Caso da muda de araçá

Araçá é uma árvore pequena de até 8 metros, tem tronco com casca lisa, apresenta

folhas pequenas e avermelhadas quando jovens.

Com polpa esbranquiçada, a fruta é ligeiramente ácida , suculenta e aromática . O melhor: os seus frutos adocicados, que ocorrem na primavera verão, atraem muitas espécies de pequenos pássaros.

Mas eu, na minha ignorância bruta, desconhecia o araçá. Em São Paulo, o cemitério do mesmo nome sempre foi uma grande referência para os momentos em que nos deparamos com a nossa finitude e pequenez. Ali jazem grandes personalidades da vida cultural e política do país, além dos milhares de cidadãos comuns que fizeram parte da historia, digamos, com uma expressão mais recatada, tímida, e que engrandeceram o Brasil à sua maneira.

Casualmente conheci o pé de araçá na casa de uma amiga, depois de uma breve visita. Rapidamente ela apanhou uma fruta e me ofertou. Azedinho suave, puro, profundo... e nunca mais pude repetir aquela experiência agradável e , para mim, única.

26 de maio de 2008 e eu completava meio século de existência. Poucas pessoas sabiam. A minha timidez visceral jamais permitiu que eu me anunciasse. Só os mais próximos sabiam e me abraçaram, me desejavam felicidades, com presentes lindos e, para mim, eternos.

No mesmo dia, mudas de algumas plantas estavam à nossa disposição na ante-sala da direção geral do colégio jesuíta em que eu lecionava. Meu segundo lar, gosto de afirmar com sinceridade.

- “Planta bonita, Heloísa! O que é?

- “É Araçá, fessora!”

-“É esse que eu quero. Posso pegar?”

- “Só tem esse, fessora.”

- “Estou pegando. Pode ser?”

- “Eu ia levar para a minha casa, mas fique com ele, fessora”.

-“Claro que não, Heloísa. É teu”.

-“Faço questão, fessora. Eu consigo outro prá mim. Consigo mesmo!”.

A Heloísa não sabia que eu estava completando 50 anos. Não precisava saber. Eu ficaria envergonhada de estar chamando a atenção. O presente que ela me deu foi da mais absoluta beleza. Rimou com generosidade, respeito, carinho que ela naturalmente esbanjava todos os dias.

Heloísa foi um anjo que conheci. Dos mais belos, mais inteiros. O anjo exuberante em qualidades e elegância ética. Interessada por todos com a sua natural candura, foi de uma juventude madura encantadora. Suave, delicada, presente. Uma das pessoas mais especiais da minha convivência. Por muitos anos tomei café com ela e era sempre divertido, pois sempre tinha alguma coisa boa para contar. E nunca falava mal de ninguém. Trabalhava com esmero e, com serenidade e atenção, dava voz e olhares a todos que chegavam.

E sempre chegava gente: afinal, a Heloísa estava ali.

E hoje faz 3 anos que o Criador resolveu chamar a Heloísa. Acredito que São Pedro precisava de uma secretária como ela: eficiente, dedicada, presente, conciliadora, comprometida e séria no meio de alguma brincadeira sutil. Mas se São Pedro deixar a Heloísa fazer a triagem de quem vai para o céu... ah! eu tenho certeza de que ela vai deixar todo mundo entrar. Ainda vai oferecer cafezinho, vai acalmar os que estão chegando no meio de dúvidas e desassossego. Vai ter com os novos hóspedes uma boa conversa, um acolhimento ímpar, VIP e ninguém vai poder colocar defeito. Porque parecia mesmo que a Heloísa não tinha defeito.

Fique sabendo, Heloísa. Todas as noites, nas minhas preces, eu convido os que se foram para me visitar: os parentes e os amigos. Eles vêm! Eu olho para eles, converso, chego a abraçá-los, me arrepio, peço desculpas pelos meus erros. Mas principalmente, agradeço. Assim, Heloísa, todas as noites eu te agradeço! Eu te abraço, te vejo na gentileza e na serenidade que tanto te marcaram. Obrigada, Heloísa. Sou obrigada a reconhecer – felizmente – que você ajudou a germinar felicidade por aí. Você espalhou sons harmoniosos da primavera pelos cantos de um colégio imenso e em incontáveis almas.

E mais: tenho certeza de que, quando você chegou onde está, os anjos e santos estavam enfileirados te esperando, te aplaudindo calorosamente, dizendo: “lá vem o anjo que viveu alguns anos lá embaixo espalhando esperança, sendo, sim, luz do mundo”.

Heloísa, aquela muda de araçá está se desenvolvendo num vaso que comprei especialmente para ele. Está na porta da minha casa. Como um dos presentes mais especiais vindo de uma pessoa inteira em grandeza, suavidade, generosidade e respeito. Fique com Deus, Heloísa. Qualquer dia a gente se encontra.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 25/10/2012
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