em frente o nº 1019

Da Rua Alcides de Oliveira Flores

Nos altos da Vila Brasil.

Dois homens descem

Usam jalecos do Núcleo de Vetores

Munidos de planilhas, canetas

Caixa com luvas, garrotes

Seringa, gases, algodões e tal.

Vem para ministrar a dose letal.

A conversa é rápida, nervosa.

Recebo-os no portão

Emissários de Necros

Asseclas de Caronte

Trazem nas mãos a notificação.

As letras parecem ter vida

A sentença terminal, cardinal

P O S I TI VO ...

Para Leishmaniose visceral !

Respiro fundo, lembrando os outros cães,

Amigos, companheiros, apaixonantes...

Partes de nossa vida... parentes...

Cujos corpos se enfileiram ao lado do muro,

A sombra dos dois grandes pinheiros

Na Rua Reinaldo Cacho,

Nos altos da Vila Brasil.

Menina, Dimãe, Tititão, Ginete...

Gorda, Runa, Capitu, Raída, Trovão...

Boxeres, campeiros, fox paulistinhas , píncheres...

Espíritos caninos a rondar e brincar ao luar...

A cobra morde a cauda... o círculo se fecha,

O ontem volta ao hoje...

A Pepeta , a fox avelã , é a primeira..

Está deitada no sofá da sala.

Pego-a nos braços como uma filha

Seu coraçãozinho acelera.

Seus olhos de mel fitam os meus

Ela parece entender...

Uso das palavras e da voz mais doce

Que a ocasião permite articular...

-Venha filhinha, você só vai dormir ...

Para sempre... Penso eu...

Por precaução colocam focinheira

Na pata direita o garrote agarra

Eu a afago, digo eu não vai doer

Desvio meus olhos dos dela...

A agulha busca a veia...

E aos poucos a droga vai fazendo efeito

Seus olhinhos mel são vencidos pela anestesia.

Com ela em meus braços fico a ninar

O sono eterno, sem despertar.

Então seu corpinho se entrega ao sono,

A cabecinha pende, o corpo relaxa.

Já se ouve um pequeno ressonar

Um agente de saúde olha, assentindo com a cabeça

O outro confirma _ Está na hora!

A sentença é dada sem direito á apelação.

As mãos enluvadas, firmes, certeiras

Seguram e fazem assepsia na outra pata.

O garrote aperta, as veias saltam

Agulha ofídica insensível

Aos poucos injeta sua peçonha

E ela lânguida em meus braços

Dorme, ressona, sonha !!!

E o cloreto de potássio cumpre a sina

Ao chegar finalmente ao coração...

Um leve repuxar de boca, dilatar de narinas,

E o músculo áureo da vida para

A pele branca e avelã se arrepia

É o beijo de Nécros que chega

E assim Pepeta deixa esse mundo

Em meus braços... Rumo ao mundo espiritual...

Treze dias, treze semanas, treze quinzenas,

Treze bimestres, treze trimestre, treze semestres,

Treze anos em minha vida...

E treze segundos pra sair dela.

Ninque Peteta, a Leishmaniose visceral a levou.

Mas, deixou a saudade enorme, imensurável,

Dos latidos alegres de recepção

Quando eu chegava a casa.

Da companhia quente a me esquentar os pés,

Nas noites longas e frias de julho.

Das lambidas matinais nos rosto,

Puxando as cobertas para me acordar.

Da presença assídua sob a rede,

Nas “siestas” das tardes mornas.

Dos pedidos de pão com manteiga no desjejum.

Da sua paixão por mandioca frita.

Das crises de tetania causadas pela idade.

Da presença eterna no sofá da sala,

Enquanto assistíamos à televisão...

Pepeta , minha guardiã espiritual

Meu animal totem, minha filhinha...

Quando eu atravessar o sanguíneo Rio Aqueronte,

Na barca de Caronte que transporta as almas,

Por certo estará do outro lado da margem,

Ladeada por todos que me antecederam,

A me esperar... com latidos alegres !

E os brilhantes olhos cor de mel,

E então terei a certeza ,

Da existência do CÈU !!!

Jardim(MS) 03 de Maio de 2007

Marcus Antonio Karaí Mbaretê Ruiz

Poema dedicado a todos os cães vitimados pela leishmaniose .