Viva Pinto Ferreira!

Viva Pinto Ferreira!

Alexandre Santos *

Na manhã da 2ª feira 07 de outubro de 1918, um pequeno gênio fez a primeira travessia e nasceu no Recife. Chegou franzino, com os olhos esbugalhados, destes que, sem paciência para seguir o ritmo normal da vida, querem ver tudo logo. Como o mundo ficou sabendo tempos depois, aquele não era um menino como os demais e tinha muita coisa por fazer pelos próximos 90 anos. Acolhendo sugestão da avó materna, sem precisar esperar pela opinião do marido Alfredo, a mãe Regina deu-lhe o nome de Luiz, deixando que a ancestralidade paterna cuidasse do sobrenome. Luiz Pinto Ferreira foi o nome registrado no cartório. E o menino Luiz cresceu absorvendo tudo o que podia e, logo logo, começou a fazer das suas.

Aos 15 anos, ao tempo que os colegas miravam sabiás e corriam pelos terrenos baldios da cidade, o jovem Luizinho prestou vestibular para a Faculdade de Direito do Recife e, sem fazer qualquer surpresa àqueles que conheceriam a sua obra ainda por produzir, foi o primeiro colocado no certame. Mas, evidentemente, ele não ficou nisso. Dois anos mais tarde, o Luizinho, então com 17 anos, lançou 'Novos rumos do Direito Público', livro que arrancou elogios de monstros sagrados como Clóvis Beviláqua e Pontes de Miranda, seus futuros colegas nas principais bibliotecas da jurisprudência nacional. E, com a precocidade que marcou seu início de carreira, aos 20 anos, Luiz Pinto Ferreira deu mais um passo rumo ao Panteão dos melhores e, galardoado com a Láurea da turma, concluiu o curso de Direito. Aquilo já era muito, mas estava longe de cumprir o destino a ele reservado. Aliás, o jovem Luiz vivia apenas o começo da jornada. De fato, depois de curta temporada na advocacia, Pinto Ferreira avançou um pouco mais no mundo jurídico, se tornando inicialmente Promotor de Justiça, e, logo em seguida, aos 26 anos, defendeu tese sobre 'Soberania' para assumir a cátedra de Teoria Geral do Estado da Faculdade de Direito do Recife, ingressando na docência, em carreira que aprofundou seis anos mais tarde, quando tornou-se Professor Catedrático de Direito Constitucional daquela Escola com a defesa da tese “Princípios Gerais de Direito Constitucional Moderno'. No mundo acadêmico, Pinto Ferreira espraiou seu vasto conhecimento, não só ensinando Sociologia, Filosofia, Direito Administrativo e Geopolítica, inclusive em Programas de Mestrado e Doutorado, mas, também criando a própria Faculdade, a Sociedade Pernambucana de Cultura e Educação (SOPECE).

A contribuição dada por Pinto Ferreira às novas gerações transbordou as salas de aula e ganhou as páginas dos jornais e dos livros. Com efeito, navegando com desenvoltura por todas as áreas das relações humanas, com destaque para o direito, a sociologia, a filosofia, a literatura e a política, Pinto Ferreira publicou centenas de artigos e escreveu mais de duzentos livros, incluindo 'Interpretação da literatura brasileira', com o qual ganhou o Prêmio Literário Othon Bezerra de Mello em 1958, 'Sociologia das revoluções', 'A democracia socialista e o presidencialismo brasileiro', 'A constitucionalização simbólica', 'Princípios gerais do Direito Constitucional moderno' e 'Recordação de Hegel'. De formação humanista e ardoroso defensor do nacionalismo econômico, Pinto Ferreira enfrentou a violência, o arbítrio e o autoritarismo, deixando sua marca tanto no Congresso Nacional - onde nos anos de 1962 e 1963 exerceu mandato de senador fazendo a defesa do governo progressista de João Goulart -, como na resistência democrática ao regime militar - exercendo a presidência regional do antigo MDB, partido que enfrentou o regime das baionetas, abrigado, por muito tempo, em sua residência na Rua Hermínia Lins.

Não foi sem razão, portanto, que Luiz Pinto Ferreira marcou uma época. À despeito da luz que dele emanava, chegada a hora, Luiz partiu. Com efeito, na 3ª feira 7 de abril de 2009, depois de cumprir a jornada que o fez merecer as mais significativas das homenagens, inclusive os títulos de Professor Emérito da UFPE e de Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, Luiz Pinto Ferreira alcançou a grande inflexão da vida e fez a segunda travessia, abrindo uma lacuna nos meios culturais que dificilmente será preenchida nos próximos tempos. De qualquer forma, através da sua vasta obra, Pinto Ferreira ainda nos acompanha e se faz presente em todas as discussões amadurecidas e de alto nível sobre matérias que tratam do relacionamento entre pessoas civilizadas.

Por tudo isto, desde cedo, Luiz Pinto Ferreira criou Escola, formou discípulos e influenciou pessoas, orientando pensamentos, palavras e ações. Comigo não foi diferente. Convivi com ele, não apenas profissionalmente na SOPECE, onde ensinei economia política e administração financeira, mas, também, na ambiência familiar, onde, me aproveitando de relações de parentesco (ele era filho de Alfredo, irmão de Adalgisa, que era mãe de papai) o visitava com alguma frequência. Me impressionava como, em meio as elucubrações que deveriam ocupar sua mente prodigiosa, ele abria espaço para assuntos triviais. Lembro da forma alegre e bem humorada como ele perguntava a minha mãe pelos 'pasteis' (nunca soube se, de fato, ele gostava dos pasteis que mamãe fazia especialmente para ele ou se perguntava apenas para agradá-la). Hoje, junto às muitas recordações, aponto com orgulho os meus livros 'Os retirantes' e 'Teoria do Valor', que, com generosidade, Luiz Pinto Ferreira colocou parte do seu brilho em prefácios geniais.

O nome e a obra de Luiz Pinto Ferreira devem ser sempre cultuados como forma de se reverenciar a inteligência e a arte de pensar e, sobretudo, de elevar a cultura ao patamar de elemento estratégico do desenvolvimento humano.

Viva Pinto Ferreira!

* Alexandre Santos é ex presidente da União Brasileira de Escritores e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural