Amanhã

Amanhã! — é o sol que desponta,

É a aurora de róseo fulgor,

É a pomba que passa e que estampa

Leve sombra de um lago na flor.

Amanhã! — é a folha orvalhada,

É a rola a carpir-se de dor,

É da brisa o suspiro, — é das aves

Ledo canto, — é da fonte — o frescor.

Amanhã! — são acasos da sorte;

O queixume, o prazer, o amor,

O triunfo que a vida nos doura,

Ou a morte de baço palor.

Amanhã! — é o vento que ruge,

A procela d'horrendo fragor,

É a vida no peito mirrada,

Mal soltando um alento de dor.

Amanhã! — é a folha pendida.

É a fonte sem meigo frescor,

São as aves sem canto, são bosques

Já sem folhas, e o sol sem calor.

Amanhã! — são acasos da sorte!

É a vida no seu amargor,

Amanhã! — o triunfo, ou a morte;

Amanhã! — o prazer, ou a dor!

Amanhã! — o que val', se hoje existes!

Folga e ri de prazer e de amor;

Hoje o dia nos cabe e nos toca,

De amanhã Deus somente é Senhor!

Gonçalves Dias
Enviado por Poeta Dom Casmurro em 20/05/2016
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