ABISSAL NEGREIRO
(Sócrates Di Lima)

Vos que sublimais o colossal,

Nas vozes torpes do pejo,
Que grita nas galerias pluviais,
O que a pele clara não ouve além do brejo.
 
Gritais oh! Cor de pele púrpura,
Que não há mistura no sangue,
O nojo da palavra não cura,
E nem tira da alma a lama do mangue.
 
Vos que tirais do ser a oportunidade,
E negais a verdade da cor da pele,
Terás ao longo da posteridade,
O preço sádico da ira, antes que o coração gele.
 
E se negais o trono ao ilibado mancebo,
Que ás custas do sacrifício intolerante,
Pisais na tábua mandamental do credo,
E pagais com os cravos nas mãos do Cristo pregante.
 
Ah! Pobre diabo que se rasga no degredo,
Onde a morte não cessa a ingratidão,
Ferís com Lâmina afiada o segredo,
E punis o homem com a escravidão.
 
E o tempo não apaga a dor,
De quem clemência das mãos do seu Senhor rogou,
E nem daqueles que no vil metal foi sofredor,
Mas, o tempo repara o que a pele clara negou.
 
E hoje tange a glória nos pergaminhos da história,
Que houve por bem amenizar o sofrimento,
Que nas Leis do homem sopesou a memória,
E tenta livrar a alma branca do final julgamento.
 
O que diria o poeta Cruz e Sousa,
Quando pelo ódio racial negou-lhe a oportunidade,
Mas, por  vontade divina não se viu outra cousa,
Senão perpetuar a glória do poeta á sua identidade.
 
Vos que não compreendeis o ritual da vida,
Que se embrenha na rudez brutal do nevoeiro,
Que cobre a alma e impede a visão tecida,
Nos gigantes remos do abissal Negreiro.


http://www.revista.agulha.nom.br/csousa.html

CRUZ E SOUSA

 Maldito dos versos musicais

Cruz e Sousa atravessou a vida num silêncio escuro. Errante, trêmulo, triste e vaporoso, o negro e sublime poeta nascido na Desterro de 1861 suportou o peito dilacerado com a convicção da glória.

O Cisne Negro não se amedrontou diante de austeras portas lacradas. Maldito pela grandeza e pelo elixir ardente de versos capazes de arrebatar paixões até a atualidade, quando se completam os cem anos de morte.

De pranto e luar, sangue e sensualidade, lágrimas e terra construiu uma obra de estímulo às paixões indefiníveis. Mestre do Simbolismo no Brasil, aliou genialidade a um meticuloso rigor. Celebrado só depois de morto, o Poeta de Desterro foi um homem apaixonado, autor de versos transcendentais que ganharam o mundo.

Ele via a perfeição como celeste ciência, mas não saboreou a imortal conquista. Antes de morrer tuberculoso em Minas Gerais, em 19 de março de 1898, o poeta ensinou a alma palpitante, a fibra e sobretudo que "era preciso ter asas e ter garras".

 


 

 

cruz02.jpgModerno antes de ser eterno

 

 

Seguidor da vanguarda francesa, Cruz e Sousa cria o Simbolismo no Brasil e revela-se um homem engajado com as lutas do seu tempo

 

Forças adormecidas de angústia e sonho sustentam a vida e a obra de Cruz e Sousa, autor de versos incompreendidos porque inovadores e inseridos na trilha da vanguarda francesa da época. O Cisne ou Poeta Negro, como alguns o chamavam, ao mesmo tempo em que produzia uma poética que o colocou ao lado de Mallarmé, Rimbaud e Verlaine, também desafiou o mundo com sua escrita contundente. "Não lhe bastou ser poeta, foi um jornalista engajado com as lutas de seu tempo", situa o poeta paranaenese Paulo Leminski em uma biografia publicada em 1983.

Negro numa sociedade escravocrata, Cruz e Sousa fez militância contra a escravatura. Pesquisadora do assunto, a professora-doutora Zahidé Lupinacci Muzart, do departamento de letras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), lembra que nos anos 80 do século 19, Cruz e Souza e seu grupo discutiam as questões cadentes de seu tempo e lutavam fundando jornais, folhas, semanários alternativos...

Ele não se fechou a sete chaves numa torre de marfim, não abraçando a causa abolicionista, confome equivoca-se o crítico Fernando Góes, em estudo introdutório para uma nova edição da obra completa do poeta, em 1943. "Não foi indiferente à causa, muito pelo contrário", salienta o estudioso Iaponan Soares, dono do acervo mais completo sobre Cruz e Sousa no Brasil.

Em 1961, quando preparou outra edição de obras completas de Cruz e Sousa, Andrade Muricy, em comemoração ao aniversário de nascimeto, "fez importante coleta de dispersos, entre eles algumas páginas abolicionistas, duas das quais publicadas em livros, mas poucos conhecidas: "O Padre" e "Crianças Negras", além de outros. Quando passou pela Bahia, em 1885, o poeta participou do movimento abolicionista local, proferindo palestra. Seus escritos sobre o tema só muito mais tarde chegaram ao conhecimento da crítica.

A comprovação mais evidente da militância no movimento pela libertação dos escravos é sua participação na sociedade carnavalesca "Diabo a Quatro", que, em 1887, desencadeia campanha pelo abolicionismo, com plena cobertura da imprensa. Um dos textos mais inteligentes contra o escravagismo, escrito no jornal "A Regeneração" e intitulado "O Abolicionismo", é contuntende e articulado. "Não se liberta o escravo por pose, por chiquismo, para que pareça a gente brasileira elegante e graciosa antes as nações disciplinadas e cultas", dispara Cruz e Sousa.

O poeta ainda publicou em inúmeros outros jornais brasileiros, especialmente em Florianópolis e no Rio de Janeiro, para onde mudou-se definitivamente em 1890. Trabalhava por um magro salário.

 


 

 

Único neto de Cruz e Sousa
morreu doente e decepcionado

 

 

Descendentes vivem ainda com dificuldades no Rio de Janeiro, onde o poeta está enterrado

 

Ercy Cruz e Sousa, 75 anos, matriarca da família, vive no Realengo, no Rio de Janeiro. Ela foi casada com Sílvio, único neto de Cruz e Sousa, que morreu em 1955. Durante sua vida ele foi marinheiro, mas também trabalhou como eletricista e vendia peixe para sustentar a família. Quando morreu, Ercy tinha 32 anos e ficou com seis filhos para criar. Nunca mais casou. "Para que, meu filho?", indaga ela.

A matriarca, que está bastante doente, perdeu as contas do número de descendentes do poeta. Na última contagem feita por ela, havia 36 netos, 20 bisnetos e outra quantidade de tataranetos. Há outros que estão fora das contas de Ercy, que mora com a filha Dina Tereza Cruz e Sousa, 58 anos e com a neta Emilena, 22 anos. As três moram numa casa modesta, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, com piso de madeira e paredes de alvenaria. Emilene e o primo Anderson são até onde se sabe os únicos descendentes do simbolista Cruz e Sousa que chegaram a ensaiar algumas letras, mas desistiram da carreira de escritores. A justificativa de Emilene para não ter persisitido na profissão foi porque não queria passar pelo mesmo sofrimento de seu tataravó-poeta.

 

Pensão do governo

 

Ercy, a filha e a neta sobrevivem de uma pensão do governo do Estado de Santa Catarina, paga desde a década de 50 sob determinação do então governo Irineu Bornhausen. Apesar de não ser descendente direta de Cruz e Sousa, Ercy também tem sangue de artista nas veias. Até hoje ela amarga a frustação de não ter acompanhado uma excursão para a Alemanha. Era cantora de música afro e cantava em peças teatrais. Um empresário ligou para seu vizinho, convidando-a para a excursão, mas o recado não chegou aos seus ouvidos. Era uma época em que ela trabalhava de lavadeira durante o dia. À noite fazia o papel de uma cantora dos Palmares. O sonho de tornar-se uma estrela e reverter o quadro de miséria ficou sepultado no tempo. (JL)

 

Família enfrenta signo da fatalidade

 

Sílvio morreu muito doente. Ercy diz que o motivo de sua morte foi decepção com a vida. Lia muito jornal, andava pelas ruas para dissipar sua dor. Recomendava sempre que os filhos não abandonassem a escola. "Sem estudo vocês não serão nada", dizia. Poucos da família estudaram. Uma das descendentes de Cruz estudou um pouco. "Quase formou-se professora", comenta ela.

Sílvio é filho de João da Cruz e Sousa, quarto e último filho de Cruz, que nasce postumamente em 1898. Os outros três filhos morrem antes de atingir a adolescência. O próprio João Filho morre antes dos 20 anos. Mas deixa Francelina Maria da Conceição grávida. Ela também enfrenta o signo da fatalidade de Cruz e Sousa. Morre atropelada num desfile de Carnaval. Sílvio perdeu a mãe ainda muito jovem e é criado por Alexia Mancebo, uma paulista com uma boa situação financeira que vivia no Rio e tinha o maior carinho pelo garoto. Ela criou e educou o neto de Cruz.

 

Baú

 

Até março de 1988, Dina guardou com carinho um baú herdado do pai que guardava manuscritos e roupas do poeta. Todo cuidado não preservou o baú de uma enchente que o destruiu. Entre os valiosos papéis, havia muitas correspondências que se perderam para sempre. Havia também poemas avulsos e fotografias. Da pequena casa de dois cômodos, que abrigava bisnetos e trinetos do poeta, pouca coisa sobrou. A enxurrada levou móveis e muitas roupas dos quartos e salas, deixando rachaduras e buracos na parede.

 

Mausoléu

 

Dina já esqueceu a última vez que freqüentou o túmulo do avô. Brincando ela diz que o túmulo é limpo e recebe flores somente quando se comemora alguma data alusiva ao poeta. Segundo Manoel Gomes, autor do livro do "Palácio Rosado ao Palácio Cruz e Sousa", o mausoléu definitivo do poeta foi inaugurado em 5 de agosto de 1943. Foi construído pelo governador Nereu Ramos, no cemitério São Francisco Xavier, segundo projeto do escultor Hildegardo Leão Veloso. Na solenidade de inauguração, informa Manoel, o embaixador Edmundo da Luz Pinto e o poeta Tasso da Silveira discursaram enaltecendo a obra do poeta. (JL)

 

Socrates Di Lima
Enviado por Socrates Di Lima em 20/11/2011
Reeditado em 21/11/2011
Código do texto: T3346914
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