Triste amanhecer

Foi duro sair da cama! Parece que o corpo pesava mais, a segurança afetiva estava mais longe. A alma pesava mais também.

Ontem, no quase anúncio da primavera, que espero como criança que, avidamente, aguarda o dia do aniversário, passei o dia inteiro ao lado do telefone. O meu tio melhorou? Tem esperança? Está com dor? Como as coisas estão caminhando?

Mil telefonemas. Todos sem esperança.

Às 7 da noite veio a notícia. O tio Béio se foi.

É quase inacreditável pensar que as pessoas realmente importantes, com sabedoria, presença e graça um dia nos deixam.

A herança que o tio Béio deixou é impossível ponderar. Até quando em silêncio havia sabedoria nele. E humildade. Sem contar a gratuidade no amor. E como tinha fé! Nos últimos dias chegou a dizer que só não queria ficar cego. E Deus, na sua bondade suprema, o livrou dessa triste situação .

Sempre com poucos recursos ajudou muita gente com gentileza e compaixão e foi também responsável pela fundação e manutenção de um asilo na localidade onde morava. E como respeitava os outros! Durante 56 anos trabalhou pelo asilo, visitou os doentes, fez doações. Nunca conseguiu se mudar para uma casa de alvenaria e jamais teve mais que um fusca 1974. Os três filhos estudaram em escola pública e ele nunca pensou em se aproximar das elites. Sempre pronto, não faltava às missas. Sabia muito bem o significado do Evangelho, mas não fazia nenhuma forma de discurso. Ele próprio representava algumas páginas do livro da Sabedoria. Mesmo em situações de injustiça, respeitava o próximo sim e não desdenhava ou falava mal de quem quer que fosse.

Ainda, na solidão dos últimos anos, assistia com prazer filmes de Mazzaropi e se identificava com aquela fala de malícias.

Tio Béio foi dono da casa mais acolhedora e simpática que conheci. Com mangueira, pé de acerola e figueira no jardim, a casa era o retrato da paz em qualquer tempo. Virando a esquina, um florido pé de manacá dava ainda mais graça a uma casa como jamais vi. Tinha a mesma sabedoria da minha avó.

E gostava de dar doces para crianças. Foi ele que comprou uma caixa com 50 Dadinhos para nós, sobrinhos e seus filhos quando numa visita a nossa casa em São Paulo. Só quem viveu os anos 60 sabe o que é Dadinho, um docinho de amendoim em forma de dado que deixava a criançada maravilhada e acreditando que o mundo poderia, sim, ser doce e encantador.

Tio Béio tinha encanto no abraço. Abraçava quente, gostoso, abria bem os braços. Não economizava em afeto e atenção.

Eu sabia que o nome dele não constaria na Internet – apenas o endereço e telefone. Mesmo assim, pesquisei.

Só estava escrito no Diário de Maringá – Homero Sartini – 91 anos. Sepultamento – Apucarana.

Como pode uma pessoa tão importante se resumir a isso? Claro que uma pessoa com a relevância do meu tio não poderia ter o mínimo significado para a mídia.

Confesso que poucas seriam as pessoas a acreditar na grandeza desse homem e da família que constituiu.

Deixa assim. Pessoas muito grandes passam a ser eternas, deixam um brilho próprio que faz a vida ter mais cor e poesia.

Que, onde estiver, o meu tio Béio continue a ser único. Bem humorado, de bem com a vida, inteiro e de braços abertos para os seus pares.

Fico aqui, na feliz certeza do reencontro.

Vai com Deus, tio, e mande o nosso grande abraço cheio de amor e de respeito para todos os nossos queridos que também estão agora com o senhor.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 12/09/2016
Reeditado em 12/09/2016
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