Como é que se diz: “ - Eu te amo" ?

“Eu acredito que não existem heróis.

A gente pode ter pessoas realmente espetaculares, por exemplo, figuras

espiritualizadas, religiosas, que são grandes modelos para a humanidade, mas na verdade, todo mundo é igual.

Eu não acredito que eu tenha uma verdade a mais. E principalmente a juventude.

Se a juventude cair nesse erro de acreditar que sim, elas inevitavelmente vão acabar descobrindo que o ídolo delas tem os pés de barro.”

(Renato Russo - 1960-1996)

E lá se foram dezesseis anos. Ficaram a saudade e as eternas canções de um ídolo de minha juventude. Abaixo transcrevo um texto em homenagem a ELE, escrito em 2007, no meu blog "prosa eletrônica":

Eu me lembro como se tivesse acontecido ontem, mas já se passaram tantos anos! Era uma sexta-feira. Naquela época, todas as sextas-feiras eram especiais. Éramos tão jovens e tínhamos todo o tempo do mundo. As ilusões não haviam fenecido, e ainda era cedo para nós.

Aproveitamos o dia que prenunciava o final de semana para comemorar, saímos do trabalho com o sol ainda alto, devido ao horário de verão. Fomos para o nosso “bunker” tradicional, um dos inúmeros “pés-sujos” que ladeavam o nosso escritório.

Trabalhávamos duro durante toda a semana, segundo o “Yuppie way of life”, vigente naquele tempo , e buscávamos toda a diversão que algum veneno anti-monotonia pudesse nos proporcionar, nos tempos livres. Éramos jovens típicos daquele tempo. Hoje, um tempo perdido.

Discutíamos sobre tudo, desde a mais recente fofoca do escritório até Freud, Jung, Engels e Marx. E apesar de acreditarmos no futuro da nação, havia tanta sujeira nas favelas e no Senado (e por todos os lados) que sempre nos questionávamos: que país seria aquele? O Rio de Janeiro já prenunciava o faroeste caboclo que é hoje, mas ainda ficávamos até mais tarde nas ruas, conversando, bebendo, namorando... tentando descobrir como é que se diz: “ - Eu te amo” !

Lá pelas tantas, a rádio que municiava a música ambiente anunciou uma notícia tão inédita quanto improvável para nós: havia falecido naquela madrugada, por infecção pulmonar, o cantor, compositor e líder da Legião Urbana, Renato Russo.

Ícone e porta-voz de toda uma geração, da minha geração, Renato foi a voz, o cérebro e o coração de toda uma época. Sabíamos de seu recolhimento e das suspeitas de que ele estivesse com AIDS, mas o lançamento de um novo CD, “A Tempestade”, apesar de tão belo quanto soturno, nos havia dado um novo alento. Mesmo depois de ouvirmos o anúncio de sua morte, custávamos a acreditar. No meu canto, eu repetia internamente: eu não vou chorar, eu não vou chorar... Acho que todos daquela mesa estavam pensando o mesmo, porque ninguém ousava falar palavra sequer. Aos poucos, timidamente, alguns começaram a cantarolar baixinho, a música que estava sendo reproduzida no alto-falante, como se não houvesse amanhã.

A noite acabou e certamente não fugiríamos mais com ele, ficaram as honras e promessas, lembranças e estórias. Enquanto estávamos indo de volta para casa, eu me lembrava de uma frase dele que dizia que não devemos cultuar heróis porque até mesmo estes tem os pés de barro...

Contudo, eu não queria de forma alguma me desfazer de meu herói. Se fosse só sentir saudade, mas tem sempre algo mais e seja como for, mesmo com os seus pés de barro, eu rabisquei um sol na calçada, com a fugacidade de um giz. Ou da própria vida. Mas tudo bem...