*O padre e os palavrões

O padre e os palavrões

Meu maior prazer é escrever sobre padres, embora tenha escrito pouco. Durante a minha vida, muitos sacerdotes me influenciaram na conduta e formação. Nenhum passou em branco, de forma que a eles muito devo e, de quando em vez, tenho manifestado publicamente meus agradecimentos.

É bem verdade que, durante o antigo curso primário, tive muita raiva dos Capuchinhos que dirigiam a Escola São Francisco de Assis, em Teresina. Hoje, olhando pelo retrovisor, reconheço-lhes o valor e vejo que eles tinham razões de sobra.

Fui fazer o ginasial e, posteriormente, o Técnico, no hoje I.F.E., imaginando que, assim, estaria me livrando daquela raça! Puro engano, pois na Escola Técnica, tinham muito mais padres que na escola antiga.

Entre tantos, falo do Padre Moisés Fumagalle, um jesuíta, italiano de nascimento e brasileiro naturalizado, que nos ministrava aulas de Deontologia. Era o rei da comunicação, um verdadeiro show man!

Suas aulas arrebanhavam muitos outros alunos de outras turmas e séries. Possuía uma didática rebuscada, mas acessível, misturada a um sotaque italiano maravilhoso. Havia um natural e extraordinário grau de absorção do conteúdo transmitido. Tanto que quase todos os alunos conseguiam a nota máxima ou próxima disso, o que tornava suas aulas ainda mais concorridas.

Mesmo fora da classe, era impossível encontrar o padre sozinho. Estava sempre rodeado de muitos alunos e era fácil notar que aquilo lhe fazia bem.

Concomitantemente, padre Moisés era diretor do Colégio Diocesano, dirigia o Colégio Santo Afonso e ainda ministrava aulas na Faculdade de Direito. Não se sabia se o dia dele tinha apenas vinte e quatro horas...

Entrara para o seminário na Itália, já homem feito, depois da II Guerra. Comentava-se, à boca miúda, que, durante a guerra, ele fora piloto de bombardeiro da Força Aérea Italiana por algum tempo e, posteriormente, médico de campanha. Unindo-se os extremos, ele matara e salvara na mesma contenda.

Vale lembrar que estávamos vivendo os anos de 1966/69, período dos Governos Militares.

Sabíamos que esse sacerdote, por N motivos, era vigiado de perto pelo D.O.P.S. Um dia, em que eu e mais um grupo de alunos estávamos com ele na Praça da Liberdade, em frente à escola, ele mesmo nos mostrou dois agentes policiais que o seguiam de longe, em pontos estratégicos.

Por esse tempo, os sacerdotes já tinham permissão para andar sem batina e isso, sem dúvida, era um refresco naquela lua de 36°C de Teresina. Ainda assim, ele usava um elegante terno azul, com o clergyman branco e um crucifixo pendurado no pescoço.

Certa vez, durante a aula, eu lhe perguntei se ele tinha atividades no horário seguinte. Em resposta, ouvi que não, que aquele horário era-lhe o único de folga durante a semana, no período do dia. Mesmo sabendo da grande probabilidade de uma resposta negativa, perguntei se ele não poderia nos dar a honra de ficar jogando conversa fora. Para nossa alegria, ele concordou.

Foi uma festa! Sessenta alunos fazendo sessenta perguntas ao mesmo tempo, em sessenta segundos... Nossa!

Até que, em meio a muitas perguntas bobas, alguém perguntou se ele não dizia palavrões. A resposta veio no mesmo tom das anteriores.

Disse-nos que o seminário era uma excelente escola de formação em todos os sentidos. Não tinham necessidades de altercações, havia respeito absoluto entre os irmãos e era muito mais fácil expressarem-se convenientemente, do que usarem uma palavra chula. No entanto, ele se lembrava de dois, mas que nem adiantava alguém implorar, porque ele não diria...

Ora, aquilo de fato, era uma tentação! Estava na cara que gostaríamos de saber! Por outro lado, suponho eu que a recusa fora, exatamente, para instigar os alunos.

Mesmo sabendo que os tais palavrões deveriam ser bem inferiores aos nossos, após muita insistência da nossa parte, ele nos prometeu que diria... mas teríamos que honrar com nossa palavra de que aquilo permaneceria ali. Não seria ético para ele, devido à matéria que lecionava e, especialmente, pelo múnus sacerdotal, fazer um ‘gol contra’ daqueles...

Já estávamos no final do segundo horário, quando ele, de repente, se levantou. Olhamos para ele em silêncio, cheios de expectativa.

Ele novamente nos alertou a respeito do nosso compromisso de mantermos segredo e, em seguida, disse, sem delongas nem comiseração, dois palavrões, ao mesmo tempo em que as escrevia no quadro. Duas palavras daquelas que nos fazem duvidar: “É verdade isso?”

–Anticonstitucionalissimamente... e precipitevolissimevolmente.

Em seguida, nos explicou que o primeiro palavrão era o maior da língua portuguesa e que ele nunca tivera motivos para pronunciá-lo; e o segundo era o maior da língua italiana, cujo significado era: “tão rápido, quanto possível”.

Todos nos entreolhamos com cara de bobos, pois sabíamos que havíamos tomado um baita drible. Ainda assim, o riso foi geral.

Padre Moisés, hoje, é nome de rua, em Teresina. Uma forma de imortalizar, publicamente, a cabeça mais iluminada que tive a felicidade de conhecer, mas em nossos corações, ele será sempre lembrado.

Que o tenha Deus!

Aracaju- Sergipe, 29 / 09 / 2017