"PALAVRAS SÁBIAS"

Palavras sábias

Meu pai, José Ambrósio de Medeiros, sempre dizia:

- Dormir e acordar cedo é muito bom para a saúde de todos e, principalmente, para as crianças que, como vocês precisam estudar e o frescor da manhã, deixa a cabeça mais descansada e mais aberta para assimilar melhor os conhecimentos.

O conselho era correto, mas o difícil era seguir; os que estudavam à tarde, relutavam por levantar... Minha mãe, coitada, companheira dedicada, tentava em vão acordá-los. Quando percebia que perdia tempo, chamando-os, declinava , e dizia:

- O problema é de vocês, não preciso nem me queixar com seu pai porque Ele sabe direitinho quem tira as melhores notas. Para isso, existe o boletim escolar...

Quem vê dessa maneira, fica achando que meu pai era um homem mau e grosseiro com os filhos. Não! Nunca foi, era a calma em pessoa. Tinha o hábito de ler muito e quando tinha que chamar a nossa atenção, lia sempre um texto qualquer que elucidasse a nossa mente e deixasse que refletíssemos. Nunca levantou a mão para bater nos filhos e, quando minha mãe se irritava e pegava o chinelo para bater, ele não deixava e dizia pra Ela:

- Calma mulher! Não é assim... Deixa, eu converso com eles ..._ E desse jeito, vinha sempre aquela preleçãozinha, com todos em torno da mesa, para que escutassem o que tinha a dizer. Meu pai era realmente extraordinário, passava para nós, seus filhos, aquela sua tranquilidade, mesmo nas fases mais difíceis da nossa vida...

Papai nasceu em Portugal mas veio para o Brasil, ainda bebê. Meus avós, não sei por que, foram morar na roça, num arraial chamado São Sebastião do Paraíba. Lá, não havia escola; por isso, foi alfabetizado em casa por meu avô e daí em diante, nunca mais deixou de ler. Meu avô vivia da plantação de cana e tinha um moinho de onde tirava o sustento da casa e meu pai tornou-se torneiro mecânico. Esse arraial, hoje cidade de São Sebastião do Paraíba, faz parte do Estado do Rio de Janeiro e fica às margens do Rio Paraíba do Sul, que faz divisa com Minas Gerais. De Cantagalo, para se chegar até lá, leva-se 1 hora de carro, em terra batida. Dessa forma, viviam da cana, da agricultura e primordialmente da pesca e da carne de animais domésticos, como : aves, porcos, cabrito e etc.

Lá, meus pais se casaram e os seis primeiros filhos nasceram lá. Acho que resolveram mudar para o Rio porque lá, não tendo tratamento médico, nem hospitais, eles perderam duas crianças, uma, com 02 anos de idade e outra com 12 anos ( a 1ª, como disenteria e a outra com meningite) . Aqui no Rio, minha mãe teve mais 03 filhos: o Lourenze, Eu e o mais novo Elio. Cinco anos depois, meu avô, já velhinho e doente, pediu a meu pai (único filho homem) que voltasse pra roça a fim de cuidar do moinho de cana e meu pai, como gostava da vida na roça, resolveu voltar... Minha mãe não gostou da idéia, mas teve que ceder. Ao voltar para lá, eu tinha, apenas, 02 anos de idade, o Lourenze, 05 e o Élio, um bebê...

Meus dois irmãos mais velhos já moravam no Rio desde a 1ª. vinda dos meus pais. Aqui, com ajuda dos meus tios, começaram a trabalhar e estudar... E nós ficamos lá naquela vida bucólica, morando num casarão de madeira, que pertencera a meu avô e ao lado, passava o braço do rio com a grande roda (moenda), trabalho que meu pai assumiu. Minha avó já tinha morrido, antes de chegarmos, mas meu avô ainda vivia...

Durante dois anos em que lá vivemos, meu pai adquiriu uma ferida no peito do pé que não curava, Lourenze(Lolo, era o seu apelido), ao deparar-se com um imenso jacaré, correu, apavorado pra chamar meu pai e, menininho ainda, com cinco anos de idade, tropeçou num toco de árvore, fraturou o joelho e sem tratamento adequado, o joelho acidentado e tratado, apenas por farmacêutico, não resistiu e piorou muito.

Num dos quartos, dormia minha mãe com o doentinho. Uma noite, o próprio Lolo acordou minha mãe para que ela visse o fogo que já adentrava no quarto. Minha mãe, acordou meu pai e todos os filhos. Corremos todos pra fora da casa. Meu pai e o Manoel que já era mais crescidinho, tentavam salvar alguns objetos, jogando-os pela escada abaixo. Eu tinha apenas, quatro anos de idade e desse episódio, só lembro da minha mãe com o Élio (dois anos no colo) nervosa, perguntava: cadê a Thereza (eu já estava agarrada as saias dela), cadê o Lolo, a Maria...(Maria, a mais velha dos irmãos, ajudando, com o Lolo). Minha mãe parecia a galinha quando abraça seus pintinhos para protegê-los da chuva.

Esta lembrança da minha mãe agarrada aos filhos, enquanto a casa toda pegava fogo, ficou para sempre na minha memória. Alguns vizinhos chegaram para ajudar mas nada mais pode ser feito. O casarão de madeira, virou um monte de cinzas. Somente as panelas de ferro que mamãe usava no fogão a lenha , escaparam.

Essas lembranças tristes, serviram para alguma coisa boa: tivemos que voltar pro Rio e aqui todos tivemos oportunidade de estudar e trabalhar, o Lolo foi internado no Hospital de Jesus e ficou muito tempo em tratamento pois o ferimento virou uma doença grave chamada, osteomielite e que levou muitos anos para ficar curado, ficando, como sequela, uma perna mais curta.

Meu pai sofria de bronquite asmática e enfisema pulmonar. Morreu aos setenta e nove anos. O casamento de meus pais durou 59 anos...

Tem um ditado que diz: “ Há MALES QUE VEEM PARA BEM”

Em tempo: quando tenho oportunidade de visitar a cidade de São Sebastião do Paraíba, fico imaginando como meus pais viveram lá, vou à Igrejinha, onde se casaram. Hoje, toda reformada, mas ainda conserva o estilo antigo da época do casamento. Em frente à igreja, uma praça linda, florida e bem conservada, com muitos bancos onde a gente se senta e bate um papo com pessoas que vivem lá há muitos anos e que, alguns poucos, lembram-se, ainda de meus pais e dos meus irmãos mais velhos. Tenho primos que, por terem nascido e serem criados lá, até uma certa idade, não esquecem a terra onde nasceram e vão sempre lá, um em especial, o Luizinho, o mais novo dos irmãos, tem um sítio e grande criação de gado. Atualmente, a cidadezinha tem escola, biblioteca, posto de saúde, parquinho, enfim, o mínimo que uma cidade do interior pode ter; mas o que mais me atrai nela é a paz que me inspira e o povo simples que nos recebe sempre com muita alegria e docinhos caseiros.

Tete Brito
Enviado por Tete Brito em 02/02/2013
Reeditado em 12/02/2013
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