Uma faca só lâmina
A João Cabral de Melo Neto
Não se engane
No meu corre-corre
Há um espaço tridimensional
No qual estás desenhado.
Picasso, Braque, Mondigliane
Abandonaram a perspectiva
Eu não.
A velocidade dos automóveis,
A brisa que embala os ipês amarelos,
A faixa arranhada do disco do Pixinguinha,
Até a passividade do arranha-céu cinza
Traz a tua voz, teu sorriso, teus gestos...
Tudo o que foi e não foi, volta em ciclos
Numa perspectiva tão intensa
Que quase consigo tocar, cheirar, sentir.
Se machado e espada te ferem
Uma faca só lâmina, que manuseio todo dia,
Me dilacera as mãos.
Hilda Maia Valentim