O dia que encontrei Lou Reed

Domingos são sempre difíceis.

Costumo dizer que todo domingo é o fim do mundo. E é mesmo. Não há alegria que resista à iminência da segunda; é quando a magia do fim de semana se dispersa e o que fica é uma estranha sensação de vazio ou na melhor das hipóteses, nostalgia.

Mas esse último se superou. Eu havia saído de um cansativo teste de 3 horas de duração, a cabeça pesada de tanto pensar, isso sem falar na ressaca. Deixo o prédio onde estava e um vento gélido me envolve. Céu cinza. Espero que não chova. Ligo meu celular, acendo um cigarro e caminho ao lado de um amigo em direção a praça, quando meu celular vibra. Uma mensagem da Janis, espero encontrar alguma estória bizarra que me faça rir, ela sempre vem com as melhores. Abro a mensagem, não é mais uma brincadeira.

Lou Reed está morto. Sim, o velho Lou se foi e levou com ele boa parte do que resta do bom e velho rock'n'roll e tudo que resta são alguns dinossauros e muito lixo. Então me lembrei do dia que fugi do trabalho e fiquei umas 3hrs na fila de autógrafos de um livro com as letras dele, que eu não ia comprar. E do frio na barriga que ia invadindo à mim e aos amigos que estavam comigo quando a fila ia andando, e da alegria de criança quando o vimos a primeira vez do lado de dentro da loja, eu, o Ton e a Isa falando como loucos, "você viu, é ele, é o Lou, cara!!!", era ele, o "duende da morte" segundo Lester Bangs, o poeta das ruas de New York City que mudou os rumos do rock, guitarrista do The Velvet Underground, de hábitos nada ortodoxos nos anos 70, assim como tínhamos lido em "Please Kill Me" e algo se remexia dentro de mim conforme nos aproximávamos da entrada da Livraria Cultura, eu pensava no que dizer pra'quele monstro, se é que havia o que dizer. Já do lado de dentro, eu ganhei um pedaço de papel azul, no qual eu pegaria seu autógrafo (o que sempre achei uma grande bobagem, mas agora era diferente!) e ao fazer a curva da fila, lá estava ele, e não lembrava em nada a figura que tanto havíamos imaginado, parecia um velho fodido, quem sabe doente (haviam boatos que ele estava com câncer), sentado com uma cara entediada em frente à uma mesa, provavelmente achando tudo aquilo um saco; mas havia uma aura, pesada, poderosa, em torno daquela figura aparentemente frágil, que fazia minhas mãos tremerem contra a minha vontade e eu apertava forte aquele pedaço de papel azul.

Então chegou a nossa vez. Ton foi o primeiro, e ele levava um panfleto da exposição da esposa do Lou, e ele mostrou apontando, tentando dizer com mímicas alguma coisa, o Lou balançou a cabeça talvez não entendendo nada, assinou o papel e agora era a vez da Isa que tinha um sorriso gigante e conseguiu fazer o Duende sorrir quando ela pediu que ele autografasse um exemplar de "A catcher in the rye", e ele disse "nice book" e talvez ela tenha dito mais alguma coisa que eu não consegui ouvir, então ela pegou sua assinatura e se juntou ao Ton pra me esperar, e quando ela passou o Sr. Reed olhou pra bunda dela e eu pensei "que velho safado, hehe" e agora era a minha vez, então eu me aproximei e estendi a mão pra ele e ele apertou com aquela mão grossa e morna, parecia uma carapaça e eu pensei em quantas seringas ele havia segurado com elas e quantos acordes e quantos poemas e canções épicas, então eu sorri e olhei naqueles olhos sombrios e disse "you're the man, I've been waiting for you for a long long time" mas eu disse tão rápido que nem sei se ele entendeu alguma coisa, então lhe passei o papel e ele rabiscou e me devolveu, então eu disse, "Lou, please, can you put my name on it, my name is Marvin" e ele disse "What?" e eu disse, "Marvin, can you put on it?" e sem mais nenhuma palavra ele escreveu meu nome no papel e me devolveu e minhas ultimas palavras para aquele monstro foram, "Thank you Lou, you're the man!!!" e então saímos felizes pra tomar cerveja na Augusta e eu quase perdi meu emprego, mas a Janis passou um pano (e ainda teve que levar minhas coisas que ficaram no trabalho pra mim), e o flashback desse dia passou, assim, rápida e violentamente pela minha cabeça, assim como o fato de não ter tido a oportunidade de vê-lo em ação.

Fumei mais um cigarro, me despedi de alguns amigos que havia encontrado, e fui pra casa. Domingo, 27/10/2013, que dia fodido.

"I wish I was someone else, someone good".

Adeus, Lou.