Noémia de Sousa
Nascida em, Catembe, Moçambique em  1926, faleceu em Cascais, Portugal em 2002. Foi poeta, jornalista e viajou por toda a África por conta de sua profissão – agente de notícias internacionais- cobrindo as lutas pela independência de vários países. Seu primeiro livro de poesias Sangue Negro foi publicado em 2001. Alguns poemas desta excelência em poesia e humanidade.
 
Nossa irmã lua
Uma irmãzinha meiga eu nos cubra
 
a todos com a quentura terna e gostosa
do seu carinho...
que entorne toda a sua claridade
sobre nossas tristes cabeças vergadas.
e,  como um feitiço forte e misterioso,
nos afugente as raivas fundas e dolorosas
de revoltados,
com a sua morna carícia de veludo...
sua enorme mão,
luminosamente branca, consegue-nos tudo.
E sob o seu feitiço potente, serenamos.
E pouco a pouco, momento a momento,
Sossegando vamos...
Fechando nossos olhos pacientes de esperar,
Já podemos vogar no mar
Para dos nossos sonhos cansados...
E até podemos cantar o nosso lamento...
De olhos para dentro, para dentro de nós,
Sentimo-nos novamente humanos,
Somos nós novamente,
E não brutos e cegos animais aguilhoados...
Sim. Nós cantamos amorosamente
A lua amiga que é nossa irmã
- Embora nos repitam que não,
Nós o sentimos fundo no coração...
( que bem vemos
Que no seu largo rosto de leite há sorrisos brancos de doçura
Para nós seus irmãos...)
Só nós compreendemos
Como é que sendo tão branca a nossa irmã,
Nos possa ser tão completamente crista,
Se nós somos tão negros, tão negros,
Como a noite mais solitária e mais desoladamente escura...
 
Se me quiseres conhecer –
 para Antero de Quental
 
Se me quiseres conhecer,
Estuda com olhos de bem ver
Este pedaço de pau preto
Que um desconhecido irmão maconde
De mãos inspiradas
Talhou e trabalhou em terra distantes lá do norte.
Ah! Essa sou eu:
Órbitas vazias no desespero de possuir a vida
Boca rasgada em ferida de angústia,
Mãos enormes, espalmadas,
Erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
Corpo tatuado feridas visíveis e invisíveis
Pelos chicotes  da escravatura...
Tortura  e magnífica
Altiva e mística,
Africa da cabeça aos pés,
-Ah, essa sou eu!
Se quiseres me compreender-me
Vem debruçar-te sobre  minha  alma de África,
Nos gemidos dos negros no cais
Nos batuques frenéticos do machopes
Na rebeldia dos machanganas.
Na estranha melodia se evolando
Duma canção nativa noite adentro
E nada mais me perguntes,
Se é que me queres conhecer...
Que não sou mais que um búzio de carne
Onde a revolta de África congelou
Seu grito inchado de esperança.
( In Notícias 7 de março de 1958 pag “Moçambique 58”
 
Grão de’areia
Um só ínfimo grão de’areia
nunca imaginei
pesar tanto...
 
eu depondo
no clássico  ritual
sobre nosso adeus
constrangidos torrões
à mancheias.
 
Minha dor
 
Dói
a mesmíssima angústia
nas almas dos nossos corpos
perto e à distância.
 
E o preto que gritou
é a dor que se não vendeu
nem  na hora do sol perdido
nos muros da cadeia.
 
 
Aforismo
Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.
 
Estávamos iguais
com duas diferenças:
 
Não era interrogada
e por descuido podiam pisá-la.
 
Mas aos dois intencionalmente
podiam pôr-nos  de rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.

 

Fonte: Internet ( várias)
MVA
Enviado por MVA em 09/12/2014
Reeditado em 09/12/2014
Código do texto: T5063393
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.