Santa Dulce dos Pobres

Nesse último domingo, dia 13 de outubro de 2019, após algum tempo de confirmação de sua ‘santidade’, tivemos, de fato, a sua consagração pelo Papa Francisco como a primeira santa oriunda do Brasil.

Interessante notar que a irmã Dulce, como era chamada, não foi canonizada pela sua biografia, mas porque teve dois acontecimentos milagrosos confirmados como de sua autoria. Por que isso me chamou a atenção? O próprio fato da canonização parece um ato com ordem invertida. Como alguém pode ser santificado por alguém que não é santo ainda?

O que quero refletir nesse caso é o fato de que a canonização ritualizada pelo Papa Francisco e muitos líderes católicos, em si, não dignificou mais a Santa Dulce, agora chamada dos Pobres. Aliás, ela era santa desde o princípio de sua vida, pois olhou para os pobres, como Jesus ensinou que fizesse. Nessa ordem, posso afirmar que ela realizou milhares de milagres, não apenas os dois que lhe foram atribuídos pela direção burocrática da Igreja. Será possível calcular quantas pessoas foram recuperadas na saúde, por seu trabalho amoroso? Será possível quantificar quantas crianças tiveram alguns dias e anos a mais porque tiveram na providência da Santa Dulce o alimento do dia e os remédios que lhe faltavam de outras formas?

Irmã Dulce nasceu em Salvador, Bahia, no dia 26 de maio de 1914. Era filha de um dentista e professor da Universidade Federal da Bahia, chamado Augusto Lopes Pontes e de dona Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes. Portanto, tinha origem em ambiente familiar bem avaliado já naquela época.

A menina Dulce, desde criança, desejava seguir a vida religiosa e rezava muito, buscando por algum sinal indicativo de como prosseguir esse caminho. Daí que, já em sua adolescência, começou, como uma missão pessoal, a ajudar mendigos, carentes e enfermos.

A jovem Dulce, em 1936, com 22 anos, fundou a União Operária São Francisco com a ajuda muito importante do Frei Hildebrando Kruthaup (seria ele também um santo e ninguém se apercebeu disso?). Atribui-se também à Santa Dulce a criação do Colégio Santo Antônio, voltado para operários e suas famílias. Participou ainda na criação de um albergue para doentes, localizado no convento Santo Antônio, espaço esse que viria a se transformar no Hospital Santo Antônio. Precisaria mais alguma coisa para reconhecer a santidade dessa menina que se tornou jovem e adulta com olhos em servir ao próximo em sua plenitude, como puro e genuíno desprendimento pessoal em favor dos mais carentes e necessitados?

Ela entrou sim para a ordem religiosa Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, em São Cristovão em Sergipe, depois de ser recusada anteriormente, com 13 anos, pelo Convento Santa Clara, por ser muito jovem ainda. Mas, o que chama a atenção é que a missão sentida interiormente pela menina Dulce era forte e seu desejo de ser útil ao próximo era genuíno a tal ponto de isso anteceder a filiação oficial numa ordem religiosa. Ela era santa, escolhida por quem pode santificar de verdade alguém, Deus, muito antes de sua participação ativa como uma irmã da Ordem Religiosa a que começou a servir.

O reconhecimento humano veio ratificado na pessoa de seu representante maior na escala religiosa a que servia, em 2010 o Papa João Paulo II a beatificou e finalmente depois de sua morte o Papa Francisco a declarou oficialmente Santa, a Santa Dulce dos Pobres. Eu digo, porém, que o que a santificou de verdade foi sua biografia de uma vida inteira dedicada ao próximo, mesmo quando suas forças eram até menores do que a de quem precisava de sua ajuda, haja vista sua debilidade física vivida por muitos anos em sua velhice. Arrumava forças em seu santificador, o Senhor, porque a Santa Dulce aceitou ser sua escolhida para os Pobres. Ela era dos Pobres!!

Se houve uma decisão muito acertada nesse ato final de canonização foi a denominação concedida à irmã Dulce: Santa Dulce dos Pobres, pois ela era santa porque foi dos pobres, deu sua vida por eles, conforme Deus assim colocou em seu coração e foi prontamente atendido.

Nessa reflexão, quantos santos tivemos no passado, temos no presente e teremos no futuro, que mesmo não sendo dignificados aqui na terra, já são coroados como santos por aquele que pode coroar de verdade! Eu posso ser o próximo, ou não!

15/10/19