Ao Pai

Parece-me estranho, porque temos mais diferenças que semelhanças, mas hoje bateu uma vontade de falar disso de as vezes sermos mais semelhantes com nossos pais do que gostaríamos. Por motivos natalinos meu pai, que trabalha e mora em outra cidade, veio passar o fim de semana conosco, eu e minha mãe, e me pediu um favor; ele, que aos sessenta e cinco anos resolveu voltar a estudar e cursar uma faculdade, pediu que eu desse uma olhada num trabalho que seu professor de filosofia não aceitou.

Tratava-se de uma resenha do Tratado da Natureza Humana de David Hume, ao menos foi isto que o professor lhe pediu, mas o que meu pai lhe entregou foi uma espécie de carta-ensaio cheia de metáforas explicando por que motivo a leitura não o inspirava a escrever a tal resenha. Fiquei assustada por como são parecidos nossos modos de contrariar o que dizem estes filósofos, as palavras escolhidas, as metáforas...

Então lembrei do que acredito ser o respeito, do meu gosto por musica clássica e dessa minha mania de inventar vidas paralelas, as quais me socorrem da monotonia da minha vida real. Lembrei também de quando tinha uns seis anos e convidei minhas colegas do condomínio para irem a minha casa, elas levaram alguns CDs, eram dessas musicas “pops” bobas cujas letras são ainda mais bobas, e eu pus o volume bem alto. Enquanto dançávamos, meu pai me chamou num outro quarto e me ordenou que desligasse o aparelho de som: eu perguntei o motivo, claro; ele me disse que aquela era sua casa, seu espaço, e que eu devia respeitar isso, como ele não gostava daquele tipo de musica eu não deveria escutar aquela musica ali; eu perguntei sobre o meu quarto naquela casa e ele disse que meu quarto fazia parte da casa, então lá valiam as mesmas regras. Eu só abaixei o volume, ele tolerou, mas só aquela vez. Ah, eu também perguntei sobre seus tipos de musica preferidos, que eram clássica e jazz. Passei o resto da minha infância ouvindo Chopin antes de dormir e Nat King Cole depois de acordar. E adivinhem? Hoje meus estilos musicais preferidos são, jazz e musica clássica.

As vezes as pessoas me perguntam porque falo tão baixo e respondo que é porque estou falando com elas e ninguém alem delas precisa ouvir o que digo, ninguém tem a obrigação de ouvir o que não lhe interessa, isso para mim também é respeito. De onde será que tirei esta resposta?

Meu pai também me contava muitas historias ou estórias, como ele faz questão de escrever, mas nunca vinham de livros, todas eram relatos de suas experiências pessoais ou criadas na hora, conforme lhe inspirava as cores da cortina do meu quarto ou o jeito que eu havia deixado as bonecas jogadas no chão. Quando estávamos longe, ele me escrevia cartas contando suas aventuras no mar com todo o exagero necessário para que eu respondesse pedindo mais estórias. Só hoje me dei conta destas nossas semelhanças, do gosto pela musica, pelas cartas, de como este meu conceito de respeito foi influenciado..., e agradeço, afinal, destas coisas eu gosto em mim.