O dia que nasci sem nascer

Quando eu nasci, um anjo torto, desses que de vez em quando vagavam pelo Junco, disse:

- Mamãe, como é o nome de Toninho?

- Tonho de Lisboa.

- Não pode. Isso não é nome de gente. Vou pedir pra Maricas Coxeba mudar.

Maricas Coxeba era a escrivã do Junco. Primeira e única. Era Maria e puxava de uma perna, daí o apelido. Nunca reclamou de bullying.

- Dona Maricas, vim aqui lhe pedir pra mudar o nome de Toninho.

- Por quê?

- Tonho de Lisboa é muito feio.

- Eu disse isso pro seu pai quando ele veio registrar. Qual nome você quer botar?

- Ronaldo, que é nome de príncipe.

- Está bem. Que dia ele nasceu?

- Mamãe me disse que foi no dia 21 de fevereiro, uma terça-feira de carnaval.

- Não pode. Ele não tem cara de folião. Vou colocar a data de 21 de janeiro.

- Mas ele nem tinha nascido!

- Não tem problema. Pelo menos vai votar mais cedo.

- Está certo, faça como quiser, desde que mude o nome dele.

E eis-me aqui, são e salvo, comemorando, não o meu aniversário, mas a minha mudança de nome que, segundo o meu irmão, equivale a um novo nascimento.

Tom Torres
Enviado por Tom Torres em 21/01/2020
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