DOS TEMPOS DA INFÂNCIA
Guida Linhares

Desde menina gostava de ouvir as histórias que os tios contavam, e quando esqueciam de algum trecho, eu dizia: - está faltando um pedaço. E assim foi a minha infância, até que aprendi a ler e a escreve
r.

Então um dia, meu pai apareceu com uma caixa de papelão, e dentro dela a coleção completa do Monteiro Lobato.
A princípio fiquei assustada com tanto livro, mas peguei o primeiro e foi o começo de uma viagem inesquecível, que durou muito tempo, pois todos os dias eu prosseguia na leitura.

A cada página, me sentia dentro do próprio Sítio do Pica Pau Amarelo, e até chegava a ouvir o chamado da Tia Nastácia, pra comer os bolinhos de Dona Benta.

Gostava do Rabicó, mas o meu preferido era mesmo o Visconde de Sabugosa, embora gostasse do Pedrinho, um bom menino, da Narizinho sempre atenta às peraltices da Emília, a boneca que era mais viva do que as minhas inúmeras bonecas de verdade.

Mas Emília não era de mentira, nascera muda, mas depois que tomou as pílulas do Doutor Caramujo, desandou a falar até demais, ao ponto de Narizinho chamá-la de "torneirinha de asneiras".

Pois é...o tempo passa e a gente cresce, mas há momentos que são inesquecíveis. Se eu fechar os olhos, posso até ver a Emília falando pro Visconde de Sabugosa sobre o que seria a vida:

"…a vida, Senhor Visconde, é um pisca – pisca. *
A gente nasce, isto é, começa a piscar.

Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso.

É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais.

A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso.
Um rosário de piscadas.

Cada pisco é um dia.
pisca e mama;
pisca e anda;
pisca e brinca;
pisca e estuda;
pisca e ama;
pisca e cria filhos;
pisca e geme os reumatismos;
por fim, pisca pela última vez e morre.

- E depois que morre – perguntou o Visconde.

- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?”

(em Memórias de Emília)

*
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Santos/SP/Brasil
18/04/12

Minha carinhosa homenagem ao grande escritor Monteiro Lobato, que sempre acreditou que a leitura levaria as crianças a percorrer o mundo, sem sair do lugar
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