CÃO DO MEU ÓDIO (de Umberto Erê)

Mais um presente lindo, que ganhei do meu querido Umberto Erê. Eita, que orgulho!!! Rs!

[Dedicado ao incomparável amigo e fabuloso poeta Marco Aurélio Vieira. Hoje, minha vida tem mais ritmo e rima graças à sua presença luminosa, sua alma gentil. Te amo muito!]

Não é que ele tenha medo da chuva. Não, não é isso. O problema é que, quando chove, ele também se liquefaz e todos os seus sentimentos se misturam, em um amálgama de recordações e visões de sonho que quase sempre levam às lágrimas, o afogam num abissal de si. E as torrentes que inundam seu peito são mais violentas que a chuva que, eventualmente, possa vir a cair lá fora, enquanto ele se debruça em silêncio, sobre a lauda em branco.

Dizem que ele é um museu, uma Torre do Tombo mineira, na qual preciosos sonetos são escritos em papel apergaminhado, pouca tinta, e guardados em gavetas com puxadores de marfim. Sua miscelânea passeia do riso estridente à dor insustentável, há sombras e luzes em seus olhos, ai, essas janelas que roubam a alma do mundo e a aprisionam feito gênio em garrafa, nos versos do último terceto. De alma e de carne: sua chave de ouro.

Guimarães Rosa, Adélia Prado, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Alves, é como se Minas não cansasse! Também é ele dotado dessa mesma substância etérea que se impregna no espírito de todos que falam através da tinta, da pena. E seus versos nos seduzem, como que escritos ao som dos folguedos, congados e cavalhadas. Às vezes pintassilgo-mineiro, de andamento rapidíssimo e estrofes longas; outras de gorjeio tímido e mimoso, todo saí-azul.

Como o velho Chico, ele também nasce nas Gerais e, por muitas vezes, deságua no nordeste, onde posso beber e lavar-me nas mesmas águas daquela chuva, daquelas lágrimas, e junto a ele chorar, emocionado, embevecido de tanto sentir. É como se ele me arrancasse das amarras que me prendem ao mundo dos vivos e me carregasse por caminhos sutis, até a morada dos deuses. E lá, tomado do mais assombroso encanto, experimento a liberdade ainda que tardia de tê-lo aqui, ao alcance de meus sentidos e sentimentos mais elevados. Enfim, poder chamar-te cão do meu ódio, feito meus amores profícuos.

Umberto Erê
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 30/11/2013
Código do texto: T4592754
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