Quando alguém que você ama, não sabe mais quem você é

O que fazer? Aceitar e chorar, um luto por alguém que ainda respira e precisa de você. Mas não sabe mais quem você é. Fala como se estivesse com outra pessoa. Simplesmente alheia da realidade, vivendo seu universo momentâneo. Sabe o que sabe. Diz o que diz. Repete, repete... Divagando por um longo tempo, e num repente adormece e deleta tudo. Acorda e tudo está diferente. Mas nada mudou. Exceto o tempo que passou enquanto dormia. Tudo permanece no mesmo lugar. As pessoas vão e vêm... E o tempo passa!
Você permanece ao lado dela. Velando pelo seu sono. Ao acordar ela fixa o olhar em você e diz: “lembra do que fazíamos”? “Minha mãe falava comigo achando que eu era minha irmã”. Só sei que você me acompanhava para onde ia. Você estava sempre ao meu lado. E elas... “Minhas outras irmãs”. Ficavam enciumadas! Um sorriso maroto e ao mesmo tempo gentil. Afirmando as façanhas deliciosas que faziam. Em especial das tantas mudas de flores que abaixávamos cinco e levantávamos seis. E disfarçadas, ela dizia: nós seguíamos em frente, firmes nas nossas caminhadas. Risos de contentamentos.
Instantaneamente, ela questionava: “filha: como você está diferente? Teu olhar, teus cabelos, você está diferente. Eu estou gostando de ver, como está bonita”! Lágrimas e risos... Naturalmente...Não era você. Era eu...
Eu em você, você em mim, querida irmã. Ela lembrando de todos os seus familiares e dos recentes fatos ocorridos na sua trajetória cotidiana. Que bom que nós tínhamos conversado alguns dias antes... Assim pude confirmar e continuar a boa conversa momentânea.
Eu ali, mesmo não sendo a filha ausente. Presente. Afirmando os seus devaneios da filha amada ausente. Presente... Confirmando as aventuras e desventuras deliciosas que passaram juntas.
Estando “Ela”, num estágio delicado de sua doença e com todas as suas necessidades materiais e fraternais, sendo proporcionadas da melhor forma possível e debilitando-se a cada dia que passa, ainda sente a falta de carinho dos amados ausentes. Mesmo com alguém sempre perto e presente.
Diante de algumas constatações que estamos vivenciando, penso que as memórias vão e voltam conforme alguns sentimentos mais significativos e profundos, “neste estágio”. Em especial os maternos, acredito serem eternos... Penso...
Está sobrevivendo num ambiente agradável e com todos os cuidados necessários ao processo de uma doença degenerativa. “Alzheimer”, independentemente de quem está ao seu lado, apenas deseja ser amada, cuidada e protegida.
Seus prantos nada interferem nos seus dias. Tudo é apagado muito rápido. E cada acordar é uma nova realidade. Tudo conforme seu estado momentâneo. Nada é permanente, cada movimento conjetura uma alternância.



Produção do texto: Miriam Carmignan