FOI ASSIM QUE NOSSO AMOR COMEÇOU

“FOI ASSIM QUE NOSSO AMOR COMEÇOU”

Morávamos no mesmo bairro e já nos conhecíamos apenas como duas pessoas comuns que se cumprimentavam e nada mais. Eu era adolescente e você um homem feito com um físico invejável. O que me encantava em você, não era tanto o físico, mas sim o carinho respeitoso que me dedicava, sempre que, por acaso, cruzávamos na rua. Para mim, era como se fosse um irmão mais velho que me divertia com suas tiradas engraçadas que me faziam rir.

Nessa época, eu tinha um namorado de infância, o Pedro. E você, sempre que passava na minha porta, via-nos juntos. Eu tinha quatorze anos e Pedro dezesseis. Éramos duas crianças que brigavam mais do que namoravam, mas sempre voltávamos.

Nesse período, você passou a perguntar sempre por minha irmã Maria, que tinha mais ou menos à sua idade e eu achava que você estava interessado nela; afinal, eram ambos solteiros e eu , até, torcia por vocês.

Já morávamos há dez anos em Piedade, numa casa alugada. O proprietário, um senhor idoso que nos prestigiava com a sua amizade e muita consideração, faleceu. A família dele, então, alegando que precisava da casa para uma filha morar, pois a mesma estava passando por necessidade.

Meu pai, como bom crente que era e, em consideração ao bom velhinho, quis logo entregar a casa sem duvidar, sequer, da idoneidade da família enlutada...

Logo depois, soubemos que a família usou um artifício mentiroso para que meu pai entregasse a casa e, logo depois, alugaram-na com um valor bem mais alto...

Sem mais delongas, meu pai comprou um terreno num loteamento novo, na Pavuna, bairro suburbano bem mais afastado do centro da cidade. Mesmo que quisesse construir uma casa de alvenaria, não teria tempo e nem dinheiro para tanto. Pelo menos aí seria a nossa casa...

Comprou, então, a madeira de forro e, habilidoso como era, ele mesmo construiu a casa com três quartos, sala, cozinha e banheiro. E para lá nos mudamos. Eu estava com 15 anos. Pedro foi, algumas vezes, na Pavuna mas, numa das nossas brigas, desistiu. Você, Nilton, o amigo que me fazia rir, ficou para trás sem que eu pudesse me despedir.

Quando Maria casou com o Valter, pensei que você, também poderia estar casado; e fiquei triste... Acho que eu já gostava de você e sentia saudades. A partir daí, não tirava você da minha cabeça... Felizmente, como professora recém-nomeada, o entusiasmo pelo meu trabalho, tomou conta de sufocar aquele amor platônico. Mergulhei de cara no trabalho de alfabetização com crianças carentes. Acho que foi o melhor e mais difícil trabalho que fiz, utilizando toda a didática que aprendera na Escola Normal Carmela Dutra.

No início, a vida na Pavuna foi dura; não tínhamos água, nem luz. A água era de poço e como todos nós, precisávamos estudar à noite, meu pai, então, comprou dois bons lampiões, que produziam luz tal qual a luz elétrica. O pior era os dias de chuva, onde o barro das ruas virava um mingau e não havia sapato que aguentasse. A roupa era passada com ferro a carvão.

Enfim, com todas as dificuldades, ninguém deixou de estudar. Éramos sete irmãos, mas os dois mais velhos já estavam casados. Além dos meus pais, ficamos Eu, a Maria, o Manoel, o Lourenze(Lolo) e o Élio. Sete anos depois, o Manoel já era funcionário do Itamarati e estudava direito; Eu estava formada em professora e fui logo empossada como professora municipal do antigo Distrito Federal; o Élio fez engenharia elétrica, enquanto, militava como sargento do Exército. A Maria e o Lolo não cursaram o 3º grau, mas trabalhavam, Maria era costureira e o Lolo, comerciário.

Papai pegava, ainda, algum serviço na sua oficina de torneiro-mecânico no centro da cidade. Entretanto, em virtude da distância e da já avançada idade, optamos para que ele parasse de trabalhar pois, nós, os filhos já podíamos assumir o sustento da casa. Mesmo assim, ele acrescentou mais um cômodo no quintal e levou a oficina para casa...

Com nossa vida financeira mais ou menos estabilizada e com a inteligência e habilidade de papai, conseguimos construir uma boa casa, com acomodação para toda a família. Em pouco tempo, o bairro foi crescendo com novas casas e demais melhoramentos, como muito comércio, escolas, bancos, estação rodoviária e hoje, até Metrô.

Hoje, não tenho mais meus pais nem meus cinco irmãos homens. Dessa família lutadora, somente eu e a Maria (ambas viúvas), além das cinco viúvas dos meus irmãos, que também sobrevivem.

Em 1955, voltei à Piedade para consultar o meu dentista de infância, o Doutor Sebastião Contrucci. Quando saí da consulta, encaminhei-me para o ponto do bonde e... como por encanto, encontro o meu príncipe encantado: VOCÊ, acompanhado pelos seus dois melhores amigos, o Élio e o Darci. Passei por vocês, cumprimentei-os e subi no bonde. Olhei para a calçada e vi que você me fazia um sinal que indicava querer falar comigo... O meu sorriso foi a sinalização para que você subisse no bonde com o mesmo já saindo do ponto. Nesse encontro, iniciamos o seguinte diálogo:

- Ó Thereza, há quanto tempo... Estava doido para te encontrar! __disse

- Verdade? __ respondi

- Sim, é verdade. Sabia que vocês haviam- se mudado para Pavuna, mas ninguém soube me dizer o endereço. Perguntei a todos em vão. Fiquei desesperado...

- Se o seu amor por minha irmã era tão grande assim, sinto decepcioná-lo... Ela já está casada com o Valter, um rapaz lá de Piedade, também. Porque você não se declarou?...

- E quem disse que eu queria a Maria? Eu era louco por você! Respondeu.

- Como assim? Você sempre perguntava por Ela...

- Era o motivo que eu arranjava para poder ficar perto de você. Eu adorava seus trejeitos de adolescente, sua meiguice, seu sorriso, sua inocência... Tudo me atraía em você, mas eu não podia lhe dizer tudo o que sentia. Algumas vezes, tive ímpetos de confessar o meu amor, mas não tinha coragem. Nossa diferença de idade (8 anos) era uma barreira que nos separava. Quando é assim, as pessoas classificam-nos como papa-anjo. Inclusive, eu sabia que você namorava o Pedro. Por falar em Pedro, você não casou com ele, não é?

- Não, depois que mudei pra Pavuna, ele engravidou uma menina e foi obrigado a casar; e nunca mais o vi... Depois dele, tive alguns namorados mas nenhum me atraiu para casar.

- Que bom!! Então, agora eu ainda posso ter a minha chance, ou não?

- Claro que pode. Depois que Maria casou, pensei muito em você, também, só que imaginei que talvez estivesse casado...

- Não, até hoje me guardei pra você porque nunca perdi a esperança de encontrá-la. Thereza, eu a amo e não quero perdê-la novamente...

- E já perdemos tempo demais, você não acha? Respondi sorrindo.

E FOI ASSIM QUE NOSSO AMOR COMEÇOU e que, em vida, durou quarenta e nove anos de felicidade, com seus altos e baixos , mas sempre com dedicação, parceria e respeito mútuo . Se céu existe, um dia, ainda, vamos nos encontrar. Me aguarde, querido...

Tete Brito
Enviado por Tete Brito em 29/09/2013
Reeditado em 18/10/2013
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