Um grão de loucura

Conta a lenda que numa determinada noite, aos 30 de julho do ano de 1906, um anjo encaminhava-se para a terra, obedecendo às ordens superiores para cumprir elevada missão.

Era uma noite escura e fria em Alegrete, pequena cidade situada no valoroso estado do Rio Grande do Sul, onde o anjo deveria aportar.

Entretanto, no meio do caminho, esta singular criatura, acompanhada por seus padrinhos celestes, resolveu dar uma paradinha, para caminhar em uma praia.

Na praia, olhou para o horizonte e anteviu o futuro: a infância comum na cidadezinha, as primeiras letras, os ofícios: a farmácia, a editora, o jornal, os primeiros escritos, os primeiros livros, os contos, poemas, as traduções, o vôo das palavras... Os amigos amealhados: Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Cecília Meireles, Érico Veríssimo e João Cabral de Melo Neto, além de Manuel Bandeira.

Vislumbrou o passeio pela “rua dos cataventos”, ouvindo belíssimas “canções”, com seu “sapato florido”, passando por um “batalhão de letras” transpassando sua cabeça, qual um “aprendiz de feiticeiro” misturava as palavras habilmente, passo curto e simples, mas objetivo e certeiro.

E lá ia ele, com seu sorriso angelical, perambulando pelas ruas de Porto Alegre, com uma boina preta e um cigarrinho na boca, vivendo em hotéis e pensões, como hóspede, não mantendo residência fixa. Não se importando com este nomadismo, justificaria que “mora dentro de si”. Nunca se casaria, mas se apaixonaria diversas vezes, por diversas musas. O amor no estado bruto!

Recordou das três indicações à Academia Brasileira de Letras, em que foi preterido. Sorriu, olhando para o céu, admirando um passarinho que voava naquele momento...

A vida longa, a morte demorada, no Hospital “Moinho dos Ventos”, - nome apropriado para a passagem de um anjo - , as pétalas de rosas derramadas em seu caixão, como lágrimas cristalizadas e perfumadas de gratidão do público àquele que transformou o seu cotidiano em poesia.

Ao final de suas reflexões, que duraram quase que infinitamente, dentro daquela noite, seus padrinhos, receosos perguntaram: - Desejas desistir da missão? Sabes que serás peculiarmente apelidado de "anjo", aqui na terra?

O anjo abriu seu sorriso mais doce, destes que estão imortalizados nas fotografias, roçou os pés na areia e pensou: - para esta missão me será necessário um “grão de loucura” . E não limpou os pés.

Disse apenas: - Vamos! Mas eu preferiria que me chamassem de diabo... Seria mais divertido! E num leve impulso, voou em direção ao seu destino.

Assim nasceu MÁRIO QUINTANA!

Tributo ao poeta Mario Quintana, publicado em meu blog em 30/07/2006

Adam Flehr
Enviado por Adam Flehr em 20/08/2012
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