A IRA DE MEU PAI TALVEZ SERIA A RAIVA PÓSTUMA DE MEU AVÔ

Das muitas conversas que tive com meu pai, talvez essa tenha sido a que mais me deixou triste, foi quando se referia aos tempos de pobreza em sua terra natal, onde sua família muitas vezes passava necessidade.

Ele me contava que quando veio para o norte, e ao chegar no Amazonas, encontrou a fartura que não havia por lá. Dentre elas a que mais castigava, a água, mas também a madeira, já que por lá não havia floresta. E foi exatamente a falta de madeira que lhe fez lembrar do que mais lhe revoltou em sua chegada.

Lembrava ele que meu avô fazia o plantio de feijão e milho nas raras épocas de chuvas ou aparente tempo de nuvens escuras, que muitas vezes não significava que iria chover. O plantio se dava segundo meu pai, sempre antes de caírem os primeiros pingos, tamanha era a coragem e esperança do sertanejo. Semente na terra antes da chuva que se esperava que caísse, e quando esta água não vinha a semente não germinava, não havia colheita e nem havia fartura.

Quando a chuva vinha e a semente germinava, era então aí que começava o maior trabalho, cavar valas ao redor da roça, para que o gado não fizesse a plantação de pasto.

Mas que impossível seria contestar a invasão de suas rezes com seus donos, uma vez que se tratava de senhores poderosos e dono de posses, a ameaça sempre seria a resposta ao pedido de indenização por perdas na lavoura causada pela invasão de seus animais, enfim a resposta sempre era a mesma;

- Não quer que os animais entre em suas roças, então façam cercas!

Meu pai não me disse onde encontrou os primeiros bois na Amazônia, talvez nem se lembre, mas de algo jamais esqueceu, todos estavam dentro de um cercado construídos com estacas e arame farpado, e a roça sem limites, a não ser algumas extremas com as cercas que as protegia do gado, que assim como os bois do Ceará, gostariam de dividir com o homem sua mais nobre lavoura.

Seu Valdemar conclui essa conversa, com a voz meio embargada, dizendo:

- No Ceará era a roça presa e o gado solto... E no Amazonas o gado é preso e a roça solta.

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 09/05/2020
Reeditado em 18/07/2023
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