JUIZ AMIGO, SUSPEITO INOCENTE E RÉU CONFESSO

Hoje tem festinha na chácara, é aniversário de seu Valdemar, estamos todos reunidos, filhos, netos e sobrinhos da segunda família, seu vizinho João está presente, a gente lhe chamava de conterrâneo já que também era cearense, como o aniversariante, quando não estava presente, me referia a ele como “boca-rica”, pois assim como muitas pessoas antigas, ele tinha implantado ouro no dente ou em parte do dente, espero que esteja em um bom lugar em outro plano. Também presente está, um rapaz que de vez em quando aparecia na chácara, para fazer companhia para seu Valdemar e alguns afazeres, não recordo seu nome mas me lembro que tinha o apelido de Aipim, tinha uma coragem para o trabalho meio limitada mas era obediente e extrovertido, daqui cinco dias será réu confesso em um julgamento que não terá juiz.

A festa está animada com as crianças no piscinão, muito churrasco, galinha caipira e algumas latinhas de cerveja. A tarde chega e vem os “parabéns pra você”, agora vamos de bolo e refrigerante, chega a vez dos presentes e quase sempre era entregue em espécie, pois até hoje nem eu nem meus irmãos, conseguimos descobrir qual o presente poderia agradar nosso pai, então a gente lhe dava em dinheiro, e ele comprava o que queria, quase sempre era um quilo de prego, ração para as galinhas ou alguma ferramenta.

Fim de festa, vem a faxina geral e todos para suas casas, sempre esperando que possamos comemorar o aniversário de seu Valdemar no próximo ano.

No outro dia, bem cedo o pai recebe a visita de seu vizinho o conterrâneo, ele chegou meio cabisbaixo e lhe falou que precisava lhe contar algo que havia acontecido na festa, e disse:

- Seu Valdemar vim lhe contar isso, porque depois da festa todos foram embora e só ficou eu e o senhor, então para que não haja desconfiança da sua parte eu vou logo lhe participar.

Seu Valdemar então lhe pediu que contasse logo e sem arrodeio, pois, com ele não havia esse negócio de meio termo nem de segredo. Seu João então passou a lhe contar o que havia acontecido e que ele havia presenciado:

- A sua festa de aniversário já estava par acabar e eu estava em pé atrás da mesa, daquele lugar conseguia ver dentro do seu barraco, foi quando vi o Aipim entrar e pegar cinquenta reais no bolso de sua camisa que estava dependurada no armador de rede, ele não percebeu que vi, e saiu meio desconfiado.

Seu Valdemar quase sem acreditar tentou amenizar aquela atitude de Aipim dizendo:

- Aquele rapaz é muito gente boa, ele deve ter tomado algumas latinhas de cerveja a mais, jamais faria isso bom, e naquela altura, eu nem sei quem dos meus filhos me deu dinheiro e quanto me deram, por isso não senti falta, mas vamos fazer ele me confessar sem que eu lhe pergunte nada.

Seu João então ficou imaginando como poderia, alguém confessar algo sem que alguém lhe perguntasse, e como esta pessoa não desconfiaria que alguém lhe teria dedurado, foi ai que Seu Valdemar então com sua experiencia com todo tipo de pessoa e situação, lhe disse:

- Assim que Aipim aparecer aqui na chácara seu João, o senhor deve chegar sem falar comigo, e eu também não vou falar com você, faz de conta que estamos intrigados, ai você deve chamar ele para uma conversa lá por baixo das mangueiras, ai então você deve dizer que viu ele pegar o dinheiro na festa, e que parecia ser esse o motivo de eu estar sem falar com o senhor.

Ficou então tudo acertado, passados cinco dias, Aipim chegou na chácara, como sempre alegre e falante, cumprimentou seu Valdemar que também lhe cumprimentou como se nada soubesse. O teatro arquitetado já estaria em curso, e iria acontecer o primeiro ato de dois.

Seu João então como combinado, passou por seu Valdemar sem lhe cumprimentar e foi logo chamando Aipim para uma conversa reservada. A conversa não demorou e logo Aipim estava de volta ao encontro de seu Valdemar, com a cara fechada foi logo falando:

- Seu Valdemar que é isso! Como o senhor faz uma coisa dessas com o seu João.

Seu Valdemar olhou serio para ele e lhe perguntou:

- Rapaz o que foi que eu fiz? De que tu tá falando?

Aipim então lhe respondeu:

- O senhor está desconfiando que o seu João pegou seu dinheiro. Jamais ele teria coragem de fazer isso.

Foi aí que seu Valdemar já mas alterado e serio lhe disse:

- Rapaz eu não estou desconfiando de ninguém, e nem sei do que você está falando, que dinheiro? Tu tá ficando doido.

Foi ai que Aipim baixou a cabeça e foi logo lhe pedindo desculpas e confessando o que havia feito, e com os olhos quase lacrimejando disse:

- Eu ia comprar um presente pro senhor.

Seu Valdemar então lhe pediu que nunca mais fizesse isso, e que não iria ficar com raiva dele.

E foi assim que o suspeito foi inocente, e o réu confesso inocentado pelo juiz que relevou seu erro.

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 30/04/2020
Reeditado em 18/07/2023
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