SEBASTIÃO BEMFICA MILAGRE: O LÍRICO NA MODERNIDADE TARDIA - PARTILHANDO GOTÍCULAS DE SUA LITERATURA

Deus nos ama! Orar e agir de tal modo - isso faz a diferença... A oração é uma forma ativa de dizer Jesus eu te amo muito. Aqui estou com a minha vida. Eu me lembrei de você e vim conversar ... Como está o céu? E a Terra dos homens e mulheres? E os jovens o procuram ou apenas correm atrás de seu fãs (nada contra,né). Mas, o triste é deixar você de lado, meu amigo Jesus! Peço a sua mãe e ao meu anjo Gabriel as luzes, bênçãos de que tanto preciso para ser bom, justo, puro, amigo de meus pais, ter paciência com os colegas e o mano aqui. Ah! Ajude nosso Brasil e o Papa. Ilumina aos que sofrem e estão desempregados. Jesus, desconfie de mim, eu mesmo desconfio: porque sou frágil, fraco, limitado, preciso melhor ainda mais com seus conselhos, orar mais, meditar os salmos e a Bíblia, conhecer você para amar e servir como os apóstolos nos 4 Evangelhos. Não existe amor sem algum desafio. Nem alegria sem coragem, Nem fé sem confiança em Deus. Nem esperança sem abrir-me ao hoje e ao futuro. Eu quero que me perdoe hoje e me dê coragem de perdoar e amar mais.. Amém.

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José João Bosco Pereira – 26 de janeiro de 2010.

SEBASTIÃO BEMFICA MILAGRE: O LÍRICO NA MODERNIDADE TARDIA

Cabe-nos indagar qual o valor da poética milagreana e a relevância da segunda fase dela (1963-1990) para os Estudos Críticos da Cultura no Promel –UFSJ -

O objetivo deste artigo é demonstrar a relevância da poética de Sebastião Milagre dentro dos Estudos da Cultura, relacionando a Modernidade Tardia à vida cotidiana da cultura local em Divinópolis, MG.1 Pretende-se demonstrar como se deu sua contribuição para a agenda cultural de sua cidade e como efetivou a crítica à ditadura (1964 a 1985).

No final, todas as notas de rodapé estão para serem lidas e conferidas!

Derrida (2005), em Farmácia de Platão, fala que a escritura é o Pharmakon (Do grego Pharmakeia no mito de Theut – p. 73), traduzida por drogas, porque articula os opostos remédio-veneno, medicina-magia e Escritura-Lógos na p. 76 e 85.), cuja diffèrance como um terceiro termo irredutivel (idem. 114-5). Esse termo é um neologismo de Derrida (idem, p.75) sobre a complexa diferença da diferença ou suplemento (Derrida se vale da metáfora do enxerto, p.109). Equivale ao hibridus ou entre-lugar de Silviano Santiago. Os termos derridianos corroboram a hermenêutica dos múltiplos textos da cultura, baseando-se nos mitos gregos em Fedro e Timeu, fragmentos platônicos. E sutiliza em negociar margens/traços de logos inegociáveis nas dialéticas (no latim: coincidentia oppositororum ou jogo de diferenças) desde Sócrates, uma espécie de Avatar da Cultura Grega. Assim, os poetas como Sebastião Milagre.

Nosso título acima tem motivações em Charles Baudelaire (1996) em Sobre a Modernidade: o pintor da vida moderna, porque Milagre como O lírico da Noite (titulo de uma das obras de Milagre, 1985) é o lírico de um modernismo tardio.

Existe uma aura na poesia de Milagre, pois, além de seus textos não serem vendidos e apresentam um “aspecto artesanal”, elabora questões da morte como mal de arquivo ou vestígios da memória no escritor que “nunca deixou sua terra”. Esses aspectos são elaborados magistralmente por Benjamin em O Narrador – Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov (1985).

Nesse sentido, divisor de águas da poética entre o tradicional ao moderno, Milagre foi escrivão da polícia civil, compositor, secretário de faculdade, e se consagrou como um dos poetas mais destacados de Divinópolis, celeiro de vocações artísticas e pólo industrial do Centro-Oeste Mineiro. Das 20 obras de Sebastião Milagre (excetuando-se as antologias) e antologias, sete obras são objeto deste estudo: GOMOS DA LUA (1963), O MUNDO E O TERCEIRO MUNDO (1981), 3 EM 1 (1985), O VIADUTO DAS ALMAS / O HOMEM AGIOSO (1986), O DOADOR DE SANGUE / PROCISSÃO DA SOLEDADE (1990). Por esses e outros motivos, Milagre é figura marcante, inovadora no fazer literário no Centro-Oeste de Minas. Ele é um referencial obrigatório para entender a produção e a recepção da literatura divinopolitana. Ele transitou das estéticas clássicas (do soneto) aos experimentalismos modernos a partir de 1963, motivados pela apropriação do Modernismo e Vanguardas dos anos 50.

A pertinência de sua obra de deve a vários fatores e razões: o estudo de sua obra não foi ainda contemplado devidamente; os textos sobre ele se restringem à abordagem vida-obra, tais análises ampliam as discussões atuais sobre a relação mineiridade-modernidade com a cultura local e nacional, nosso estudo atende ao critério de interdisciplinaridade, uma das propostas dos Estudos da Crítica da Cultura na UFSJ. 2

Sobre mineiridade e modernismo, há interessantes trabalhos de Ave, Palavra de Guimarães Rosa (1961), Wander Miranda (2009), Helena Bomeny (1994). Para Miranda, a poesia dos poetas mineiros modernos é a poesia do Reesvaziado enquanto partilha dos paradoxos da modernidade tardia..3 Bomeny, em artigo “Modernos e modernos”, em sua obra Guardiães da razão: modernistas mineiros4, sintetiza com êxito o equilíbrio construído na tensão tradição-inovação na sabedoria dos mineiros, baseando-se em Weber e Brubaker: “warm pasion and a cool sense of proportion.” (1994, p. 190). Em elegante brasileiro: “Paixão calente e frio senso de proporção.”

Segundo S. Hall (2001 e 2003)5, a cultura tem uma implicação ideológica (o conceito de ideologia é retirado em Mészáros ( 2004) 6 e histórica, construídas no bojo das transformações de grupos e classes sociais, em que a literatura se constitui como uma das práticas sociais de relevo tal a descrever o modus vivendi geral ou específicos dessas classes no capitalismo tardio. Portanto, a literatura é produto construído nesses contextos de vida inteira e estruturas de sentido-sentimentos.

“Aí está Minas: a mineiridade” Essa expressão no artigo MINAS GERAIS, de Guimarães Rosa nos ajuda antevê o fulcro de que serve a poética milagreana. Os estudos de mineiridade podem lançar luz ou refletir a luz vinda da obra milagreana.

Hoje os estudos de memória, mineiridade e estudos da cultura se articulam com ares fecundos. Os arcontes, os topoi, Pharmakoi, avatares, estão em alta.

Milagre, de alguma forma tem consciência dessa modernidade na qual se insere. Em Quarteto de Sopro (1990B), livro de trovas, duas passagens evidenciam isso: primeiro, o testemunho de Milagre por escrito na crônica, baseando-se na influência de Guerra Junqueiro, sobre versos em “Elogio do Lar” do poeta divinopolitano (1990B, p. 28-32):

Se algum me arguir de ultrapassado, respondo que não sou, que poderia escrever em forma neoconcreta ou gráfica, mas preferi fazê-lo como fiz, porque, graças a Deus, sei fazer tanto um poema trabalhado em experiências oficínicas de modernidade (grifo nosso), como o soneto, a trava, etc. É questão de versatilidade ou como disse Domingos Diniz, de ecletismo; ou ainda (...), em carta, pelo enorme poeta Francisco Carvalho, que “de certo modo, isso é muito bom, na medida em que amplia os horizontes formais do poeta”

E nesse livro, descreve sua meninice e juventude quando estudava em BH: (1990B, p. 28-30),

Belo Horizonte, a cidade/ que eu amei, muito euforia:/ Meu tempo de mocidade: tempo de sonho e de poesia.// Eu morava na Lagoinha,/ E, para o Colégio Arnaldo, / A pé, ou de bonde, vinha/ Com meu colega Adroaldo.// Lembranças em relicário, / Comovem-me o coração./ Eu terminava o “primário”/ No bom “Silviano Brandão”

1. PERMANÊNCIA DA TRADIÇÃO NA MODERNIDADE EM T. S. ELIOT

Na relação da tradição com a modernidade, T. S. Eliot argumenta dos antecedentes como credenciais que justificam o modo pelo qual o poeta conquista a tradição e realiza a releitura do passado, a partir de tal senso histórico. A isso Machado de Assis, em “Instinto de Nacionalidade”, especificará como sentimento íntimo de seu tempo.

Para Bakhtin e S. Hall, esses deslocamentos de mentalidades fazem parte da interação linguística e do deslizamento de signos no eixo de significâncias, inclusive com performance cultural e classista. E, desde nossa colonização, será o torcicolo cultural de que nos aponta R. Schwarz ao descrever o deslocamento de “ideias fora do lugar” nas literaturas não europeias, enquanto Silviano Santiago (1989) identifica seu entre-lugar em Octavio Paz como tradição de analogia (convivência com o passado) e Plígia, metaforicamente, nos infere sobre a mirada estrábica (veja nota 14 no final desta pesquisa), em que malandramente vigia a influência europeia (ex-tradição) com cuidados de apropriações nativistas de uma tradição local construída. Fausto Colombo visualiza os arquivos imperfeitos como teletexto, desligado do contexto e cotexto, organizado em “O saber labiríntico” das memórias eletrônicas (COLOMBO, 1991, p. 39-40; apud. TOLENTINO, 2007, p. 95) Assim, nos aproximamos ao insight da diffèrance de Derrida (2005) em Farmácia de Platão: um "modus operatur" – de ver em e para além da mera dialética. Nessa interdisciplinariedade, não poderia deixar de lembrar do artigo sobre a convergência entre Estudos linguísticos e literários: fronteiras na teoria e na vida, síntese bem feita por Beth Brait (2003). Veja Anexo – 8.

Contudo, é crítico quando a política local se fecha em provincianismo estéril, no poema “Vou-me embora pra Itaúna”, plagiando Manuel Bandeira (1886-1968) em 02//03/79, conforme a paródia modernista, em Viaduto das Almas (MILAGRE, 1986, p. 19-21):

Vou-me embora pra Itaúna./ Lá, tem político forte./ Lá, tem homem de prestígio / Que sabe como consegue/ Coisas grandes do Governo. // (...) Aqui, na minha querida / Divinópolis é “funcho”. / Todos trabalham, trabalham/ meio às tontas, com denodo, / mas não pensam que, com jeito, / o Governo dá asfalto/ dá muito do que se peça/ para implantar o progresso. // (...) Eu nunca tinha pensado/ em deixar minha cidade; / aqui, é simples o povo; / aqui, tem muito trabalho, / e tem muita liberdade; / são não tem, pobre cidade, / não tem político forte.// (....) Divinópolis – seremos / um Distrito de Itaúna. // (...) Só assim é que teremos/ mais estradas asfaltadas/ escola, universidade, / dinheiro para progresso/ mais progresso...

Para Corgozinho (2003, p. 281), “a ferrovia inocula o gérmen da modernidade” em Divinópolis porque esta cidade nasceu com e sobre os trilhos como afirmou certa vez o ex-prefeito Jaime Martins nos anos 70.

Milagre, ironica e pessimistamente, constata como Machado de Assis que “o progresso é uma desgraça e o atraso, uma vergonha.” (SANTIAGO, 2004, p. 35)

Essa desolação em sua casa diante do turbilhão do mundo agitado pela sobrevivência, o eu-lírico está em sua melancólica reflexão sobre o sentido de tudo isso.

Manda a noite crescer em torno da minha alma / E o silencio reinar... e a escuridão... // Na atribulada calma, / Quero ficar comigo, ouvindo o coração! / E após o ouvir, dizer-lhe: “dorme! Dorme! / A noite está chegando em sua teia enorme, / Não a noite do tempo, a noite tempestuosa da minha capitulação! /Da minha própria sagração! // Mas, antes de dormir, na hora de adormecer, / Um minuto espreita / O contraste cruel e glorioso, que existe / Entre o silencio desta torre estreita, / que erigi para o sono, insulada de triste, / E o tumulto profundo, / E o vagido infernal que vem do mundo / Onde os homens estão a matar e a morrer!...

As antíteses nas expressões “atribulada calma” no “contraste cruel e glorioso” evidenciam não só a boa qualidade da poesia como tem valor de crítica a cultura local e global, para entender as contradições sociais do “vagido infernal” do mundo, do qual o poeta faz parte e é testemunha dessa “escuridão” e desse “silêncio” em sua alma. O poema é introspectivo e retrospectivo, não deixa de ser denúncia social, com forte sentido histórico de tradição conquistada de que nos adverte T.S.Eliot em Tradição e Talento Individual.(1989, 38):

(...) a novidade é melhor que a repetição. A tradição implica um significado mais amplo,. Ela não pode ser herdada, e se alguém a deseja, dever conquistá-la através de um grande esforço. Ela envolve, em primeiro lugar, o sentido histórico, que podemos considerar quase indispensável a alguém que pretenda continuar poeta depois dos vinte e cinco anos; e o sentido histórico implica a percepção, não apenas da caducidade do passado, mas de sua presença; o sentido histórico leva um homem a escrever não somente com a própria geração a que pertence em seus ossos... .

Para nos mostrar a inserção cultural e poética de Milagre nos jornais locais, Camilo Lara (2005) evidenciou a força da poesia de Milagre como marcas do coletivo em Divinópolis. Lara identificou a “Turma do Agora” como bem fez Bessa (2003). Vander Melo Miranda (1995, p. 112-3) situa em sua síntese o motivo da poesia mineira ser do esvaziado, aludindo ao pensar de Guimarães Rosa em “Ave, palavra” (1970, p. 245-50). O poeta na condição de outsider – exilado em sua própria terra natal – partilha sua experiência local /regional com endosso de viés universal. Por isso seu ethos-verbum é partilhado, em que “Em meio às ruínas crepusculares deste final de milênio, tal como a coruja de Minerva, esses textos parecem enfim nos alertar para o perigo de que a noite caia de repente, como acostuma acontecer nos trópicos.” Isso é dedução de Miranda quando antes situa o significado de signo como endosso da memória coletiva a partir de Paul Ricouer em II tempo reccontato. (1988):

O rastro existe apenas para quem considera tal sinal como signo presente de uma coisa ausente (grifo nosso), como vestígio de uma passagem que também não existe mais. Seguir um rastro – ou escrever memórias – significa a mediação entre o não-mais da passagem e o ainda do signo: o passado não é só negativamente o que acabou, mas o que foi e que, pro ter sido, pé preservado no presente.

Bomeny (1994) ilustra o comportamento do poeta moderno como que busca do equilíbrio entre “a paixão calente e o frio senso [senso histórico esse de que T.S.Eliot já nos falava quando do conceito de tradição e talento do poeta moderno, excluindo o eurocentrismo de Eliot] da proporcionalidade” Veja a nota de onde se extrai essa citação 7:

Hoje, sabe-se que o poeta é produto social e sua escritura não é nada neutra porque é também compromisso e comprometimento ideológico-histórico. Cabe-nos atentar para relativizar os termos da modernidade cuja crença é imbuída pela totalidade e neutralidade de análises e perceptivas.

Crê-se que aí está o que T. S. Eliot chamava de senso histórico sem o qual nenhum poeta conquista diferentemente a tradição, reinventando seus antecedentes dos ossos dos poetas mortos. Silviano nos alerta de que devemos nos acautelar da marca eurocêntrica de T. S. Eliot. Esse conselho nos é útil para analisar a poética milagreana, que incorre por vezes na visão de sua cidade e memória coletiva no viés eurocêntrico, principalmente na sua obra de ruptura: Gomos da Lua (1963). O valor dessa obra está no fato de que desassocia, paulatinamente, da antiga tradição do soneto camoniano, para ariscar-se no novo desafio: escrever em versos livres sua história e a história de sua cidade.

2. INSERÇÃO DE MILAGRE NA CULTURA DIVINOPOLITANA

Márcio Almeida (1979), apresenta a EXPOÉTICA – mostra da poesia de vanguarda do Brasil (25 anos da vanguarda. Antes, em 1963), da Semana Nacional de Vanguarda. Essas influências são fortes no interior de Minas, inclusive em Divinópolis. 8

E para ilustrar outra influência do modernismo em Milagre, veja-se o poema “Noturno” em Gomos da Lua (1963, p.50), em que o poeta identifica os que sofrem nas sombras noturnas da cidade como "loci horrendus" (uma opacidade neobarroca) da luta pela sobrevivência:

Antes de gozares cheio

A propiciadora sombra,

Terás de passar lá em baixo,

Em busca da água da fonte.//

Terás de sentir o dia

No convívio das refregas,

E olhar, com os olhos do Sonho,

O horizonte,

Só depois de muito tempo,

E não mais reconheceres

Teu ser perdido nas brumas

Do passado, terás o bolo de leite,

Que não há de ter o gosto

Que teria se o comeras

No dia do teu noivado.

Mesmo assim, tem paciência,

Que há muito que, ao fim chegando,

Ainda estão lá por baixo,

Em busca de água da fonte.

Assim, em versos livres – de feitio modernista – (diferente do soneto), Milagre traça a mensagem semelhante, focando “sombra” como “ser perdido nas brumas”. 9

Domingos Diniz (Veja Anexo 6 - na época, presidentes da Fundação de Cultura de Divinópolis) - afirma, na apresentação de O Mundo e O Terceiro Mundo (1981), “sendo poeta divinopolitano”, Milagre tornou-se “poeta do terceiro mundo”.

Divinópolis é uma cidade moderna, construída com o capital da indústria e o setor comercial. A cidade nasceu sobre os trilhos! Por eles, transportaram pessoas e alguns poemas de Milagre como “Adotivos” em Gomos da Lua (1963, p. 49):

Os Quadrantes da Pátria estão abertos.

Podem vir, europeus!

Podem vir, asiáticos!//

Venham, fiquem, trabalhem:

Venham, amem, sucumbam...//

Mas, venham de coração puro!

E o poeta divinopolitano 10 retoma a história da colonização do Brasil, segundo a qual o embate redundou na disputa pelas riquezas da terra – ouro e minérios – e conflitos armados entre diversas etnias contra os portugueses. O autor provavelmente alude aos momentos como os holandeses de Nassau no Nordeste. Contra eles, padre Vieira suscitou forte oposição em Para o Bem das Armas de Portugal contra as de Holanda no conflito de expulsão dos holandeses. E, no Rio de Janeiro, no tempo dos Freis Anchieta e Nóbreza, houve disputa entre portugueses contra franceses. Para Milagre, convencido pelo discurso da história do Brasil, tais etnias eram invasores exploradores no período colonial.

Em Quartetos de Sopro (1990B, p. 14), fase das trovas de Milagre, ele se lembra de Padre Anchieta em Ubatuba, litoral paulistano:

A praia de Iperoig, / Recorda o Padre Anchieta; / Homem de têmpera “big”/ com sonhos de anacoreta.” / I, dia, inspirado, escreve, / na solta areia alvadia, / Com a mão severa, mas leve, / Seu poema à Virgem Maria.// O mar apagou a escrita, / Mas, a imagem feminil/ De Maria –a Mãe Bendita - / Ficou ninando o Brasil. (1987).

Mas, como descreve em Gritos (1972), nada igual à crise depois da morte da primeira esposa Maria da Conceição Natividade, conhecida Lilia, nascida em quatro de janeiro de 1925 e falecida no dia dois de novembro de 1970. A fase melancólica e madura do poeta ainda estar por ser contemplada porque nos surpreende com sua sensibilidade e visão crítica da sua cultura.

Por isso, Milagre considera a presença deles como um “coração manchado e não puro”:

Pois, quando vieram,

Franceses e holandeses,

Com o coração manchado,

Pagaram com seu sangue

O que não conquistaram...//

Envergonharam seus concidadãos,

Com essa imputação indesejável

De Invasor...

Perguntamo-nos por quê desta mudança significativa?11 Ele havia participado de certas mudanças ideológicas, sociais, políticas e culturais com suas viagens e leituras. Viagens a Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Participado de concursos diversos. Participara de Semanas de Arte I e II (27/8/69), dos jovens da UNE-Divinópolis. Sabe-se que a Turma do Agora é valorizada e seus poemas foram publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais! Em O Suplemento Literário de Minas Gerais, (BESSA, 2003, p. 60 e 69), Milagre confidencia:

Participante é a poesia que traz em seu contexto tudo aquilo que se refere ao homem – cotidiano, desde as suas manifestações mais pessoais até as implicações na vida coletiva... Dou valor à persistência, algo novo é recebido com reservas, mas, se é de boa qualidade, aos poucos, será aceito plenamente.

E comenta Bessa (2003, 30) sobre o engajamento de Milagre na Turma do Agora:

Vivíamos no Brasil sob o tacão da ditadura militar e não podíamos abrir o peito (...). Mas não nos submetemos, não afinamos um dedinho sequer. (...). [Foram] 24 números (...), nos quais fizemos o que era possível fazer: uma contestação indireta ao regime de exceção, (...) todos, na época, eram contestadores...

Camilo Lara (2005) – um dos pesquisadores da literatura divinopolitana em Belo Horizonte, em Itinerários - escreveu A Poética do Coletivo em Divinópolis. Nela ele alude a Milagre cinco vezes, além de ilustrar com fotos o poema Sidil (idem, p. 65), foto dos Moços do Agora com Milagre (idem, 68), desenho da capa de Gritos feita por Regina Martins na primeira página do famoso jornal Diadorim (LARA, p. 69 e Diadorim: Ano 1, nº. 5, agosto de 1972) e contextualiza melhor a participação de Milagre no Jornal-Movimento Agora (julho de 1969) e Diadorim (homenagem a Guimarães Rosa), durante a ditadura (idem, 2005, 25),:

Apesar de sua importância na divulgação de textos de autores nacionais e internacionais, consideramos que o Diadorim não tem a “missão” de articular um movimento cultural nos moldes do promovido pelo Jornal-Movimento Agora. Os tempos são outros. Os anos 70 a 73 correspondem exatamente aos “anos de chumbo” da ditadura, que através do famigerado AI-5 dava ao governo militar poderes ilimitados. Mas não podemos falar de existência de um “vazio cultural” (...) Diadorim privilegia uma produção poética aberta a diversas experiências e experimentalismos, seja na publicação de uma poesia marcada pelo lirismo, seja na publicação de uma poesia que explora as potencialidades semânticas das palavras ou na publicação de poesia visual.

Camilo Lara sintetiza um dos motivos da efervescência cultural 12 em Divinópolis nos meados da década de 60 (2005, p. 29):

A partir das primeiras publicações de poemas sobre a Poesia Experimental Portuguesa no Suplemento Literário de Minas Gerais, e das visitas dos poetas Ernesto Manuel de Melo e Castro, a partir de 1966, e de Ana Hatherly, em 1969, a Belo Horizonte, a troca de informações e material entre os poetas mineiros e os portugueses se intensificou. Assim, era natural que os escritores e artistas de Divinópolis demonstrassem interesse de estreitar relações com os seus contemporâneos além-mar...

Na introdução de O Viaduto das Almas (MILAGRE, 1986), Lázaro Barreto, evidencia aspectos axiais de Milagre:

Sebastião foi um dos primeiros (ou o primeiro?) a aderir a chamada revolucionária do concretismo poético. Sua adesão representou uma enorme abertura mental, que deve ter tido seu gosto de violência pessoal. Sei que podem objetar que tudo não passou na área da estética (meu grifo), como repercussão apenas no seio de amigos. Mas não é bem assim. A poesia é prenúncio, intuição de tudo que poderá ocorrer politicamente. (...) Seu culto aos clássicos da música, seu amor à Lilia - sua amada falecida prematuramente (...) são motivação constante. É poeta de tempo integral...

Como re-endosso de nossa síntese acima, Camilo Lara enfatiza, por sua vez, as particularidades das obras dos escritores divinopolitanos, dentre eles Milagre, os quais tiveram “um diálogo significativo com a tradição da poesia produzida no Brasil a partir do Modernismo, como é o caso de Adélia Prado, Osvaldo André, Marcoantônio Guimarães, Sebastião Bemfica Milagre e Mário de Oliveira” (2005, p. 26) e Lázaro Barreto.

Ainda, Camilo Lara (2005, p. 26), enfaticamente, exemplifica como a presença de Sebastião dialoga com a Tradição dentro do Modernismo:

O nome de Sebastião Bemfica Milagre é referência marcante na vida literária de Divinópolis, na medida que atuou decisivamente na construção de espaço que pudessem garantir uma “identidade” para a produção poética local. Como co-fundador da Academia Divinopolitana de Letras, participou do jornal/movimento Agora, colaborando no estabelecimento de sua linha editorial e na divulgação e financiamento das edições.

A constatação de que Sebastião Bemfica Milagre é um poeta moderno diz respeito ao esforço de entendê-lo no fórum da Modernidade Tardia e sua inserção no rol dos escritores mineiros que aprofundaram o perfil daquilo que se chama mineiridade.

Gosta da saudade – por vezes é nostálgico; admira a modernidade - elogia o progresso de Divinópolis: sente-se moderno. 13

Um dos eufemismos criticados por Milagre é a crença de que somos subdesenvolvidos ou em desenvolvimentos. A crítica é ferrenha e não polpa ninguém depois da abertura política. O estava entalado durante a ditadura com jogos de sutilidade na sua crítica, agora é deslavadamente confesso sem rodeios. Em Vou-me embora pra Itaúna, mesmo marcado pela totalidade modernista, à maneira de Manuel Bandeira, assume uma crítica a própria cidade pela ingerência política administrativa. Ironicamente, deseja ir para Itaúna porque lá tem político forte, que demanda a favor dessa cidade.

Para a classificação do eu-lírico na modernidade tardia em Divinópolis, seguiremos alguns posicionamentos de Silviano Santiago (1989, 98-101), que situa o pensamento de Octavio Paz em “A permanência do discurso da Tradição no Modernismo”, afirma, em Os filhos do barro, uma tradição de analogia e outra de ruptura. E Santiago se pergunta da razão de retornar a tradição hoje.

E percebe que há em Octavio Paz um questionamento a tradição gloriosa da ruptura como procedimento radical do modernismo. Esse modelo é do espírito das revoluções burguesas e da Revolução Russa e Cubana. Contudo, em Paz, a tradição de analogia está no presente do poeta, que constrói para si o passado e a tradição.

O eu-lírico milagreano convive com a tradição e a aceitação da modernidade como convivência das dimensões (a)temporais, à semelhança dos modernistas no relato de Santiago sobre o parecer de Brito Broca quanto ao dilaceramento do modernismo em 1924 (SANTIAGO, 1989, p. 105):

Nessa viagem (a Minas) é a atitude paradoxal dos viajantes. São todos modernistas, homens do futuro. (...) As velhas cidades (...), é evocação do passado , (...) tudo sugere ruínas. (...) E não falaram, desde a primeira hora, numa volta às origens da nacionalidade (...) que conduzisse a uma arte genuinamente brasileira?

Esse procedimento se encontra no eu-lírico quando lamenta em Divinópolis a demolição de antigos prédios da tradição e da fase de emancipação político-administrativa de Divinópolis (1912-1950). Contudo, convive com a modernização da mesma cidade, enaltecendo sua nova arquitetura e a projeção da mesma no Centro-Oeste Mineiro. Na Cidade visível, o eu-lírico nos desvela as “Cidades Invisíveis”, segundo a expressão de Ítalo Calvino (1991). Nessa cidade, existem fatos e fotos, o arquivo e o Mal do Arquivo nos arquivos públicos, nas bibliotecas, no Museu Histórico de Divinópolis, nas fachadas das casas e prédios, nas partes diferentes da cidade. São “arte, memória e cidades: espaços de vivências coletivas e temporalidades em movimento”, que se justapõem nos remetendo a histórias de vida a complementar a história oficial da cidade, nesse artigo de Glória Reis (2007).

Por esses motivos, o poeta se posiciona como poeta moderno na modernidade tardia dos mineiros em Divinópolis, no Centro-Oeste Mineiro.

Essa atitude é fortalecida em Piglia. Semelhante posicionamento se dá em Ricardo Piglia (1991, p. 60-66) em Memoria y Tadición, pode-se entender o eu-lírico milagreano. Para Piglia 14, a memória é (im)pessoal, nesse caso coletiva. A tradição constitui sombras e resíduos de um passado cristalizado, a ser apropriado pelo poeta como decifração e sonho.

Em Gomos da Lua (1963) o eu-lírico milagreano emprega o termo memória enquanto referência existencial de gerações passadas, presentificada no poema a seguir:

Ó Divinópolis, ó minha terra!/ Até quando poderei olhar-te com os olhos de poeta?/ Cresces demais para que a minha pupila te alcance, / E eu tenho de te olhar com os olhos da alma, / num futuro distante, / quando o pó deste teu filho já tiver emigrado...No atropelo dos dias e dos edifícios// Torrentes de suor – óleo do teu caminho.../ (...) as gerações se postarão para o negócio, / para o acerto e o esmalte das empresas. // E o teu coração?/ Onde estará vibrando? (...) Na memória dos que te quiseram glorificar, / E nada puderam fazer/ Senão sussurrar ao vento, / O segredo de terem visto,/ Num paralelepípedo de tuas ruas, / um enorme diamante... (MILAGRE, 1963: 69)

Para Benjamin (1985), existe uma ruptura com a noção do conceito de continuum quando se buscam os agoras da história dos vencidos. Os despojos dos vencidos estão no domínio dos vencedores cujo poder mantêm os vencidos submissos, ideológica e economicamente. Para que a história descubra seu verdadeiro sentido, há de se realizar uma análise a contrapelo. Ou seja, ver suas contradições históricas e tomar atitudes coerentes com os vencidos no sistema que engendramos.

Dentro deste sentido, em Gomos da Lua, Milagre destaca, no poema Os Chapas, a

marginalização dos lavradores quanto declara seus direitos de cidadania no espaço social e cultural

Quanto penso nos homens do talhão!// Pé descalço, enxada à mão, / ao longo do eito...// Não sabem ler, / não sabem escrever.// (...) Eles fogem de nós,/ desconfiam de nós,/ Se falamos mais alto,/ se escovamos os dentes...//É preciso dizer: / que eles são um pedaço da Pátria; / que a ela têm direito/ E que por ela morrem / Nessa morte besta/ de consumir-se, diariamente... (MILAGRE, 1963: 70-1):

Assim, percebe-se a relevância dessa poética e suas implicações da memória no contexto de modernização de Divinópolis nos anos 60 a 90. Procurar-se-á aprofundar os teóricos pertinentes agora. Foquemos um pouco da memória cultural de Divinópolis para melhor se situar a produção de Sebastião Bemfica Milagre (1940-91) nos autores locais abaixo.

Do ponto de vista histórico, Corgozinho (2003), já se contemplou aspectos relevantes da passagem do tradicional ao moderno como continuidade e rupturas diversas que aconteceram desde a instalação do município de Divinópolis como superação do tempo do arraial até a consideração de dois tempos: o tempo neo-ufanista como ruptura e contradições entre o velho e o novo no Centro-Oeste Mineiro e a tradição do novo como consolidação da modernização de Divinópolis em sua obra Nas Linhas da modernidade.

Corgozinho (2003, p. 235), assim, situa a luta pela conservação da memória como necessidade só vira à tona com a criação da estrada de ferro, cuja força de emancipação exigiu recortes diferenciados do passado como construção de sentido de outra memória útil e legitimadora do processo de emancipação e industrialização de Divinópolis a partir de 1912 e dos anos 50. Particularmente, 1945, com a criação de siderúrgicas, da Usina Hidrelétrica Gafanhoto e da Rádio Cultura de Divinópolis (cujos saraus e musica clássica eram organizados por Milagre nos anos 50 a 70), graças à intervenção do Prefeito Jovelino Rabello (1945 a 1951), a presença de imigrantes vindos da ferrovia, Divinópolis se tornará o polo catalizador de desenvolvimento no Centro-Oeste de Minas. Nessa rádio, Milagre participará saraus culturais e organizará vários encontros de divulgação de música clássica (semelhante ao desenvolvido recentemente por Artur da Távola na TV Senado/2008 com a denominação: Quem tem medo de Música Clássica?) e poemas de sua autoria. Em 1959, houve a criação da diocese.

Nesse sentido, é Corgozinho (2003, p. 281) que de novo nos relembra um caráter heurístico dentro do qual se abre a cidade do seu provincianismo à modernidade:

A ferrovia, ao contribuir para inocular o gérmen da modernidade no arraial do Espírito Santo do Itapecerica, pode ser considerada como um cordão umbilical que estabeleceu a ligação da região com a ordem mundial e rompeu com o seu isolamento. (...) Isso indica que a construção da cidade não pode ser considerada como simples processo físico; representou também uma mudança de direção no modo de vida da população existente.

O paradoxo irá se configurando com uma constante tensão até a modernização a partir dos anos 60 como nova lógica histórica registrada pelos projetos aprovados junto com cidadãos que faziam parte do Instituto de Educação e Cultura (IEC), sem a qual não se pode compreender uma nova re-elaboração do passado em função de um futuro que vem a toda velocidade como a própria modernização da ferrovia e o entorno administrativo-arquitetônico da cidade moderna a partir da administração dos prefeitos Antônio Martins Guimarães, Walchir Jésus Resende Costa (1967 a 1971) e Aristides Salgado dos Santos (1983 a 1989 e 1993 a 1996):

A racionalidade moderna estima a desintegração do domínio do sagrado, a secularização da cultura, a autonomia da ciência e da moralidade, a racionalização burocrática, o progresso técnico-econômico e o alargamento do domínio da natureza. (...) permite separar gradativamente a esfera pública e privada, a política e a religiosa. (...) desencadeia o rompimento dos valores tradicionais.

3. MEMÓRIA MILAGREANA COMO MAL DO ARQUIVO

O mais importante é considerar a obra de Milagre como Pharmakon cuja ambiguidade assinala os efeitos de sentido que podemos vislumbra em análises futuras, articulando-as como Mal de Arquivo no mesmo Derrida (1930-2004). Este assevera que o Pharmakon como recurso operacional em Pharmacia de Platão (2005) nos possibilita a ousada análise da obra milgreana no dito e não-dito. Sua Escritura evoca um Lógos que nos remete a questões cruciais do ponto de vista privado e público na modernidade tardia em Divinópolis. As crises pelas quais o poeta passou constitui um arsenal teórico rico à medida que descortinamos o Mal do Arquivo como desdobramento deste Pharmakon como droga, ambiguamente com efeito terápico-ideológico-escriturístico de medicina e veneno, são heranças culturais nas várias fases pelas quais o poeta foi lapidando seu verso e verbo.

A morte da esposa, justamente, no dia de finados em 1970 e a percepção dos paradoxos da modernidade tardia engendrados por política local semelhante ao que acontecera no nível nacional. Havia um plano piloto de vanguarda concretista aliada aos interesses políticos do desenvolvimentismo de JK, logo adotados aos planos de exceção dos militares a partir de 1964.

Pensa-se ainda que a ansiedade ou a angustia de influência na teoria da Poesia de Harold Bloom (2002) nos daria bons motivos para contemplar diferentemente tais influências no eu-lírico milagreano. 15 As estéticas fora de lugar/deslocadas do universal-particular nos modernistas. arquiviolítica [atuam] (...) como a pulsão de morte, segundo (...) Freud, [levam] a uma pulsão de agressão e de destruição, (...) esquecimento, amnésia, aniquilação da memória como mneme ou anammesis, mas comanda também o apagamento radical... “E, Derrida conceitua arquivo: “... a consignação, o dispositivo documental ou monumental como hupommema, suplemento ou representante mnemotécnico, auxiliar e memento. Não há arquivo sem um lugar de consignação, sem uma técnica de repetição e sem uma certa exterioridade.” E aproveita Derrida (idem, p. 22) para se fundamentar em Freud: “Nessa potência não haverá memorização (dialética do esquecer para lembrar e vice-versa no arquivo):

O arquivo trabalha sempre a priori contra si mesmo.(...) quando não disfarçá-lo, maquiá-lo, pintá-lo, imprimi-lo, representá-lo no ídolo de sua verdade em pintura. Uma outra economia está assim trabalhando: a transformação entre esta pulsão de morte e o principio do prazer, entre Thanatos e Eros; (...) esta aparente oposição dual dos princípios, dos arkhai (...). A pulsão de morte não é um princípio [em si]. Ela ameaça de fato todo principado, todo primado arcôntico, todo desejo de arquivo. E a isso (...) chamaremos de mal de arquivo.”

Em Mal do Arquivo, Derrida (2001) assevera que sua análise discursiva, à luz da impressão psicanálise, penetra nos meandros do recalque e de suas implicações. Esse Mal do Arquivo diz respeito a uma obsessão incontornável e perturbadora. Sim, paradoxalmente, se inscreve no universo literário e cultural em que Freud descortinava a psicanálise. Toda criação é produto da libido e como tal deve ser vista igualmente como (des)recalque. O recalque e o Mal do Arquivo evidenciam uma impressão freudiana, elaborada por Derrida (2001). Os pais de Milagre são lembrados rapidamente por ele. A mãe adoece e morre! Ele se apega à Lilia.

C. Gustav Yung, discípulo de Freud, fundador da Analítica (corrente psicológica que privilegia os arquétipos e mitos para desvendar o fundo onírico dos pacientes e seus traumas), assume a posição segundo a qual a simbologia e a religiosidade poderiam ou não adoecer os seus simpatizantes. Em O homem e seus símbolos, Yung evidencia a herança cultural inevitável que engendram o modus vivendi dos humanos.

No caso do poeta, a liturgia, cheia de simbolismos, marca a alma católica do poeta e seus protestos frente ao poder corrosivo do tempo e do ultimatum da morte.

4. IDEOLOGIA E CULTURA NA LITERATURA MILAGREANA

Em O Homem e a Caixa Preta (1982), Milagre se vale da imagem de perigo generalizada do terror da Bomba Atômica e outros problemas de “O mundo em que vivemos”, titulo de seu primeiro poema. Ele começa por comparar aqui com o inferno (de Dante). Tudo “aqui vida é pane, sem panis (pão), nada angélico, ars dura, sempre/mente (idem, p. 7), Hoje o/briga de oriente e ocidente (a osso-e-dente) (p. 8)

É necessário, contudo, perceber que a ideologia penetra as memórias e arquivos. Há de se buscar a relação da cultura com os arquivos e memória do eu-lírico milagreano.

Nessa possibilidade, recorre-se aos conceitos de Ideologia e Cultura em Hall e Mészáros. Chamamos atenção de que, do ponto de vista poética, a intercessão entre ideologia e cultura se dão no modus vivendi captado pelo eu-lírico, descrito assim, por Hall, a partir de Williams e Thompson: é uma tentativa de descobrir a natureza da “organização geral em um caso particular [struture of feeling], elementos (...) numa forma inteira de vida” (idem, p. 128-9)

Fiquemos com a impressão de E. P. Thompson: “nenhuma cultura dominante esgota a prática, a energia e a interação humanas. (...). Cada modo de produção ser também uma cultura, e cada luta entre as classes ser sempre um lugar entre modalidades culturais” (ibidem, p. 129)..

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para Sebastião Milagre, a modernidade é cheia de negaças - contradições a cada canto. Um tempo onde nos lares domina a mídia, enquanto a classe média participa menos do social, do teatro, do cinema e outras atividades lúdicas. Ócio criativo desaparece!? Veja sua trova sobre o teatro na conclusão, na página 20 (1990B, p. 31).

Nos anos 70, enquanto se ganhava a Copa do Mundo, muitos brasileiros eram torturados pela ditadura. Nesse contexto, a compra da tv foi facilitada pelos militares para assistir à Copa do mundo. E Milagre denuncia: “não tem mais liberdade, / adeus, teatro e cinema. / folga, à noite, terminou-se/ aquele tempo tão doce/ de passeios e de encontros / - tudo, afinal, que esse monstro/ - a televisão não deixa.” (ibidem, p. 18)

Domingos Diniz, apresentando O Mundo e o Terceiro Mundo (1981), classifica Milagre como “em sendo divinopolitano, é um poeta do mundo, ainda que do Terceiro mundo”. E Milagre faz jus a essa classificação, porque poetiza os paradoxos da modernidade tardia, do pós Guerra Fria e as crises do petróleo e a queda do muro de Berlim. O poeta é irreverente: “Terceiro mundo/ bunda do mundo”.

O poeta denuncia as poluições visuais, sonoras, químicas de sua cidade no contexto de modernização, semelhante à que houvera em BH e Brasília.. Percebe o mundo da pressa, entulho, descartável, guerras, violência de todo tipo, assaltos, sectarismos, ilusão das independências dos continentes, consumismo, erotismo, vandalismos... Era mudanças radicais dos Beatles, pílula, motéis (o amor livre), impactos ecológicos no terceiro mundo como:analfabetismo, inflação, preço da gasolina e diesel. Ele nos mostra o “berreiro do mundo, vivendo imundo, celeiro do mundo, latifúndio/ que late fundo (MILAGRE, 1981, p. 27)”, “milhões sem fundo, pobreza muito, ser moribundo, nauseabundo, ameaça do mundo?, bundo do mundo, bunda do mundo.” (idem, 1981, p. 28)

Há um poema sobre a queda de “O muro de Berlim”, citado em Doador de Sangue (1990, 33), em que Milagre faz o seguinte comentário, antes do poema:

(Após a Segunda Guerra Mundial, a cidade de Berlim, que era a capital da Alemanha, ficou dividida, desde 1949 (...). Foi construído um muro (...), de concreto e arame farpado, e aqueles que tentavam ultrapassá-lo, eram mortos. Em 1989, portanto, quarenta anos depois, o “Muro” foi demolido com grande euforia popular.

Veja, em parte, o poema Muro de Berlim (idem, p. 34):

Muro odiento,

da vergonha;

coronha

repugnatária:

tara

do instinto férreo-guérreo.

Em Doador de Sangue / Procissão da Soledade (1990), o eu-lírico milagreano se afirma como era específico do grupo de poetas mineiros modernos nos Moços do Agora em Divinópolis. Esse posicionamento de Vander Miranda contempla a Poesia dos poetas mineiros modernos como um reesvaziamento e resignificação de uma condição partilhada vivida por eles, independente de serem ideologicamente próximos ou distanciados das tradições de Minas Gerais.

Rollo May fala de O homem sempre de si mesmo como paradoxo de receios e desafios do seu modo de representação/ encenação social e autopsíquica. Ele tem necessidade de identidade(s) e ansia por conquistar-se no “viver perigoso roseano no sertão-todo-mundo”, quais sertanejos (metropolitanos ou provincianos) de nosso destino, negociando com o Fausto, porque a vida e o mundo, seu eu profundo e os paradoxos sociais e ecológicos o instigam a decifrar-se como Édipo frente a sua e somente sua Esfinge ou insurgir-se/ressurgir-se, alquimicamente, das cinzas como Phenix, ainda que tenha que desafiar mundos-e-fundos, assemelhando-se a Prometeu ao surrupiar o Fogo de Zeus e inventar a Humanidade, cheia de dores e odores, luxos e lixos, profanos e sagrados como Imago Dei ou adversarius dei. Ou seremos como a Caixa de Pandora, que curiosa e determinada por deuses e donosdomundo a abrir nossa trágica e cômica existência? 16

Nesse contexto, Milagre (1990B, p. 31) diz, em trova, que na vida somos todos atores: “No teatro deste mundo, / Toda cena é de improviso:/ Ora, é um gemido profundo;/ Ora, espontâneo sorriso.// Cada um é ator a seu jeito/ Na tragicômica lida/ Do teatro mais perfeito/ que é o teatro mais perfeito/ que é o teatro desta vida.”

Destacamos, pois, algumas questões que vamos aprofundar:

• Os desmandos do contexto desenvolvimentista no militarismo radical que se deu no Brasil nos anos de chumbo,

• A inflação e exploração internacional nos anos 70,

• A Guerra-Fria e se alegra com a queda do muro de Berlim, inicio da Abertura política no Brasil nos anos 80,

• A manipulação ideológica das economias hegemônicas nos anos 90,

• A mineiridade e a Modernidade Tardia,

• Tradição e Modernismos em Minas,

• O papel da Memória para o poeta moderno.

Como poeta moderno, Milagre localiza-se no mundo bipartido (norte/Sul, Ricos e pobres, socialistas e capitalistas) – contexto da Guerra Fria, assim como descreve no poema “Do nasce-vive: Destino?” em Doador de Sangue (1990, p. 35):

No Norte: Lorde fica; mor fica

Quem nasce:

No Sul: amer-sul fica; afri-fica

No Norte: forte fica; sorte rica

Quem vive:

No Sul: sub-em-morte fica; pica! (em gíria, significa pênis.)

E com criativa sensibilidade e solidariedade, desenha a suposta geológica, “A inevitável Separação”, poema em doador de Sangue (1990, p.36-7), cuja causa é a fossa ou “plataforma oceânica/atlântica”, que separa os continentes americano e africano: “tendes beleza natural / sem igual/ tendes pobreza acidental (habitacional) / feral.// tão sofridos continentes! / verde o esforço de seus povos!”

Esse esquema que Milagre jocosamente fala tão sério nos deixou consequências terríveis de pobreza e misérias construídas pelo espírito eurocêntrico e os seus imperialismos, até mesmo na atual globalização e internacionalização de bens e capital nas culturas periféricas como o Brasil.

Nesse ínterim do entre-lugar, a poética expressa no eu-lírico de Sebastião Milagre (1932-92) nos aponta os desconsertos da busca de sentido – em meio às “idéias fora do lugar”. As contradições eivam ideologicamente a poesia e a cultura local. Ele se alegra com a modernização dentro de alguns contextos, enquanto denuncia a ditadura e desmandados do poder. Repete o processo de demolição dos prédios antigos da fase de emancipação política (1912-50) e reconhece a modernização de Divinópolis (1960 a 1990) em sua obra (1940-1990). É um patriarca deslocado, um avatar consumado, um Pharmakon para os outros e sorve o veneno que destila do mundo cruel, que marginaliza os injustamente vencidos. É testemunha-chave que sem a qual não se podem mapear os sintomas, eventos dos contextos sócio-políticos da cultura e literaturas locais. Quem lê seu texto, sente a verbe de seu verso como o desloucado e seu estranhamento frente o mundo de crises e sofrimentos mil. Ele fala como pertencente à classe média e tem sensibilidade com os pobres e operários diversos.

Para nos mostrar a inserção cultural e a memória poética do eu-lírico como arquivo é fundamental perceber a participação de Milagre nos jornais locais, rádio, noite da Poesia, teatro, cinema, noites de música clássica em sua residência. O Mal do arquivo o persegue! Veja-se os anexos – principalmente de Domingos Diniz, Augusto Fidelis e Antonio Lourenço. Esse afirma assim:

A noite ali reuníamos vários poetas

E num pago agradável, ficávamos horas

Ouvindo as músicas do Beethoven, Mozart,

O Paganini do violino e outros clássicos imortais!

Enquanto isso, as poesias do milagre iam florindo

Com a mesma naturalidade das flores!...//

Há anos que o saudoso poeta se foi!...

Mas as suas poesias ainda cantam em meus ouvidos

E as sua casa logo foi vendida e derrubada;

Deixando em mim uma eterna lembrança

Antônio L. Correa (2009, p. 9 e 17) levantou alguns músicos que Milagre admirava: “Carlos Gomes, Tschaikowsky, Brahms, Beethoven, Chopin. Milagre escreveu duas composições para violão: Suite Divinopolitana I e II, que permanecem inéditas.” Ambas estão com Mercemiro; não se sabe o estado de conservação delas!

Quer nos comunicar tudo! Tudo que possamos assimilar. Façamos nossos recortes. Boaleitura! Pra ser colado assim e comungarmos parte de sua alquimia e sedução. O poeta incentivava os poetas novos a poetar. O poeta comunica seus prazeres e solidão do Tálamo e alcova. Visita o jazigo da Lilia. Caminha pela cidade e deseja ainda ser feliz quando de novo casa. A solidão é dura demais!

Conclui-se, pensando na voz e vez que assume o eu-lírico milagreano deixando vir à tona valores e críticas do universo ‘socioepocal’ (meu neologismo) em que estava inserido, com os apelos e paradoxos da modernidade, como vimos acima em Camilo Lara, um dos estudos sobre a cultura divinopotana e mineira.

Espera-se que tais estudos sobre a obra milagreana sejam apenas um despertar daquele iceberg cultural e literário impressionante de questões e desafios que a modernidade e a mineiridade inculcaram em todos os que se debruçam, diuturna e noturnamente, nesse tipo de investigação.

NOTAS

1. Sebastião B. Milagre (1923-1992) constitui, ao lado de sua contemporânea Adélia Prado (*13/12/1935), os representantes ou ícones da modernidade tardia em Divinópolis. Nos anos 70, Milagre já lançava livros, enquanto Prado publicava Bagagem com o aval de Affonso Sant’Anna e CDA. Milagre ficou circunscrito a sua cidade, embora tenha publicado livros e poemas em Belo Horizonte, viajado para concursos de poema em São Paulo e Rio de Janeiro. A obra milagreana está disponível nas escolas e bibliotecas dessa cidade. A presença de Milagre é significativa por causa de sua inserção cultural desde 1940, época que começa a escrever seus poemas e sonetos neo-simbolistas. Nos anos 50, difundia na Rádio Cultura de Divinópolis musica clássica, semelhante ao que Artur da Távola realizava na TVSenado (2007-8), denominado “Quem tem medo de música Clássica?” Nesse época, escreveu artigos no jornal franciscano A Semana. Em 1961, co-funda a ADL – Academia Divinopolitana de Letras. A partir de 1963, começa uma nova fase de seu fazer poética, que se corroborará com a participação dos Movimentos de Arte I e II no ano de 1969, com os jovens da UNE em Divinópolis. Nessa época, conheceu vários escritores do exterior e os vanguardistas mineiros e portugueses que se deslocaram até Divinópolis, Minas Gerais. Integrou-se nos Jovens do Agora e Diadorim, que deu origem ao atual Jornal Agora de Divinópolis. Tudo mudaria para ele a partir de 1970, no dia de Finados, enterra sua Lilia – Maria da conceição Natividade. Escreveu em sua homenagem Gritos (1972). Ele fará desse episódio o tema axial de sua obra. Em 1972, casa-se com Maria do Carmo Mendes, a Cacau, ainda viva. A Guerra Fria, a queda do Muro de Berlin, a inflação e a ditadura são outros temas da contemporaneidade em sua escritura nos anos 60 a 90.

2. O diálogo entre saberes afins com a obra do autor: historiografia local e nacional com o Plano-Piloto de Arquitetura em JK e Aristides dos Santos, ex-prefeito-arquiteto de Divinópolis nos anos 60 aos 90). Recorremos nessa historiografia local a estudos de Mercemiro Silva (1996) e Pedro Bessa (2003) sobre Sebastião Milagre, Batistina Corgozinho (2003) sobre modernidade tardia, Leonardo Castriota & Rafael Machado (2008) sobre arquitetura em Divinópolis e em Minas. Na historiografia nacional, recorre-se ao estudo de Maria Mesquita Benevides (1979) sobre o desenvolvimentismo em JK e Philadelpho Menezes (1991) sobre Modernismo e experimentalismos vanguardistas.

3. Prefere-se o termo Modernidade tardia – que é mais usada quando se analisam os poetas mineiros que aderiram à modernidade. E nosso empenho aqui é estabelecer, pois, a inter-relação das ciências humanas e a análise da teoria literária e da cultura – procedimento de quem se debruça nos estudos de memória e sua articulação com os arquivos da cultura. Reinaldo Marques (2003), em artigo sobre o “Arquivamento do Escritor”, faz essa proposição para que o arquivo revela seu potencial à luz do diálogo de saberes e áreas afins. E nesse escopo metodológico que almejamos pesquisar a obra milagreana e os motivos de sua apropriação tardia das estéticas modernista e vanguardista.

4. a). Bomeny (1994, p. 190) alude ao pensamento de Rogers Brubaker e Max Weber em The limits of Rationality: The moral life, for Weber, is framed by a series of tensions: between ultimate values and recalcitrant reality, between warm passion and a cool sense of proportion (grifo nosso), between ends and means, between Wertrationalitat and Zweckrationalitat, betweem reason in the anthropological sense and scientific rationality, between idealistic striving and realistic adaptation to the possible – between, in sum, the ethically rationalized personality, committed to certain standards of substantive rationality, and the ethically neutral social world, governed by mechanisms of purely formal rationality.

4.b). Não se trata de cair no lugar-comum de repetir clichês e nem remakes da literariedade (É a literaturnost, análises próprias do Formalismo Russo e do Estruturalismo, nem cair em estudos sobre vida-obra do autor como nos alerta Silviano em 1989, p. 167, em Nas Malhas das Letras.). Perceber conexões entre o texto de Milagre com o contexto da cultura é o nosso maior desafio! Ou seja, trata-se avaliar o alcance e as raízes dos textos milagreanos à luz da modernidade tardia com o instrumental e leituras aqui indicadas. Por isso, hoje a literatura exige um posicionamento contextualizado na cultura.

A abordagem inclui os filósofos da Diferença contemporânea diante da crise da razão no Ocidente como Jacques Derrida em Mal do Arquivo e A escritura e a diferença, Michel Foucault em Arqueologia do Saber e A Ordem do Discurso, e Deleuze em Diferença e Repetição. Derrida privilegia Freud quanto aos vestígios do inconsciente e propõe caminhos da desconstrução do aparato ideológico ocidental, marcado pelo logofalocentrismo. Como Derrida, com suas diferenças específicas de pensar e estilo, Foucault e Deleuze estão afinados nesse compromisso do desconstrutivismo, abrindo interessantes interpretações do status questiones das artes, culturas e a literatura.

Milagre lança o desafio: compreender a perplexidade sobre a condição humana como fragilidade e produto social. Há nele uma tênue e limiar linha entre a vida e a morte, razão e loucura, existência e vazio. São limites que a ciência não dá conta! A poesia propõe como a filosofia e a religião serem os espaços privilegiados de meditação.

Milagre deve ter como sua geração conhecido o opúsculo de espiritualidade austera da Imitação de Cristo (tenho comigo a da Edidora Ave-Maria, tradução de 1928, feita pelo Pe. J.I. Roquette). Ela exorta os cristãos ao desapego dos bens materiais em vistas da eternidade como facho da verdade celeste.Nela, Milagre bebeu o desencanto diante dos desgostos da vida e aflição da morte, com abundantes lágrimas do pecador, nutrindo a alma como águia nas alturas, assaltada dum tropel das ideias [do mundo profano] (p.12-15). Nessa austeridade, Milagre vivia as crises da modernidade, ceticismo frente à bondade do homem e rarefação do patriarcado. Daí uma desconfiança pela condição (des) humana (como em Santo Agostinho, São Paulo e Lutero), do “homem (sensual) sempre inclinado ao male leviano. (...) A mesma lição de Eclesiastes ou Coélet 1,2: Vanitas, Vanitas, omnis vanitas est.- ó suplema fugacidade! Tudo é vaidade! – Toda explicação fica pela metade,pois o homem nao consegue terminá-la. (Ecl. 1, 8): (...) Vaidade é seguir os apetites da carne e desejar aquilo por onde depois hás de ser gravemente castigado. (...) É amar o que passa depressa e não buscar a felicidade duradoura. Por que te queres ter em mais que os outros, quando há muitos mais doutos e sábios na lei de Deus que tu? (...) Todos somos fracos, mas a ninguém tenhas por mais fraco do que a ti.” (Imitação de Cristo, p. 21, 25 e 33). .

Não se pode negar o império da morte e do mal no mundo. A morte se maquia – camufla-se nas estruturas e no corpo. Há uma violência material e simbólica do sofrimento humano de milhões de mulheres e homens massacrados pelas estruturas abjetas. Por isso, Milagre tem saídas psíquicas e metafísicas, materiais e essencialistas no jogo de forças da cultura local. É o desconforto da vida! Um assalto existencial irreversível.

5. Mészáros (ibidem, p. 65) define ideologia tanto quanto parecida com o conceito de Cultura(s) como práticas culturais complexas, afirmadas acima em Stuart Hall, nos Estudos Culturais (veja nosso negrito abaixo):[Ideologia é uma]... forma de consciência social, materialmente ancorada e sustentada.(...) como consciência prática inevitável das sociedades de classe, relacionada com a articulação de conjuntos de valores e estratégicas rivais que tentam controlar o metabolismo social em todos os principais aspectos. (...) na grande diversidade de discursos ideológicos relativamente autônomos, (...) [que] devem definir suas respectivas posições tanto como “totalizadores” (...) como alternativas estratégicas (...), articulando sua visão da ordem social correta e apropriada como um todo abrangente.

6. Para Stuart Hall (2003), “cultura é local de convergência’ dos Estudos Culturais. Complexidade e relações dele devem ser levadas em conta para superar conceitos anacrônicos e idealistas e reducionistas de cultura. Por muito tempo, cultura fora visto como um conjunto de apreciações sobre o espírito de uma época. Contudo, “... a noção de cultura é socializada e democratizada” no conflito ideológico de classes diversas de uma mesma época. É o que hoje chamaríamos de cultura comum, que se dá ou se forma no processo histórico de comunicação, de tensões e mudanças. (idem, p. 127). Hall retira tais deduções em R. Wiliams. Trata-se de um modo de vida integrado com praticas sociais de grupos. Nesse sentido, constitui-se no conjunto de relações do modo de vida global. Está implícito nesse modo de vida o estudo de relações de padrões característicos não fáceis de serem compreendidos e apreendidos por qualquer análise.

Nesse sentido, Thompson, em A miséria da teoria denuncia que “A Sociedade capitalista fundou-se sobre as formas culturais de exploração. (...) o relacionamento produtivo (...) se revelará ora sob um aspecto (o trabalho assalariado), ora sobre outro ainda (a alienação dessas faculdades intelectuais como algo não necessário ao trabalhador em sua função produtiva.” (apud HALL, 2003, p. 133).

Nesse contexto, Hall é genial ao contextualizar a afirmação de K. Marx que paradoxalmente configura o conceito de ideologia lá onde “é determinado que homem e mulheres construam história em condições que não escolheram”.

A partir disso, Hall (2003, p. 179) no capitulo da Diáspora...: Althusser e os debates pós-estruturalistas, em que Hall seleciona o conceito de ideologia como “sistema de representações, em que se vivem relações imaginárias com as condições de existência.” Este conceito é mais contemplado em For Marx do que em Aparelhos ideológicos do Estado , ambos de Althusser.

7. Bomeny (1994, p. 190) alude ao pensamento de Rogers Brubaker e Max Weber em The limits of Rationality: The moral life, for Weber, is framed by a series of tensions: between ultimate values and recalcitrant reality, between warm passion and a cool sense of proportion (grifo nosso), between ends and means, between Wertrationalitat and Zweckrationalitat, betweem reason in the anthropological sense and scientific rationality, between idealistic striving and realistic adaptation to the possible – between, in sum, the ethically rationalized personality, committed to certain standards of substantive rationality, and the ethically neutral social world, governed by mechanisms of purely formal rationality.

Para os estudos de memória coletiva, tradição e modernismo, aprofundam-se leituras de Antonio Candido (1972), Benjamin (1985), Colombo (1993), Andreas Huyssen (2000), T.S. Eliot (1989), Santiago (1989 e 2004), Roberto Schwarz (2003) e Le Goff (2003).

8. Enquanto em Divinópolis, a literatura era tímida: O primeiro poema só foi publicado em 1918: por José Álvares da Silva Campos. Sebastião Milagre publicou os dois poemas Mater Mea e Tu na primeira edição de Divinópolis-Jornal, de Arísio Mourão, em 30 de novembro de 1940. Essa foi a pesquisa de Carlos Antônio Lopes (2006, p.3), sintetizando: “Enquanto, as inovações literárias do Modernismo brasileiro –propaladas após a “Semana de Arte Moderna” de 1922, em São Paulo, demoraram a ser absorvidas em Divinópolis, onde, até 1965, não havia um curso superior de Letras.”

9. Em Benjamin (1985), o suporte teórico que destaco é de dois matizes: a questão da morte e os tipos de narradores. A morte para cuja intimidade a humanidade deveria manter-se serena ou resignada soa-lhe ares de temeridade e desespero, retocados com linda maquilagem do féretro e chora sobre a lápide versos de saudade. Hoje cada vez mais nos higienizamos do assédio da presença da “Indesejada das gentes” (Murilo Mendes). “Hoje, a morte é cada vez mais expulsa do universo dos vivos. (...) Antes não havia uma só casa (...) em que não tivesse morrido alguém. [Porque é] no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e sobretudo sua existência vivida l- é dessa substância que são feitas as histórias. (...) aflora aquela autoridade que mesmo um pobre-diabo possui ao morrer.” (ibid., p. 107) Rezo toda noite para uma boa morte ao meu querido “São José, patrono dos moribundos.” Cito uma trova de Milagre (1991, p. 10) em Quarteto de Sopro: “Assim, ficou encerrado/ Foi-me assunto belo e vário./ Patrono de homem casado/ É São José-Operário.”

E necessário que haja poetas e quem tenha paciência de ouvi-los. Há de se encantar os ouvidos para a poesia. Que Poesia?! A constatação de Benjamin não é nada lisonjeira porque está em tons pessimista: “É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção.” (idem, p.197). Perguntamo-nos se os tempos da pressa e do descartável exige novas formas mais breves de narratologia. E para quem perdeu um ente querido, o fascínio de saber como tudo será porque nos movemos na “ideia da eternidade sempre teve na morte sua fonte mais rica.” (ibid.,p. 207). Seja em verso, seja em prosa, o sentido da vida na morte é configurado, absorvendo o interesse do leitor-ouvinte.

Pode-se antever a experiência de Hebel que narrou a noiva que esperou encontrar o corpo do noivo nas minas de Falun em 1809 (Benjamin, 1985, p. 208). Assim, a experiência lírica – em poemas de feitio artesanais, em figuras feminina e materna, signos ou imago de sonhos e devaneios de um mundo sombrio são indícios universais de perdas e mortes. Milagre registrou sua inconformidade ante da morte de Lilia em sua obra a partir de 1972 até morrer. Escreveu com profundidade quase mística. Como o artesão, lapidava seus versos para a amada e a cidade como os que veremos.

10. Recomenda-se a leitura do conto machadiano “Viver!” em Várias Histórias II (1977, p. 98-113). No fim dos tempos, o conto medita condição paradoxal (des)humana nos arquétipos: Ahansvrus – judeu errante ou ironia anticristã -dialoga com Prometeu – herói mitológico ou titã acorrentado às rochas do Cáucaso, em que a águia vinha devorar-lhe o fígado, reconstituído à noite, até que Hércules o libertou. Aqui se lembra dos irredutíveis como em Derrida – a vida, a justiça, a solidariedade, dentre outros valores éticos existenciais – motivo da escrita tanto machadiana quanto milagreana. Lembra o filme Avatar no sentido de utopia e esperança em meio às imagens apocalípticas que povoam o imaginário das pessoas, além de críticas à “saga civilizatória” ou “guerras culturais” (Hobsbawn – Era dos Extremos) de conquista das Américas por Fernando Cortes e Pizarro.

Milagre reiterou-se da vanguarda a partir de 1963, revelando seus poemas concretos em Gomos da Lua. Apropriando do poema práxis, valeu-se deles com o escopo de atingir maior número de pessoas, seja seus leitores divinopolitanos, seja aqueles mais distantes de Minas Gerais, a capital Belo Horizonte e outras localidades do Brasil. Em vida, ele publicou poemas em suplementos literários, revistas, jornais e participou de concursos. Escrivão da Policial Civil, com o segundo grau, mas impregnado de leituras e viagens, assumiu uma intensa atividade na agenda cultural de sua cidade como fundador de tradições locais que ainda perduram como a Noite da Poesia (21 anos), a Academia Divinopolitana de Letras (quase 50 anos), ainda defendendo a Escola de Música, ameaçada de ser fechada pelo poder local.

11. Aos poucos, vai assumindo as estéticas modernista e vanguardista, das décadas 20e 50. Moderno, relativiza a Tradição passadista. Vale a pena verificar a relação entre tradição de ruptura e analogia para contextualizar Milagre no movimento mineiro da modernidade tardia em Divinópolis. Isso se encontra em leitura agradável em Santiago (1989) em Nas Malhas das Letras.

Após o lançamento de Gomos da Lua (1963), Sebastião Milagre mostra um fazer poético diferente da primeira fase passadista, que culminará em doador de Sangue (1990). Mas, retoma suas trovas na última obra em 1991. ao falar de Eliot e Octavio Paz, Santiago fala dessa digressão ao religioso e tradicional nos poetas – uma permanência da tradição no modernismo.

12.Depois, nos anos 70, Lázaro Barreto conclama alguns jovens para participar do Movimento Agora, que deu origem ao Jornal ainda existente em Divinópolis de mesmo nome. Ao lado de jovens escritores, Sebastião Milagre será sempre citado e terá um papel de avatar ou guru. Dos jovens ou moços do Agora – Lázaro Barreto, Sebastião Milagre, Dr. Fernando Teixeira, Osvaldo André de Melo e Neide Malaquias (LARA, 2005) – nascem um propósito de sutil crítica ou resistência ao regime de exceção. A ditadura não poupava ninguém. Nem mesmo o filho de Sebastião Milagre. Antônio Weber, escritor como Milagre, estudante na capital mineira, era torturado e preso. Sebastião teve seu primeiro choque emocional. Na posição de policial civil, resgata seu filho dos desmandos da ditadura. O pior ainda viria para o poeta: a morte de sua mulher no dia de Finados de 1970.

13. A melancolia é uma das características do poeta diante do mundo em transformações pós-guerra e pós-guerra-fria. Ele se sente um outsider em plena cidade natal porque se distancia de fatos e pessoas e assume uma crítica a sua cultura de origem.

A ditadura deixou marcas no poeta que também exercia a função de escrivão de Polícia Civil. Ele vai a Belo Horizonte retirar seu filho das garras da ditadura.

Ele se posiciona entre a tradição de analogia (termo de Octavio Paz, que Santiago usa em 1989).

14. Então, Piglia se vale da metáfora da mirada estrábica como estratagema literário e cultural: ter um olho no passado como legado europeu inevitável e outro nas entranhas da própria cultura local. Toda tradição é uma tradução e cabe ao poeta reinterpretá-la como uma leitura (an)amnésica, reorganizando os cacos da memória. Uma apropriação e assimilação da tradição na tração do agora na cultura – a margem na qual o escritor se inscreve como comentário como o modo como o alguém usa a tradição em proveito próprio, re-elaborando o passado no agora. O outro é internalizado no discurso da tradição como uma máquina social de produzir recordações e experiências no sentido de história benjaminiano (1985) ou na aventurada alucinante proustiana de tudo filtrar, com receio de algo a perder.

Existe essa preocupação dilacerante e benjaminiana em Milagre de retratar ou recortar o passado e a tradição no presente, tanto na fase clássica dos sonetos, quanto na apropriação dos recursos modernistas e vanguardistas da fase moderna.

15. Além de Dante, Augusto dos Anjos influenciou deveras Milagre. Contudo, também Milagre viveu sob a égide do soneto camoniano, aclimatado à Literatura dos Trópicos, expressão de Silviano Santiago. O soneto foi elaborado por Milagre com qualidade, quer dos simbolista-parnasianos, quer de escritores portugueses ou modernistas como Vinícius de Moraes em sua fase religiosa. Sem dúvida, tirando a trova ou a influência dos trovadores brasileiros, a força popular da literatura de cordel e o soneto milagreano.

Essa influência não será contemplada em nossa pesquisa por fugir de nosso objetivo principal que é analisar o sentido cultural da poética de versos livres de Milagre na modernidade tardia em Divinópolis partir dos anos 60.

Os modernistas e vanguardistas influenciaram sobremaneira o fazer poético de Milagre. Porque é notória e abundante a existência de versos livres de vários matizes, influência dos estudos no Colégio Arnaldo de Belo Horizonte, em que fez o colegial. Milagre confirma esse estudo em Quarteto de Sopro (1990B, p. 28-30): “Belo Horizonte, a cidade/ que eu amei, muito euforia:/ Meu tempo de mocidade: tempo de sonho e de poesia.// Eu morava na Lagoinha,/ E, para o Colégio Arnaldo, / A pé, ou de bonde, vinha/ Com meu colega Adroaldo.// Lembranças em relicário, / Comovem-me o coração./ Eu terminava o “primário”/ No bom “Silviano Brandão.// (...) Belo Horizonte, hoje enorme./ É metrópole a fulgir:/ Ama; trabalha; não dorme,/ Sempre em busca do Porvir.” Retornando a Divinópolis, devido à morte do pai Olyntho Bemfica Milagre (07/03/1876-04/06/1940).

E, da leitura de sua obra, pode-se inferir algumas influências vindas de Carlos Drumnond, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida, Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Cecília Meireles, Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari, Chamie, Ferreira Gullar, dentre tantos.

O cotejar de influências é mérito especial de Harold Bloom (2002), enquanto Roberto Schwarz (2000), em Ao Vencedor as Batatas, nos mostra que as Idéias fora de lugar é uma realidade em países como o Brasil de longa dominação colonial, imperialista, capitalista e hoje globalizado.

16. Então, Piglia se vale da metáfora da mirada estrábica como estratagema literário e cultural: ter um olho no passado como legado europeu inevitável e outro nas entranhas da própria cultura local. Toda tradição é uma tradução e cabe ao poeta reinterpretá-la como uma leitura (an)amnésica, reorganizando os cacos da memória. Uma apropriação e assimilação da tradição na tração do agora na cultura – a margem na qual o escritor se inscreve como comentário como o modo como o alguém usa a tradição em proveito próprio, re-elaborando o passado no agora. O outro é internalizado no discurso da tradição como uma máquina social de produzir recordações e experiências no sentido de história benjaminiano (1985) ou na aventurada alucinante proustiana de tudo filtrar, com receio de algo a perder.

Existe essa preocupação dilacerante e benjaminiana em Milagre de retratar ou recortar o passado e a tradição no presente, tanto na fase clássica dos sonetos, quanto na apropriação dos recursos modernistas e vanguardistas da fase moderna.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Incluindo toda a obra de Sebastião Bemfica Milagre (1940-1991);

em negrito, apenas as obras de Milagre selecionadas neste pesquisa(1963-1990).

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SILVA, Mercemiro Oliveira. Sebastião Bemfica Milagre: Elogio Acadêmico. Divinópolis, Edições ADL, 1996. 24 p.

WEBER, Antônio e MILAGRE, Sebastião Bemfica. Gomos da Lua. (crônicas de Weber e Poesias de Milagre) Belo Horizonte: s/editora, 1963. 84 p.

_______________________________________. Pão de Sal (trovas e quadras), Divinópolis: Livraria Frei Orlando, 1966. 65 p.

_______________________________________. Tome Cuidado, Menina (trovas). Divinópolis Livraria Frei Orlando, 1965.

VALE, Gentil Ursino. Mar, Todas as águas te procuram. Divinópolis: Gráfica Brasil, 251 p. 1962.

ANEXOS

Anexo 1

Divinópolis (Gomos da Lua, 1963, p. 69)

Ó Divinópolis, ó minha terra!

Até quando poderei olhar-te com os olhos de poeta?

Cresces demais para que a minha pupila te alcance,

E eu tenho de te olhar com os olhos da alma,

Num futuro distante,

Quando o pó deste teu filho já tiver emigrado...

Aí, então, te vejo:

No teu braço direito – A rua Goiás –

No atropelo dos dias e dos edifícios,

Escorrerão junto aos meio-fios,

Torrentes de suor –óleo do teu caminho...

E, na Avenida 1º de Junho – teu outro braço -

As gerações se postarão para o negócio,

Para o acerto e o esmalte das empresas.

E o teu coração?

Onde estará vibrando?

Em mil e mil coisas que são tuas,

E sobretudo

Na memória dos que te quiseram glorificar,

E nada puderam fazer

Senão sussurrar ao vento

O segredo de terem visto,

Num paralelepípedo de tuas ruas,

Um enorme diamante...

Anexo 2

TESTEMUNHO DE NARCISO DE SOUSA – DIV. 04/08/09:

Sebastião Milagre, um homem POLIDO, correto, que tive a felicidade de conhecer e manter contato quando era leiloeiro oficial, o admirava, ele cuidado que tinha em apregoar o bem que estava sendo leiloado para que o mesmo recebesse um valor justo.

Anexo 3

Café com Sebastião Milagre (2009) – de Augusto Fidelis, cadeira 26, da ADL:

Conheci Sebastião B. Milagre por volta de 1983, quando comecei a trabalhar na Rádio Minas, como repórter. Ele, membro proeminente da Academia Divinopolitana de Letras, sempre e fonte para alguma matéria. Nessa época, fui à sua casa algumas vezes, para as sessões de música eruditas, apresentadas no seu aparelho de som, em disco de vinil ou fita K-7, com elaborado programa.

Na ampla sala de visitas, os convidados se sentavam de maneira bem estratégica, não só para ouvir a música, mas também receber as possíveis explicações sobre a obra em execução. Enquanto desenvolvia o programa, a esposa Maria do Carmo preparava o delicioso café com pão de queijo, sempre servido no intervalo.

Inspirado na sua gentileza, quando realizei a primeira Noite da Poesia na Escola Municipal de Música, que seria a única, em setembro de 1988, servi, no final, café com pão de queijo. E foi graças à sua intervenção, nessa oportunidade, que a Noite da Poesia teve continuidade até dezembro daquele ano. Aliás, não só até dezembro de 1988, como foi a sugestão, mas prossegue até hoje, apesar das muitas tentativas de acabar com esse evento.

Anexo 4

Divinópolis, A TERRA DO BEM-FICA! (Dedicado à família do poeta em 22/02/92 –falecimento do poeta)

Sebastião Bemfica Milagre

O poeta de Deus e todo mundo!

Escritor sem interesse material...

Cruzou os braços e partiu desse mundo

Deixando em pranto a sua terra natal”

O Milagre ficou em nossa saudade:

Fotografado na capa de seus livros

De mãos aberta na fraternidade

Vivo, vivo como nunca tão vivo.

As suas poesias são eternas flores

Produzidas em momentos de graça!

Ramalhetes de todas as cores

Tudo, tudo distribuído de graça.//

Para ele, escrever além de um dom

Era uma sagrada missão.

Nunca lhe passou pela cabeça morrer,

O poeta esperava uma promoção

E um dia, isso tinha que acontecer.

E quando subitamente aconteceu!

Deixou a terra-mãe um egrégio troféu

E sorrindo pelo que lhe aconteceu

Foi se juntar aos poetas lá do céu.

Anexo 5

Em Memória do nosso Poeta Sebastião B. Milagre – poema de Antônio Lourenço Xavier.

Em Divinópolis, no mais alto ponto da Sidil

De onde a cidade inteira se deslumbra

Na grandez de um olhar,

Ali morava o poeta Sebastião Bemfica Milagre.//

A sua cada de sala ampla toda envidraçada

Era colorida de poesias e afetividade:

Entre filhos, a Maria do Milagre

E o Milagre da Maria.//

A noite ali reuníamos vários poetas

E num pago agradável, ficávamos horas

Ouvindo as músicas do Beethoven, Mozart,

O Paganini do violino e outros clássicos imortais!

Enquanto isso, as poesias do milagre iam florindo

Com a mesma naturalidade das flores!...//

Há anos que o saudoso poeta se foi!...

Mas as suas poesias ainda cantam em meus ouvidos

E as sua casa logo foi vendida e derrubada;

Deixando em mim uma eterna lembrança

Que dança e balança na alma

Mas da minha memória não sai!

Anexo 6

À memória de Sebastião Milagre – Lázaro Barreto

A beleza é o prazer dos fazeres e dos feitios

É a sensação das ideias e dos ardores

A poesia é ver de perto o que está longe

O aqui e o ali nos tempos e nos lugares

Alguém atônito apalpa os negrumes

A solidão é a cidade dos amigos

É assim que de um momento para outro

Omaravilhoso sobe na gioabeira

Os tigres descolam-se dos quadros na parede

Dando lugar, ali, á revoada dos pássaros

Quantos poetas nas palavras de Sebastião Milagre

Vão às esquinas da Coronel João Notini e da Paraná?

Quantos poemas na sede e na água conversam

Com as pessoas que vieram da roça?

Às vezes entram no cemitério da Minas Gerais

Depois cantam nas vozes mais distantes

Depois voltam para as casas de muitas gerações

E são de novo imbuídos de luz e energia...

Quantos poetas na sua poesia!

Quantos poemas na sede e na água!//

As doçuras outrora assíduas repontam dos medos

E sombras, como diria Salvatore Quasímodo,

No relance de suave mulher envolta

Em flores fugidias

Agora a caminhar para o cemitério

Que é o nosso desterro, o nosso destino

Ele entra na poesia que o ampara

Na poesia que lembra os quadros de Wu Tao-tzu

Nos quais os cavalos galopam para os horizontes

As folhas movem-se face à nossa respiração

O dragão voa para o céu, que vem a seu encontro:

Assim ele caminha para dentro do poema

Que acabou de escrever

Como o pintor que entra para dentro do quadro

Que acabou de pintar

Assim lugares que tanto vivificaram.

Anexo 6

CARTA DE DOMINGOS DINIZ (correio de BH:: 10/03/09)

A JOÃO BOSCO

B. H. 9/3.09

Prezado professor e escritor José João Bosco Pereira.

Preliminarmente, cumprimento-o pela escolha do poeta Sebastião Bemfica Milagre como tema de sua dissertação de Mestrado. Já que é praxe escolher autores consagrados, de nomeada nacional.

Você foi buscar num divinopolitano, que nunca se fez ausente de sua cidade, o material para seu trabalho. Parabéns.

Valoriza-se o poeta da terra, local. Ressalte-se que este poeta estudado, antes de mais nada, tem valor literário.

É poeta e não versejador. Versejador há muitos. Poetas, pouquíssimos. São os iluminados. Os que iluminam. São estrelas e não planetas.

Sebastião Milagre continua vivo em seus versos, em sua poesia, em seus livros, na memória de quantos o leem.

Infelizmente não lhe posso dar um estudo crítico ou mesmo um depoimento sobre obra e autor em questão.

Primeiro (ou único), por faltar-me competência para tal mister. Não é falsa modéstia. É sinceridade.

Segundo, precisaria eu de reler toda a obra do autor para tentar fazer inferência.

Por último, estou aqui às voltas em fechar a edição de um livro, em cujo projeto trabalho há cinco anos. Trata-se de um álbum de fotografias dos vapores do São Francisco acompanhas de textos sobre o rio, sua gente, a navegação, os vapores e a fala dos vapozeiros.

Já estou no final de redação e de revisão.

Posso dizer que Sebastião Bemfica Milagre é um poeta que conhece o material de sua poesia: a língua portuguesa. Domina-a. Brinca com as palavras, conhecia-as em seus valores conotativos.

Ele tinha consciência de que poesia é expressão e que tudo por ela sacrifica.

Sebastião para construir a escultura de sua poesia, antes mergulhava nos encantos dos mistérios semânticos de cada palavra.

Poesia não se define. Sente-se.

Tive a ventura de conviver com Sebastião Bemfica Milagre. Construímos sólida amizade.

Era de uma sensibilidade aguda para todas as artes.Especialmente a poesia e a música. Aliás, ambas são primas carnais. Tinha um grande conhecimento de música erudita. Arrebatava-se diante de uma sinfonia, diante de concerto, diante de uma sonata. Era músico também. Tocava violão muito bem. Gostava das modinhas, de um bom samba.

Nos anos 70, quando cheguei a Divinópolis, não se falava “som” como hoje. Era eletrola. Sebastião possuía uma eletrola de último modelo. Alta fidelidade. Então, íamos os amigos (sêo jacinto Guimarães, Cecília Guimarães, Aristides Salgado) ouvir música na casa do Tião, Antes, ele falava sobre a obra a ser ouvida e do respectivo autor. Ouvi-se a música em profundo silêncio. À meia luz. Mergulhávamo-nos no profundo mundo da música.

Como o da poesia, cheio de mistérios. Terminada a peça musical, cada um emitia comentários. No final, servia-se um cafezinho com biscoito. Agradabilíssima noite de música. Sebastião também passeava com a mesma desenvoltura pela arte plástica, pelo teatro.

Lia muito. De tudo. Especialmente poesia.

Quando à noite de poesia, não fui eu o criador. A idéia, me parece, estou certo. Foi de Sebastião Bemfica Milagre. Coube-me apenas executá-la como presidente da FUNC. Graças a Deus, a Noite da Poesia está viva até hoje.

Que mais posso dizer-lhes?

Não sei se você conhece o professor Adércio Simões Franco. Ele foi professor de Teoria Literária e Literatura Brasileira no Inesp. Foi meu professor. Ele poderá dar-lhe ótima contribuição sobre o nosso mestre Tião Milagre.

Caso não tenha, eis o endereço dele: Rua da Bahia, 274/401. Centro, aí em Divinópolis. Fone: 3221.8202.

Aqui, sempre às suas ordens. Quando vier a Belo Horizonte, avise-me e venha ao rancho da rua do Ouro, 733/301. É um prazer recebê-lo. Vamos conversar. Trocar idéias.

Continuo contra a transposição das águas do São Francisco. Não há água, os agronegócios beberam todas e mijam pedra e vomitam lama.

Atenciosamente,

Domingos Diniz

Rua do Ouro, 733/301.

Serra: Cep: 30220-000 – BH/ MG.

Anexo 7

PEREIRA, José João Bosco. Revisitando a Poética de Sebastião Milagre! (13/06/09) In: SILVA, Mercemiro Oliveira (Org.) Antologia A DL 2009. Divinópolis: Sefor. 2009. 97 p. p. 94-96.

Sebastião Bemfica Milagre publicou poemas no Suplemento Literário, MG.(Bessa, 2003, p. 60), no qual afirmou: “Participante, é a poesia que traz tudo aquilo que se refere ao homem–cotidiano, suas manifestações pessoais até a vida coletiva (...). Dou valor à persistência, algo novo é recebido com reservas, mas, se for de boa qualidade, aos poucos, será aceito plenamente. (1968)”. Sobre seu engajamento na Turma do Agora: “Vivíamos no Brasil sob o tacão da ditadura militar e não podíamos abrir o peito (...). Mas não (...) não afinamos um dedinho sequer. (...). [Foram] 24 números (...), nos quais fizemos uma contestação indireta, (...) todos, na época, eram contestadores...” (2003, 30). Suas fases tradicional (1940-60) e modernista (1963-90) remetem-nos ao poeta cuja formação e leituras superam o homem comum. Qual divisor de águas da poética entre o tradicional ao moderno, consagra-se como um dos poetas mais populares de Divinópolis. Domingos Diniz, em carta (Anexo 6 - BH, 10/03/09), focaliza Milagre durante a ditadura. O mestre, em literatura, Adércio S. Franco (2009) salienta os arranjos vocabular-sintáticos de Milagre. Este dedicou a todo gênero: temas sobre o cotidiano, política, a inflação, a fome, a violência, a espoliação do ferro de Minas, dentre outros, aparecem com incrível qualidade poética, uns, modernista, aqueloutros vanguardistas. Diniz emprega o termo “escultura da poesia do Tio Milagre como poeta de Divinópolis...” Ao se ler os poemas: Homemóvel, O homem é dor, Sidil, Foquete (poema processo), Custo de vida, dentre tantos poemas, destacamos algumas obras:

a). Em O Mundo e O Terceiro Mundo (abril de 1981), D. Diniz – Presidente da Fundação de Cultura, consta que “a realidade que não é apenas um pano de fundo, um aspecto exterior, mas a própria estrutura do livro que aqui se denomina O Terceiro Mundo”, e pró-diagnostica: “Aí está Sebastião Milagre, que sendo poeta divinopolitano, é um poeta do Terceiro Mundo.”

b). Em 3 EM 1 (1985), questiona a inflação, a Guerra-Fria e a exploração do ferro em Minas. Adota o lema de Nélida Piñon (epígrafe em 3 EM 1): “O escritor é uma voz a mais a denunciar as realidades incompatíveis com o Homem” (1985). Do Rio de Janeiro, ela corresponde com ele em 1988: “Comove-me ver o Brasil ecoar sua voz poética de modo forte e resistente.”

c). Em Viaduto das Almas/ O Homem Agioso (1986), registra o testemunio vário de amigos na introdução. Indaga-se: se a vanguarda milagreana foi e é diferencial na literatura e cultura divinopolitana, a partir de que elementos? E como forjou a (des)continuidade do fazer tradicional? Os poemas O Viaduto das Almas e O Muro de Berlim (p. 33 e 69) posicionam o poeta como ser político? Sua evolução é clara quando imita Manuel Bandeira em “Vou-me embora pra Itaúna. Lá, tem político forte. Aqui é ‘funcho’(...) Divinópolis: seremos um distrito de Itaúna.” (p. 21). Alude-se à Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade, em 1922. (MILAGRE,1986, 81). Na introdução de O Viaduto das Almas (MILAGRE, 1986), Lázaro Barreto afirma estes aspectos axiais:

Sebastião, um dos primeiros (ou o primeiro?) a aderir ao concretismo, representou enorme abertura mental [como] gosto de violência pessoal. Sei que podem objetar que tudo não passou na área da estética, como repercussão apenas no seio de amigos. A poesia é prenúncio, (...) do que poderá ocorrer politicamente. (...) [Os] clássicos da música, amor à Lilia, falecida prematuramente (...) são motivação constante.

d). Em Doador de Sangue/Procissão da Soledade (1990), última obra/ápice vanguardista, Milagre faz retrospectiva à infância, discute temas do cotidiano, denuncia o desmanche do casarão onde nascera (1990, p 49-54). Embora aderisse ao Projeto Piloto de JK-Oscar Niemayer em Brasília e Aristides Salgado dos Santos em Divinópolis (CASTRIOTA e MACHADO, 2008) pelo enaltecimento dos altos prédios de Divinópolis. (MILAGRE, 1990, p. 156), rebela-se contra da destruição da memória coletiva. Ele registra fatos, fotos e desenhos, oferece o livro aos artistas: Petrônio Bax, GTO – Geraldo Teles de Oliveira – e Adélia Prado. Reflete os temas urbanos e da ordem globalizada nos anos 80 como queda do muro de Berlim (p.34). O Modernismo, movimento de maior originalidade literária, foi apropriação tardia bem-sucedida em Milagre. E o neoconcretismo favoreceu-lhe a criatividade de conciliar o local com o universal como sentimento íntimo de seu tempo, como disse Machado em “O Instinto da Nacionalidade” (ASSIS, 1986). Esta posição elucida novos tempos na poética e acervo milagreano? Hoje ela pode ser visto em diferentes saberes. A estética pode ser contextualizada à luz do conceito de cultura, como propõe Stuart Hall e outros. As culturas implicam os modos de vida e sentimentos da classe popular e operária, nos quais a obra é vista como uma das práticas culturais dentre outras, (2003). Por esses e tantos motivos, propõe-se resgatar do arquivamento do eu milagreano em novas nuances de sua poética e acervo: “...se os mortos não estão entre nós, os vivos, eles serão esquecidos”, alerta-nos José Saramago. As fontes aqui pertencem à literatura divinopolitana.

Anexo 8

BRAIT, Beth: Estudos Linguísticos e estudos literários: fronteiras na teoria e na vida. In: FREITAS, Alice Cunha de et ali. (Orgs.) Língua e literatura: ensino e pesquisa. São Paulo: Contexto, 2003. p. 13-23

Resenha solicitada pela Prof. Drª. Dylia Lysardo Dias a José João Bosco Pereira

O artigo de Brait constitui um "rimettersi" (termo usado em Fim da Modernidade, de Gianni Vattimo, 2002, 40) à tradição interdiscursiva que se originou no final do séc. XIX, quando as línguas eram vistas como receptáculos da cultura. Já no século XX, as pesquisas norte-americanas registraram a língua dos índios cujas culturas estavam ameaçadas de extinção. Enquanto o Formalismo Russo propôs, nas narrativas folclóricas, o conceito de literariedade e actantes, o estruturalismo veio aprofundar a análise estrutural. Para Stuart Hall (2003, 176), em Da Diáspora: identidades e mediações culturais, nessa herança, Levi Strauss e outros linguistas discutiram as tradições ameríndias de língua e cultura, conquanto Saussure aprofundava investigações pragmáticas. Dentro deste amplo contexto, insere-se a proposta de Brait. Ela analisa a interface entre a língua e literatura com expressivo quadro teórico, o corpus articula a compreensão de fronteiras fluidas da cultura e língua. A autora destaca três exemplos: no poema “O assassino era o escriba”, de Paulo Leminski (1983), discute-se diferentes contextos da gramática tradicional à luz da Psicanálise. Ainda em poemas da Obra Completa de Oswald Andrade (1972) como “Erro de Português, O gramático, Vicio na fala, O capoeira e Pronominais”, Brait evidencia questões de identidade linguística brasileira, criticando os discursos fundadores da nacionalidade pós-colonial. Segundo, Brait analisa a placa de trânsito fotografada por José Paulo Paes (1986) em Um por todos (poesia reunida), em que explicita o interdiscurso ditatorial dos anos 70 no Brasil. Terceiro, Brait analisa neologismo e estrangeirismo no “Hipotrélico”, em Tutaméia (1969) e registra estruturas da língua e da cultura dos Aruaks em “Uns Índios (sua fala)” em Ave, Palavra (1970), de Guimarães Rosa. A estruturação do artigo é, didaticamente, eficiente ao discutir tema e conceitos acima aludidos. Assim, o breve contexto histórico inicial e os exemplos localizam as contribuições de Brait sobre as relações de convergência cultura-linguagem, quer na literatura, quer na linguística.

J B Pereira
Enviado por J B Pereira em 25/10/2018
Reeditado em 26/10/2018
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