MUITO POUCO

Muito pouco.

Eu a vi poucas vezes. Passava por mim. Radiante.

Acho que ela percebeu meus olhares. Uma ou duas vezes.

Talvez mais.

Muito pouco.

Nunca tinha visto uma garota com aquele olhar.

Espreitava. Mas, nunca tomei chegada. Coisa de bicho do mato, recém egresso de cidade pequena. De pé de serra.

Quando a via no colégio, meu coração pulava feito um potro sem treino.

Um dia, ela deu bobeira, tomei coragem e encostei.

Qual surpresa. Disse que já tinha notado meus olhares.

Muito pouco. Mas, foi bastante.

Foi numa sexta.

Na segunda, soube que tinha partido em um acidente de buggy.

Sem volta. Uma parte de mim foi enterrada naquelas dunas mortais.

Nunca mais esqueci d'aquele olhar. Radiante. Cabelos esvoaçantes.

Muito pouco. Muito.

Mas, foi bastante para marcar definitivamente meu jovem coração.

Uma marca indelével.

Jamais esqueci daquele olhar.

Tenho certeza de que foi muito pouco numa sexta.

Mas, ainda foi bastante para todas as sextas da minha vida.

Todas.

Pode ter sido pouco, mas, foi muito.

Muito pouco.

Pouco muito.

Levarei comigo aquele olhar radiante sem mesmo ter tocado nela.

Ainda hoje, meus olhos brilham quando me lembro daquele derradeiro olhar de sexta que jamais foi muito pouco.

Pouco pode ser muito.

Pouco pode encher o muito de uma vida toda.