O último Dia dos Pais

Foi na manhã, do segundo domingo de agosto, de 2003, que passei meu último dia dos pais com meu pai. Ele foi assistir ao espetáculo “Olho de Peixe Boto”, resultado da oficina ministrada pela parceria Curro Velho e In Bust Teatro com Bonecos. Minha amiga-irmã Sandra Carvalho foi quem me convidou a participar da oficina de manipulação de bonecos e, sem que ela soubesse, deu-me o melhor presente que eu podia ter: lindas recordações do meu pai e avô Josué.

Meu pai sempre me apoiou no caminho artístico. Ele era poeta, antigo boêmio, que recitava poesias e que cantava com emoção as músicas de Nelson Gonçalves. Era a segunda vez que ele me acompanhava no Teatro Waldemar Henrique, a primeira fora em 1999, no Festival de Teatro conhecido por FESAT.

Meu pai se alegrava com minhas realizações. Ele, em silêncio, era meu grande incentivador. Veladamente, eu era sua maior fã, mas nem sempre soube expressar minha admiração por ele, afinal, por ser meu avô, éramos de gerações bem diferentes.

Naquele dia, o teatro estava repleto de pessoas. Ao fim do espéculo, durante a Pororoca, todos acompanhavam, animados, a onda gigante. Houve um momento em que eu procurei por Paulo Ricardo, para pedir que ele deixasse eu prestar uma homenagem a meu pai. Então, pedi a André Mardock o microfone emprestado e comecei a prestar uma singela homenagem ao Jô. Meu pai-vô chorou de alegria, assim como minha mãe, filha dele. Nem desconfiava que seria nosso último dia dos pais... Com parte de meu cachê, comprei, na Praça da República, um belo escudo do Paysandu e dei de presente a meu pai. Passeamos pela praça e fomos para casa.

Em junho de 2004, antes de meu pai ser submetido a uma cirurgia de emergência, eu olhei profundamente para os seus olhos e dei-lhe um demorado beijo em sua fria e pálida testa... Foi nossa despedida. Eu, minha mãe e meus tios oramos a Deus para que Ele o mantivesse conosco, mas também pedimos que Sua Vontade fosso feita. Então, horas depois da cirurgia, o meu telefone tocou de madrugada. Meu pai havia partido...

Com o coração dilacerado pela dor, lembrei-me do natal de 2003, em que meu pai me entregou meu anel de formatura. Eu o questionei, dizendo que não era o momento de ele me entregar, ao que ele respondeu: “Eu não estarei mais aqui”. Eu chorei muito naquele dia e pedi que papai não falasse daquele jeito.

Quando ele foi cremado, suas cinzas ficaram por muito tempo em meu quarto, numa espécie de pequeno altar. Era uma forma de eu ficar perto dele. Um dia, porém, minha tia lançou as suas cinzas ao mar, pois meu avô amava pescar.

A saudade dói... a ausência dilacera o coração...

Apenas a esperança do Céu e do Paraíso é o que me consola. Como gostaria de ouvi-lo cantar novamente...

Meu pai, como eu o amo! Nunca o esquecerei. Seu netinho conhecerá muitas de suas aventuras: as travessuras da infância, as histórias do Clube dos Morcegos e o Cemitério da Soledade, os seus exemplos de vida e o seu grande amor por toda nossa família. Obrigada, seu Jô! Um dia, naquela mesa, jogaremos dominó outra vez, nem que seja em meus sonhos.

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Maria Cleide da Silva Cardoso Pereira (MCSCP)
Enviado por Maria Cleide da Silva Cardoso Pereira (MCSCP) em 11/08/2014
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