PAI

Meu pai foi pai e mãe. Mais mãe do que pai.

Era ele quem se levantava à noite pra trocar fraldas, porque achava

que minha mãe trabalhava muito, cuidando de nove filhos.

Na verdade, era ele quem se levantava às cinco da manhã pra trabalhar e sustentar os nove filhos.

Me ensinou muita coisa. A cozinhar, lavar roupas, cuidar dos outros irmãos, mas, sobretudo, me ensinou a viver.

Solidariedade era sua palavra chave. Recebia a todos na nossa casa como se fossem parentes. Oferecia tudo o que tinha, sob os olhos preocupados de minha mãe, que temia a falta de comida para os que chegassem depois.

Oferecia pouso, mesmo a quase desconhecidos e, quando fazia muito frio, improvisava uma lareira numa velha bacia repleta de brasas.

Em volta daquela bacia ouvia muitas histórias arrepiantes que me faziam correr pra cama dele e dormir "no meinho".

Papai foi a pessoa mais bem humorada que conheci. Tinha algumas manias muito engraçadas, como desenbrulhar tudo antes de chegar em casa. Um dia o desafiei quando comprou lingüiça e achei que ela fosse chegar inteira em casa. Ele não teve dúvidas: chegou com a pobre lingüiça enrolada no pescoço, para desespero de minha mãe.

Quando cresci, muitas vezes matava aula à noite, ia tomar cerveja com os amigos e quando voltava, lá estava meu pai, à meia-noite, com uma caneca de gemada com canela, quentinha, que eu tinha que engolir, mais pelo carinho que pela necessidade.

Papai achava que eu estudava demais e ia acabar num hospício. Não estava de todo errado, mas estou aqui, ainda estudando e tentando aprender ao menos um pouco de sua sabedoria.

Ele se foi no ano passado, aos 85 anos e sinto muito a sua falta.

Tinha feito um "pacto" com São Pedro até o ano 2000. Conseguiu uma pequena prorrogação...

Cidinha
Enviado por Cidinha em 20/06/2007
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