Lia e Furquia

Falta falar do feijão. Que hoje fica pagão.Apesar da rima, eram dois contrários. Polos opostos, ainda que tivessem que compartilhar um mesmo espaço, ela entre os teares, e ele o gerente no pedaço.

Impertinente e exigente, cada qual se cria mais sincero, honestamente.

Lia começara a trabalhar muito menina, ainda nos meados dos anos 20. Iniciativa sua mesmo, vendo os irmãos mais velhos todos se empregando ela, sem muito pendor pros bancos escolares e ainda com menor inclinação para cuidar do petiz Luís, saiu à cata do trabalho, e nos teares. E o achou logo, na palavra de um incrédulo gerente, o Sinhô, que muito relutou, mas por final, a aceitou.

- Você é muito minina, onde já se viu isso, sete anos de idade. Espera mais uns anos.

- Mas eu quero trabaiá, Sinhô, e sei que o Sinhô tem trabalho pros minino tamém.

E foi com aquela alegria toda que ela se apresentou na fábrica. Como menina, davam-lhe funções de ir apanhando coisas, tocando carrinho entre os teares e filatórios, levando espulas vazias, trazendo-as cheias.

Na manhã seguinte, eis Lia na cama, cansada que não ouve nem o apito da chaminé de barro. O pai vai acordá-la.

- Hora de ir pro trabalho, Lia, a fapa já chamou. Suas irmã já tão ino.

- Ah, num vô querê trabaiá mais não, pai. Tô cansada.

- Cansada nada. Cê começô, tem que continuá. Nada de pará. Com qui cara vou ficá pro Sinhô, qui ti impregô?

E, relutante, chateada, lá se foi Lia. De noite, de dia. Foram se passando os anos e mesmo na rebeldia, tecia e acontecia. Mas da fapa já não mais saía. Até que pintou o Furquia.

Furquia era só na linguagem de Lia. Na fábrica ele era o Jair e tivera um começo mais sereno, mais ameno, tanto é que ainda jovem, já é tá no lugar do antigo gerente Sinhô.

E mandão feito ele só. Implicou com Lia, e sua rebeldia, e aquela peleja era de quase todo santo dia. Menos no domingo, que era de festas e guardas. O dia do "balão" então, foi o auge daquela irritação. O balão era a suspensão não só do dia do trabalho, mas também da remuneração do final de semana. A causa poderia bem ter sido cinco minutos de atraso ao marcar o seu cartão, ou uma resposta que não agradasse ao patrão.

E Lia não se cabia de irritação, achando tudo a mais gratuita e perversa provocação. Gritou, esperneou, praga rogou e de Furquia, o magrelo Jair xingou. E a paz pra ela ainda não chegou. Já ele, quem sabe na bebida, tudo olvidou?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 31/12/2014
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