Liturgia das Horas de uma vida

Resumirei trinta e seis anos em apenas um dia, ou melhor, em uma hora de discurso... Não, não se preocupem, serão apenas três breves momentos, parafraseando a síntese da “Liturgia das Horas”.

Primeiro Momento – Laudes

Os primeiros raios de sol, naquela gélida manhã de dois de março de 1970, aqueceram os jovens corações da turma “SETENTAPUA”. Ainda hoje ressoam nas alterosas a tonitruante exortação do inesquecível Maj. Av. Athos Geraldo Graminha da Silveira:

― “Alunos”, vos sois a nata da juventude brasileira!

Essa assertiva selou indelevelmente a opção de juventude do Aluno 70-149 Januzzi.

Não seria esta apenas mais uma boa escola, como a Escola Salesiana São José de Campinas ou o Ginásio Estadual de Pinheiros; muito menos, mais um emprego registrado em sua carteira de trabalho do menor.

Tal como a luz da aurora evoca a ressurreição do Senhor ― o Sol da Justiça ― bradado por Malaquias (Ml 3,20) ― o sol que nasce do alto ― proclamado por Lucas (Lc 1,78), as palavras do admirável Comandante do Corpo de Alunos deu à luz o homem novo, o jovem militar.

“Grande coisa é viver na obediência, às ordens de um superior e não ser senhor de si” (Imitação IX, 1). Como oblação, aqueles neófitos ofereceram seu mais precioso bem: a liberdade. Doravante submeteriam suas paixões, integrariam o “espírito de corpo” e dedicar-se-iam inteiramente ao serviço da pátria, cantando com convicção “nós somos da Força Aérea Brasileira”.

Segundo Momento – “Vésperas”

Libertando-se de suas paixões e submetendo-se à lei, aceitou que o interesse do serviço o integrasse, juntamente com sua família, às mais distintas culturas brasileiras.

Deu graças a Deus quando Monsenhor Ildefonso assistiu eclesiasticamente ao seu matrimônio, batizou seu primogênito Leonardo, confirmou na fé o Cad. - Av. Januzzi, assistiu ao enlace matrimonial do jovem tenente com sua nora Andréa que no futuro dar-lhe-iam sua primeira neta Sophia.

Abençoou-o o Senhor com o nascimento da futura Aspirante Dentista Liana, numa época de recolhimento intelectual imposto pelo Programa de Mestrado do Instituto Tecnológico da Aeronáutica. No futuro ele seria abençoado com mais um filho: seu genro o médico Dr. Gustavo.

Renovou-lhe o Senhor as esperanças na vida, trazendo-lhe a doce caçulinha Larissa, futura Urbanista e Arquiteta, quando o Cap. Int Januzzi auxiliava a criação do Instituto de Aviação Civil. Sua retribuição futura: mais um filho do coração, o seu genro, o Mestre em Biblioteconomia Frederico.

Ao término da jornada produtiva duma vida militar, quando o dia declina, é tempo de darmos graças pelo que nele temos recebido, ou pelo bem que nele fizemos.

Cumbica, São José dos Campos, Rio, Recife e Brasília...

“Sic transit gloria mundi” ― quão depressa se passa a glória do mundo.

Ah!, se esse oficial empregasse tanta diligência em extinguir seus vícios e implementar necessárias virtudes com o mesmo ímpeto com que buscou a ciência vã e a glória profissional.

De fato, a ciência é um pesado fardo, senão convertida em serviço.

Antes, querendo ser um grande prefeito de Aeronáutica, o melhor gestor de licitações, o mais brilhante dos mestrandos, o mais empreendedor dos “carreteiros alados”, o mais eficaz administrador do SERAC II e do CINDACTA III, descurou do verdadeiro foco vital: a caridade, ou o amor, a única virtude imortal que se confunde com o próprio Criador, pois Deus caritas est. (1Jo 4,16)

Teria sido grande, se se fizesse pequeno e nada atribuísse às meritórias promoções, cargos e honrarias.

Seria mais douto se cumprisse sempre a vontade de Deus e desprezasse a sua própria.

Nesses trinta e seis anos muito mudou a humana doutrina militar. Imutável, porém, é a doutrina divina, igualando-se à verdade, ao caminho e às vida.

A palavra e a assinatura do oficial prescindiam de confirmação cartorial e tinham “fé de ofício”; os integrantes das Forças Armadas eram compulsoriamente armados; o templo castrense inspirava um temor reverencial: nele as demais autoridades só adentravam a convite ou sob escolta.

O preço da liberdade era a eterna vigilância; hoje é a eterna paciência.

No entanto, se o objetivo da guerra é a paz, faria melhor o Cel. Januzzi se procurasse mais pacificar a si mesmo, antes de pacificar os outros, pois “o homem pacífico vale mais que o letrado (Imitação III, 1)”.

Sim, “bem aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados filhos de Deus (Mt 5,9)”.

Entretanto, acautelando-se contra a anomia dos costumes hodiernos, recomendou-se ― ainda é tempo ― à leitura e à prática da Diretriz de Comando do novo Comandante-Geral do Pessoal, Major Brigadeiro do Ar Antônio Pinto Macedo.

Terceiro e Último Momento ― “Completas”

Ao término do Serviço Ativo, o sentido escatológico ou de esperança se une à dedicação dessa carreira militar aos desígnios de Deus, almejando o definitivo e, se possível distante, ingresso nas milícias celestiais.

Não posso me desculpar pela forma, pois “o estilo é o homem”, como bem resumiu Flaubert a personalidade do indivíduo.

Antes, porém, de apresentar-me a São Cândido e a São Maurício, grandes comandantes intendentes da heróica Legião Tebana, sob as ordens de São Miguel, faz-se necessário explicitar, por dever de justiça, a minha gratidão.

Gratidão aos meus pais, Dirceu (in memoriam) e Lídia pelo dom da vida e orações poderosas; à minha mulher Ana Maria pela permanente correção de meus erros, aos meus filhos, Leonardo (e Andréa), Liana (e Gustavo) e Lalá (e Fred) pela compreensão das ausências de atenção, de diálogo e de convívio paternos, aos meus inesquecíveis instrutores do Curso de Formação de Oficiais Intendentes, Eloy, Andrade e Nuno pela sublime transmissão de saberes e capacidades, aos meus comandantes Jessé, Miranda da Costa, Kauffmann, Marinho, Adyr, Shibao, Fontes, Negri, Esteves, Eliseu, Sérgio, Santos, Gilvan, Bambini e Bastos pela extraordinária tolerância aos meus defeitos e a todos os meus pares e subordinados, sobretudo ao brilhante Major Fonseca (futuro Coronel), pela fraterna convivência nessas três últimas décadas.

Avanço, agora “para águas mais profundas” (Lc 5,4). A arte de ensinar, o ministério eucarístico, bem como a recontratação podem ser proveitosas ocupações.

Sem embargo, desta vez não buscarei a glória, senão o serviço, conforme jurei ao receber a verdadeira luz:

― “Non nobis Domine, non nobis, sed nomine Tuo da gloria”.