Tributo: Lorena Karla
 
"Deve-se temer mais o amor de uma mulher,
do que o ódio de um homem". Sócrates


 
TRANSBORDO
 
Ela não cabe em si, transborda.
Uma garota e seus turbilhões de
conceitos existenciais.
Um olhar que brilha, um olhar
sombrio.
E somente aquele que transpassar
afundo uma navalha de dois gumes
à sua carne crua, atingindo-lhe o âmago,
como um vil tirano implacável
Gozará de grande felicidade de toda
Inquietude que assola suas noites enclaras.
Ardem em febre as janelas do seu quarto.
 
Quem e ela? Um anjo ou demônio?
Ou a síntese da loucura e santidade?
 
Uma garota pura, uma joia bruta
A espera de um artesão
Para ser lapidada pelas das mãos de um artista.
Arte é criação.
Menina com pensamentos aguçados
Como o bico de um carcará que voa
O sertão em busca de sua presa.
De preferência aquelas que rastejam
no chão, nos lugares mais baixos.
 
Estive pensando; será que o fato
De ela viver recorrendo à metafísica
É uma forma de se esconder atrás
De uma máquina infernal de conceitos?
E assim, esconder de todos os abutres
O seu medo?
Ou uma busca desenfreada de quem
transborda em si na tentativa de encontrar
algo que comporte a essência do seu ser?
E fundamente sua existência?
Tenho receio de toda essa filosofia
Transmutar-lhe de bela numa garota fria.
Amo sua frágil sensibilidade.
Ela é o pão que me alimenta.
O poço onde desço meu balde d’água
Na carretilha e trago à tona cheio
Do lençol freático que sulca suas
Entranhas, tripas sentimentais.
E desço a boca para saciar a sede
Que arde em minha garganta.
Mas é preciso alçar voo e romper
As fronteiras do conhecimento da tradição
Lançar tudo que está estabelecido por terra
E somente a razão cartesiana o fará,
Varrerá o terreno e o deixará limpo
Para a construção do edifício do conhecimento.
E somente a sabedoria de aniquilação dionisíaco-nietzscheiana
Libertar-te-á das cadeias da razão pura Kantiana
rumo as impressões dos afetos.
Rumo às paixões, aos seus instintos básicos, primitivos.
 
Permitam-me um parêntese para tomarmos um cálice de pinga
do engenho. Todo esse papo deu-me vontade de encolerizar-me.
 
Prossigamos:
Ela não cabe em si, transborda.
Sou o oceano onde você pode desaguar
Todas as águas turvas, turbulentas que
Tem causado erosão no seu leito.
Oceano de águas reluzentes de corais
E zonas desconhecidas, abissais.
Quem é ela?
É um ser aí, lançado no mundo
Condenada a uma vida de liberdade
Em ter que todos os dias escolher
Entre as cores quentes e frias.
Sem ter como fugir de suas responsabilidades.
Para os físicos uma partícula, poeira, no Espaço Sideral.
Serão eles capazes de criar a matéria
Ou o acelerador de partículas LHC está fadado
As especulações da física moderna?
E se conseguirem isso colocará um ponto
final nas questões subjetivas e intersubjetivas existenciais?
Culminará na morte de Deus ou tonará
A fé divina mais forte!?
 
Ela não segue regras, conveniências,
Valores morais de decadência estabelecidos
responsáveis por nossa desgraça.
Segue suas intuições, seu pulsante coração passional.
Que voa as mais sublimes alturas sem temer a queda.
Que ama, é amada, e sofre a dor da beleza de amar.
Subjugada aos prazeres do seu mestre.
Dominação física e psicológica.
 
É uma flor que vicejava a beira na rua
Entre os concretos das calçadas.
Por favor, tomem cuidado por onde
Passam, levantem seus pés, não machuque
Essa planta que floresce nessa selva de concreto.
Germina robusta e fecunda nos monturos
da cidade. Afastem-se ratos perdulários.
Voltem para os esgotos que lá é seu lugar.
Deixem-na resplandecer sob o inclemente sol.
 
Poderia eu ficar aqui horas, dias, anos e milênios escrevendo,
Que não faltarão palavras para expressar meu afeto e respeito à você.
Assim, calo-me. E trago te minhas mãos vazias para enchê-las de te.
Ela não cabe em si, transborda.