DAÍ AO PRÓXIMO SEM LHE COBRAR NADA EM TROCA

Estamos nos anos 70 e essa é a quarta casa que nossa família reside desde que chegamos nesta cidade, com uma grande diferença das outras, esta é nossa, construída com muito sacrifício. Quando nos mudamos para nova casa não havia vizinhos, mas não demorou muito para termos tanto o da direita como o da esquerda, vizinhos na frente não tivemos uma vez que havia um campo de futebol de um clube e uma sede que aos finais de semana havia uma seresta com banda ao vivo.

A cidade era tão pequena nesta época que estamos a pouco mais de 5 quilômetros do centro e somos considerados periferia. Chegamos nos anos 80 e quase nada mudou, os vizinhos são os mesmos, o campo ainda existe, as festas na sede não são tão frequentes, outras opções surgiram e o povo migrou. Já não somos periferia, outros bairros surgiram.

Um de nossos vizinhos é bem festeiro, nos sábados para domingo é certo pelo menos duas vezes por mês aquela festinha com os amigos. De nossa casa dá para ouvir que o ritmo predominante é o forro pé de serra. Sanfona, zabumba, pandeiro e triangulo, regada a muita cerveja e churrasco e o pau desgalhava até de madrugada.

Ao amanhecer, aquele café forte para curar a ressaca era de lei. Das muitas vezes que a vizinha ficou sem pó de café por talvez ter esquecido de comprar, pelo menos umas três vezes foram depois de uma noite de forró.

Parece que estou vendo a vizinha trepada em um tamborete do outro do lado do muro e dizendo:

- Meninas!!! Hei meninas!!!

Com sua xicara na mão, dizia para a primeira que aparecia:

- Minha filha, dava pra você pegar pra mim uma xicara de pó de café? Esqueci de comprar e fui fazer agora e não tinha uma colher se quer.

Minha irmã, ia até a cozinha e enchia a xicara e entregava para vizinha, que lhe agradecia e prometia que assim que comprasse iria devolver.

Na segunda vez que seu Valdemar presenciou aquele empréstimo, acredito que deva ter sido a última e que por coincidência foi depois de uma das festas regada a forró, bebida e churrasco. Minha irmã ao se aproximar do muro para entregar a xicara de café, ouviu o pai lhe pedir que voltasse, pois iria pegar um pacote em vez de uma xicara. Ao entregar na cozinha o pacote de café para minha irmã, pediu que dissesse para vizinha o seguinte:

- Diga a vizinha que ela não precisa devolver o pacote de café e que deve usar somente a quantidade para fazer o café de hoje e guardar o resto do pacote, para quando faltar da próxima vez.

A vizinha deve ter devolvido o pacote de café, mas não é de meu conhecimento se voltou a pedir novamente emprestado.

Acredito que seu Valdemar deva ter agido desta forma, por não concordar com a falta de café, uma vez que apenas uma das muitas cervejas que tomaram naquela noite, daria para comprar quase dois pacotes de café.

Por coincidência a menos de 500 metros de casa existia uma torrefação. Não esqueço quando o aroma gostoso de café torrado, impregnava o ar, e minha mãe me chamava e dizia:

- Vá na torrefação e compre um pacote de café, peça aquele que acabou de ser embalado, para que chegue aqui ainda quentinho.

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 13/05/2020
Reeditado em 18/07/2023
Código do texto: T6946567
Classificação de conteúdo: seguro