Minhas pernas são seus braços 
 
 (Camisa rosa)


Vira e mexe vemos nos noticiários casos onde pai ou mãe – surpreendentemente mais mães do que pais – abandonam no lixo, nas matas, expostas a toda sorte de ataques de animais, seus filhos - algumas, quando mais conscientes, nas portas de casas alheias. Houve casos em que mães jogaram até em rios ou lagos seus rebentos recém-nascidos, e que, inexplicavelmente, sobreviveram, mesmo tendo ficado ali por horas e quem sabe por dias.

Há casos de mães, salvo nos que envolva insanidade, que são induzidas pela fraqueza de espírito pelo desespero provocado pelo abandono sofrido pelo pai que recusou não somente ao filho mas também a elas. Esse é um registro importante.

Sempre tive - apesar de, como dizia meu saudoso ex-sogro, má 'fetcho' e pregado errado -, uma boa relação com o Criador. Deus sempre entra com providencia na minha vida. Por mais que eu esperneie, a direção é sempre dEle. Foi dEle a decisão de não abandoná-los, aqui, numa situação inversa, quando fomos, os três, abandonados há mais de 30 anos. Eu apenas o obedeci. E mais de três décadas depois um dos meus completa 32 anos.

Hoje é o seu aniversário. E isto é uma homenagem. 

Quero deixar bem claro, porém, que vou me arvorar mas não sou nem um pouco bom nesse negocio de homenagens - ainda mais quando o sujeito a ser homenageado é um filho. Na verdade a homenagem é para todos os filhos cujos pais, pela importancia de cada um nas suas vidas se sentem à vontade para vir à publico, parabenizá-los. Mas vou tentar me experessar com um mínimo ao menos.

Posto isto, no geral, ninguém gosta de lembrar dos momentos duros que viveu na vida. Ainda mais em se tratando de uma celebração. Mas o texto teve como start o termo 'abandono', como não falar dos dias na barraca da velha e saudosa Orlinda, onde, enquanto eu trabalhava, você, com apenas 1 ano e 9 meses, e seu irmão, então com seis meses de vida, um frágil bebê, adoecia com o calor por passar o dia ali com a única alma que na época nos socorrera, dividindo o espaço diminuto e o tempo, entre vocês dois, os choros e as panelas da comida que tinha que servir a seus clientes ao meio-dia mas que só saia atrasada por conta da atenção que tinha que dar a voces dois, e a troco de nada, só pela compaixão que sentia de nós três?!

Como me esquecer das vezes que tinha que voltar para procurar, por quilômetros, seu chinelinho que caíra pelos vários buracos do assoalho da velha Brasília 76, que por vezes nos servia de cama, e casa?!

Não dá pra esquecer quando você, traquino, aos sete anos, abriu a geladeira, no meio da madrugada, bebeu cachaça, entrou em coma, pôs em pânico as enfermeiras, toda à família, e desolou seu irmãozinho, então com cinco aninhos, hoje seu parceiro, porque pensara que você morreria!

Como não dividir com aqueles que hoje nos rodeiam e com um tanto do mundo, o dia em que, às onze horas da noite, num lugar cercado por lagos, logo chamando-se Vale dos Lagos, e com nove anos apenas, você fugiu do prédio, entrou e me fez entrar num pântano cheio de cobras sucuri enormes, - suas amigas, como dizia – para se esconder por que não queria entrar para dormir?!

Como não lembrar, meu filho, da noite em que seu avô materno pôs um revolver à dois dedos do meu rosto, querendo me impedir de tirá-lo da sua casa, onde os havia levado para visitá-lo apenas, tendo que convencê-lo com o único argumento que ele conhecia, porque por nada neste mundo abriria mão de você, nem do seu irmão?!

E a sua fabrica de doces? Como poderia deixar de citar o sossego perdido, com você, aos 10 anos, sempre nos meus ouvidos, dia e noite, pedindo que prestasse atenção 'no projeto' que, segundo você, iria enriquecê-lo?!

Não. É impossível tendo a relação que tenho com Deus, e sabedor que sei da sua onisciência, esquecer ou desconsiderar que em tudo Ele esteve sempre no controle, e que por isto você está, há mais de 15 anos, a me carregar da cama para a cadeira-de-rodas; que hoje, minhas pernas são seus braços...

Quão bom, meu amado filho, foi ser obediente às ordens do meu coração, que nada mais fez que falar por quem o criou, o Deus ÚNICO que creio existir.

Hoje garoto, não posso deixar de dizer, que ao lhe ver com esse carro, ou mesmo com esta bendita moto e mesmo que com o coração apertado pela exposição no transito, cidade adentro e afora, com essa maquina na mão, ou com seu laptop nas suas investidas de marketing, dando suporte ao trabalho que há muito, tanto quanto eu, você tem acreditado, me encho de orgulho; apesar das divergências, das intempéries em momentos; apesar da sua intensidade quando decide sobre algo; apesar da sua inquietude, apesar de tudo, me encho de orgulho. Acredite.

Anseio ainda te falar o quanto me emociona quando entra em minha casa, abatido, ansioso, agoniado, por ter visto alguém com fome, ou padecendo alguma dor; querendo consertar o mundo, mas que se vendo impotente sofre.
 
Que bom guri, que não me inclui entre os pais que abandonaram seus filhos – no meu caso, repetindo, por ação do Onisciente. E Único que pode Isto. 

Hoje, seu moço, vejo que tudo valeu a pena. E por isso estou aqui a te dar os parabéns, Franco Filho, os parabéns pelo seu aniversário, e pelo seu coração.

AMO.