A volta do Carequinha

A VOLTA DO CAREQUINHA
Miguel Carqueija

Refiro-me à data em que escrevo — 2 de dezembro de 1983 — porque as coisas mudam depressa na televisão e não sei se o Carequinha estará ainda com seu programa na TV Manchete quando este artigo for publicado. (1)
Realmente é uma alegria tornar a ver o Carequinha (seu nome é Jorge Savalas) (2) nas telas de tv. Seu retorno anterior foi curtíssimo: na Tupi, em seus últimos dias, com a vantagem de ser um circo verdadeiro. Hoje seu programa tem o nome de circo mas o Carequinha passa o tempo melancolicamente a fazer sorteios e apresentar desenhos de qualidade duvidosa. Somente o acompanha o anão Rolinha, companheiro recente.
Nos velhos tempos — décadas de 50 e 60 — o circo do Carequinha pela Tupi foi um dos melhores programas de televisão. Participavam os falecidos Fred e Zumbi, os anões Zumbizinho e Meio-Quilo, o animador Oscar Polidoro e o mágico Big Baby. O Zumbi foi o primeiro a morrer (3); o Zumbizinho sumiu de circulação há muito, sem que eu saiba que destino tomou. Outros elementos surgiram depois; houve por exemplo uma anã, chamada Aninha, se bem me lembro. Os tempos do Zumbi — o palhaço vilão — foram os melhores. É claro que em sua longa ausência do vídeo Carequinha não ficou inativo. Continuou apresentando seu circo pelo Brasil afora. Aliás em certa época, conforme vaga lembrança (graças a Deus tenho ótima memória) o circo pela tv era exibido no Rio Grande do Sul, onde existe produção independente do massificador eixo Rio-São Paulo (4). Em 1980 ou 81 queixava-se ele num programa ao qual foi convidado: sendo um dos fundadores da televisão no Brasil, essa televisão que tanto havia crescido no Brasil agora já não tinha lugar para o Carequinha.
Era (5) um ótimo programa, que muitos desprezarão por ser infantil (esquecendo-se da advertência de Cristo: “Se não vos fizerdes como criancinhas, não entrareis no Reino de Deus”) (6) Sobretudo beneficiava-se com a presença carismática, extremamente simpática, do Carequinha — um palhaço bem mais simpático que a maioria. Ele tinha um rival na tela, o do Arrelia, mas superava-o facilmente. A própria voz do Carequinha, privilegiada, transmitindo entusiasmo, era um grande trunfo. E o seu senso de humor era delicioso. Lembro-me de várias tiradas. Certa vez, por exemplo, anunciando o lançamento de um de seus discos infantis, ele se saiu com essa: “Comprem mesmo, porque eu estou numa miséria desgraçada”. O Zumbi, com sua voz rouca, também era engraçado. Um dia, após a habitual briga provocada por suas maldades, ele declarou: “Eu juro por Nossa Senhora do Mocotó que eu não faço mais isso.” Só na inocência infantil — ou de um programa verdadeiramente infantil — se poderia admitir tal irreverência.
E agora? Pouca coisa restou exceto o carisma do Carequinha, ainda esperto e sacudido apesar dos 68 anos. Antigamente o Carequinha executava proezas espetaculares: dava piruetas e, caindo no chão de pés juntos, ricocheteava (como conseguia não me perguntem). Ou então pulava sobre 5 ou 6 automóveis, benzendo-se antes (ele nunca escondeu sua religiosidade). O número em que deixava caírem as calças (7) e só notava um pouco depois sempre causava hilaridade. Ah, a platéia infantil daquele tempo — bom tempo, comparado à tv atual — era louca pelo Carequinha. Hoje a TV Manchete devolveu-nos o palhaço, sem o circo. Que tal devolver o circo?
NOTAS
1) O artigo acima foi divulgado em publicações amadoras que na época circulavam no Rio de Janeiro, pelo menos a “Revista do Grande Méier” e o “Jornal de Vila Isabel”. A TV Manchete transmitia pelo canal 6 (hoje Rede TV) mas faliu há muitos anos.
2) Ele tinha parentesco com o célebre ator norte-americano Telly Savalas.
3) Em 1965, de ataque cardíaco, aos 65 anos.
4) Hoje a situação é muito mais diversificada, com a televisão por assinatura.
5) O Circo do Carequinha, não o programa mencionado no final do parágrafo anterior. Cochilo do autor em se expressar mais claramente.
6) Mateus 18,3.
7) Ele usava calças de suspensórios e os deixava cair fingindo não perceber, assim as calças caíam também. Claro que ele usava umas ceroulas decentes por baixo.