De quem fica

É a quarta vez que começo esse texto, não me lembro ao certo por quê. Mas quero, preciso que ele seja natural, palavras que se encaixam não umas nas outras, mas no coração.

É incrível como pra tudo se tem um jeito, menos para a perda de quem amamos. Isso é clichê, e esse texto é triste e seria todo clichê... Se sentimentos fossem clichê.

Por que precisamos perder estas pessoas? Sim, para que valorizemos quando estão do nosso lado, e não percamos tempo com “mimimi” e sejamos felizes de verdade, sem hipocrisia. Porque hoje estamos aqui, mas amanhã ninguém sabe. Aham, clichê também, mas na verdade tô nem aí pra isso e fim de papo, ou melhor: começo!

Eu aposto até o que não tenho, o que é muita coisa, que essa é a pior dor existente, nem uma dor física se compara a essa situação, afinal dores físicas tem remédio, essa não.

Depende também como cada um lida com o fato, o que aprendeu, o que segue e acredita. Para mim, é apenas um outro lado, onde nossos sentidos se confundem, e apenas não podes mais ouvi-los, tocá-los, vê-los. O físico se vai, mas tudo continua e é por isso que digo, se importem com minha alma. Estejam comigo enquanto minha carne está a favor da humanidade para a alma se manifestar.

Acho um saco velório, não gosto de cemitério. Para mim velório é apenas segurar mais essa dor, o sofrimento, e cemitério então é o coletivo disto, só que em buracos fechados.

Eu tenho tantos pra sentir saudade, e não falo em lembrar deles, porque não os esqueço.

Vô Milton, seu assovio, sua bicicleta e suas histórias. Suas músicas, seu jeito faceiro e seu topete que invejo até hoje. Na ativa sempre, e que o destino levou depois de um dia cheio de atividades. Partiu ao lado da família, junto de nós, no auge, do que nem parecia ser, seus 80 anos. Hoje, 25 de novembro, coincidentemente faz 12 anos que ele se foi.

Tia Apolônia, com sua mão maravilhosa para doces e seu jeito meigo e simples de colona. Sempre nos recebendo com muita conversa e alguns quitutes. Naquele domingo, nós não fomos lá. E ela nos esperou com uma sobremesa de morango... Lembro do corredor da nossa casa sendo preenchido pelos meus soluços. Anos mais tarde foi seu esposo, Tio Zeca, o menino Jesus, que ficou bem malcriado, mas inesquecível com seu jeito malandro e o carrinho de mão pela cidade afora catando reciclados.

Eu acho que faço mal a mim mesmo e a elas, em tanto amar as pessoas, pois o apego machuca e uma hora solidifica em todas ou alguma dessas coisas, mas o pior é não amar, não sentir e nem sonhar. Não tenho medo de perder nada, nem a mim mesmo, mas morro de medo de perder alguém... “Alguéns”.

O vô Adésio, que mesmo turrão, queria nosso bem, com seu jeito bruto, e sempre se mudando de um lado para o outro. Meu padrinho, com quem aprendi muito. Adorava Roberta Miranda e era exímio pedreiro.

Vô Luiz, meu nono, que eu sonhava em ser alto como ele, e ter um bigode igual ao dele. Hoje que posso ter, detesto! O maior sacrifício era acordar bem cedinho para acompanha-lo no chimarrão em frente a casa verde de madeira. Também turrão, teimoso, com seu sotaque puxado de colono... Me lembro da sensação, de quando eu era pequeno e ele me pegava no colo. Obrigado memória.

Tia Lídia, tia da mãe, mas como se fosse minha. Cozinheira de mão cheia e italiana trabalhadora e carinhosa. Lembro da sua voz doce e firme conversando comigo. Vivia em um recanto de tanta paz, era feliz com tão pouco, que vai ser exemplo sempre.

Vó Waldeth (sim, o nome dela é assim chique), nem sei o que falar dela, minha madrinha, meu amor. O melhor macarrão e frango a passarinho que já comi. Sempre vaidosa com seu batom e cabelos penteados, ruivos de preferencia. Foi num dia das mães que o destino te levou. Fui eu quem te viu primeiro naquelas circunstancia. Ia muito dormir na casa dela, e ficávamos até madrugada vendo tv e conversando. Eu já vi ela tantas vezes pela rua, e não insisto, porque sei que é ela mesmo, que inclusive já nos visitou depois que partiu, já se comunicou e tudo mais. Seus grandes olhos azuis muito límpidos, iguais os da minha mãe, só que ainda maiores.

E tem a Safira né. Que vou poupar daqui, porque tem textos e mais textos falando dela, e que todos os minutos, ainda acho que está ali com seu pelo ruim e topete branco, deitada no canto da área, e que hoje faz 9 meses que partiu.

Não quero fazer lista, porque tenho a técnica de só recordar os momentos bons, o sorriso de cada um deles e o aconchego, cada um a sua forma. Eu não tenho ideia de como é o lado de lá, mas sei que estão bem. Já sonhei com todos eles, alguns tenho a certeza até de que não foi sonho, foi a forma de eu ter a certeza do seu bom caminho.

Obrigado por fazerem a minha vida mais feliz, melhor, porque para quem fica, resta agradecer, e conviver, porque eu ainda e sempre conviverei com todos eles, porque o amor não vai embora, ele não morre. E estar no coração não é partir.

Mas (clichezão), essa é a única certeza da vida, e que não seja pra sofrer, mas pra nos fazer ver que vale a pena, que tem que ser com vontade, de verdade. Afinal todo mundo fica, só o significado de “junto” é que se torna diferente.