BRINCANDO DE HUMILHAR

Talvez hoje sem dúvida, o último jogo para passar o tempo que dois adolescentes ou jovens, gostariam de jogar, seria o dominó. Lá pelos anos 80, esse jogo era a nossa principal diversão.

Hoje a tecnologia levou para os computadores e celulares, jogos e passa tempo para todos os gostos, e fez com que o dominó se tornasse uma peça de museu ou de companhia para os velhinhos nas pracinhas e asilos, uma vez que, até o próprio dominó se pode jogar em computador ou em celular conectado à internet, com a opção de se jogar com adversários do mundo inteiro.

Voltando aos anos 80, e lá estávamos eu e mais dois dos meus cinco irmãos, no quintal, embaixo de uma mangueira, jogando o velho e bom dominó, onde a principal regra a ser obedecida era; “perdeu saiu e dá o lugar para o outro”. Apenas 100 pontos nos dava o direito de permanecer jogando com outro adversário, em alguns jogos era uma eternidade para se conquistar, em outros, dependendo da má sorte e das péssimas pedras, em uma só partida poderíamos ser liquidados.

Tudo corria dentro das normalidades, um ganha e perde sem invictos, até que meu irmão o “astuto” ao ver a medalha que uma de minhas irmãs havia ganho nos jogos escolares, disputando a modalidade de ping-pong, resolveu nos propor que a partir daquela partida o perdedor deveria cumprimentar o vencedor e colocar aquela medalha em seu pescoço. Até aí estava tudo bem, se não fosse as palavras que o derrotado deveria falar ao ganhador, descrevo a seguir esta nova regra;

O vencedor poderia falar o que quisesse, sem limites nas palavras, mesmo que estas fossem de forma egoísta e que diminuísse o adversário perdedor. Entre estas frases estavam as mais usadas;

- Você valorizou muito a minha vitória.

- Não fica triste deu a lógica.

- Vá na casa de seu pai e pegue mas dinheiro e volte.

Ao perdedor era proibido falar as frases;

- Você teve sorte

Ou ainda;

- Você ganhou porque eu...seguida da justificativa que lhe custou a vitória.

O derrotado também teria a obrigação de após cumprimentar o vencedor, falar para ele;

- Parabéns você foi melhor que eu. Podendo também concluir com - Irei praticar mais, para que possa ter um melhor desempenho na próxima vez que jogar com você.

Quando já havíamos jogado algumas partidas, tivemos a grata surpresa de receber, mas um jogador, que com certeza seria um grande adversário, estou me referindo a seu Valdemar, que ao observar aquela competição resolveu também entrar no jogo. Explicamos a ele todas as regras principalmente o cerimonial de premiação com medalhas, cumprimentos e elogios ao vencedor. Ele então foi logo dizendo que não haveria a menor chance de perder. Então chegou sua vez, ele sentou-se na cadeira e parecia até que seria seu dia de sorte, ganhou três partidas em seguida, e recebeu a medalha e os cumprimentos, mas, como tudo não é para sempre, quando perdeu ficou até sem jeito, para colocar a medalha, cumprimentar e dar os elogios ao vencedor. Seguindo a rodada, lá estava ele de novo, mas infelizmente, a sorte tinha partido e lhe deixado, mas uma vez ele perdeu, e desta vez por uma diferença pequena de pontos, o que lhe deixou mais irritado, ele então levantou-se, pegou a medalha e atirou-a longe, e disse:

- Eu nunca havia sido humilhado assim em toda a minha vida, colocar a medalha, tudo bem eu até aceito, agora dizer que vocês jogaram melhor do que eu, aí já é demais.

E disse ainda;

- E pensar que fui humilhado por meus filhos.

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 09/05/2020
Reeditado em 18/07/2023
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