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Se o vento levou, o vento deixou
 

Talvez isso lhe faça lembrar algo que o cinema imortalizou: Gone With the Wind; em português, E o Vento Levou. É isso mesmo: refiro-me ao clássico da Margaret Mitchell, lançado pela Macmillan Publishing Company, em junho de 1936. Portanto, há exatamente 83 anos (uma obra octogenária). E como o vento tem poderes mágicos e reais, os comentários que faço aqui, acerca da minha leitura, estão desprovidos de embasamento teórico.
 
Ao descobrir que uma grande amiga estava sempre passando temporadas em Atlanta – Geórgia (cenário principal de Gone With the Wind), não hesitei em lhe pedir que me trouxesse um exemplar de lá, da cidade histórica. Além disso, tive a audácia de lhe pedir que fizesse a dedicatória lá, por ser a terra natal da Margaret Mitchell. E a sua dedicatória não poderia ter sido melhor quando, num trecho, ela afirma: “Assim como os belos romances não envelhecem, as amizades também se mantêm duradouras e verdadeiras.”
 
E a suposta compra tornou-se um belo presente (um “tijolo”) de 1.448 páginas, que ela teve que incluir na sua bagagem. E eu matei a minha grande curiosidade: saber como a jornalista Margaret Mitchell, tinha escrito, de fato, toda aquela história que o cinema consagrou dentro da linguagem peculiar à Sétima Arte. Mas vi que houve fidelidade ao texto da autora.
 
Essa leitura de Gone With the Wind foi uma das mais interessantes que fiz, pois foi, praticamente, realizada a três pares de olhos: um par na Bahia, um na Geórgia e outro na Carolina do Sul. Eu movimentava amizades que iam me enviando informações acerca de tudo que tinha a ver com a história. No entanto, foi de Atlanta, através da minha amiga Nil, que veio o maior feedback por meio de fotos, vídeos, conversas etc.
 
Pois bem; isso me custou semanas e mais semanas... E, para quem gosta de história, pode, dentre outras coisas, sentir a evolução de Atlanta. Ela nasceu como Terminus; depois foi Marthasville; e, finalmente, Atlanta. Essa Atlanta que a autora nos apresenta como uma cidade tranquila, onde a primavera se tornava agradável pela floração rosada dos pessegueiros. Um lugar de ruas lamacentas, de um povo atrevido, de economia crescente devido ao cultivo do algodão pela mão-de-obra escrava, sendo um ponto estratégico por suas ligações ferroviárias. Ali estava a cidade chave da Confederação ou “Sul”– palco principal das piores dores que o estado da Geórgia experimentou durante a Guerra Civil Americana ou `Guerra de Secessão´, incluído as lutas e a sua reconstrução.
 
Durante a leitura, é quase Impossível não admirar a beleza das terras vermelhas bravias do Norte da Geórgia: suaves colinas de matas virgens, que compõem as fazendas Twelve Oaks e Tara, cuja vegetação é marcada por verdejantes pinheirais, cedros, os campos de algodão assim como o “clover on the lawn became emerald” – trevo no gramado que se tornou esmeralda. É difícil não se emocionar com a derrubada de Atlanta como também não torcer para que tais fazendas não sejam incendiadas pelos Yankees.
 
Trata-se de uma narrativa corajosa, lenta e apurada de uma história duplamente tensa, marcada por dois grandes conflitos: um do coração (por um amor impossível) e o outro da razão (por uma guerra inevitável). E nesse enredo enviesado, ficam evidenciadas as dicotomias: amor e ódio, guerra e paz, bem e mal, vida e morte. Ou, talvez, todas possam estar reunidas no forte e emocionante juramento da Scarlett O`Hara quando cita Deus, por três vezes, como sua fiel testemunha, mesmo que ela precisasse matar ou roubar para não passar fome novamente. A partir disso, é preciso estar atento às entrelinhas e pensar naquilo que não ficou explícito pela autora, que descreve uma época em que falar de guerra e de negócios ficava a cargo do sexo masculino; época em que uma mulher grávida, mesmo do seu marido, não podia se expor.
 
Sabendo que a literatura tem um poder imensurável de construir pontes, unir povos e culturas, ninguém queira me perguntar quantas vezes eu me emocionei, dialoguei com a autora e personagens, e quantas vezes eu “andei” pela Peachtree Street – Rua dos Pessegueiros –, em Atlanta. Pois era lá que ficava a casa da “tia Pitty”, no centro da cidade, onde todos se abrigavam, tanto os Hamilton como os O`Hara (p.769): “As they walked along the narrow sidewalk toward Peachtree, Scarlett was dismayed and sorrowful, for Atlanta looked so devastated and different from what she remembered.” – Como eles andaram ao longo da calçada estreita rumo à Rua dos Pessegueiros, Scarlett se viu desanimada e pesarosa, em razão de Atlanta se apresentar muito devastada e diferente do que ela se lembrava (tradução minha).
 
É na Peachtree Street que está o casarão de tijolos vermelhos da autora Margaret Mitchell.  No entanto, o museu que conta toda essa saga, o Road to Tara Museum, se encontra em Jonesboro (onde ficava a estação do trem que levava o povo de Atlanta à inesquecível Tara), a 30 km de Atlanta.
 
Por fim, o vento levou traços de uma civilização e deixou uma história, cheia de reflexões, marcada por amores e dissabores, guerra e paz, que até os dias atuais ainda consegue nos inquietar... Por isso, se nunca experimentou a guerra, evite-a; e se nunca viveu um grande amor, experimente-o.
Pois, seguindo o desfecho da autora: “tomorrow is another day” – amanhã é outro dia.
 

 
Fonte: Gone with the Wind, Pocket Books. Edição: June, 2008.



Agradecimento especial:

A minha amiga Nil, juntamente com seus familiares. E quando passar pela Peachtree Street, novamente, lembre-se de que aquele trevo vermelho (que veio dentro do livro) é tão vermelho quanto o solo de Tara, é tão vermelho quanto o sangue que pulsou nos corações em conflito por Amor assim como nos corações em conflito pela Guerra. E as placas da Peachtree, de hoje, têm o verde da esperança que levantou o povo da Geórgia.

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Imagens: Internet
Vera Verá
Enviado por Vera Verá em 05/06/2019
Reeditado em 05/06/2019
Código do texto: T6665801
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