ZUMBA – UM ARTISTA PLÁSTICO DAS ALAGOAS

2020 terminando, e em meio ao caos, alguém me fala de um ser que conheci, num espaço de tempo tipo: riscar de relâmpago em tarde de abril, prenunciando trovoada, tempestade elétrica.

Li a Manchete: Centenário Mestre Zumba - 100 anos de Arte Negra em Alagoas

Fazem anos que não ouço ou vejo alguém falar sobre esse moço.

Lembro que conheci sua esposa, no órgão onde eu trabalhava.

Ela lavava nossas toalhinhas de mão e panos de copa.

Sempre levava consigo uma das filhas, quando ia buscar e devolver o material lavado e passado a ferro.

Conversando, certa feita, descobrimos que eramos vizinhas.

Um dia ela foi na minha casa perguntar se eu me incomodaria em levar as toalhas limpas, uma vez que ela necessitava levar o marido ao médico.

Disse que tudo bem, eu levaria as toalhas, sem problemas, e a convidei a tomar um café comigo.

Foi ai que ela me contou uma história muito triste.

Ouvi seu relato em silêncio e coloquei a mão em seu ombro quando a vi chorar.

Dona Maria, acalmou-se e me convidou a ir até sua casa para tomar um café com ela.

Aceitei e fui.

Vila Santa Maria… nesse dia conheci o esposo de dona Maria.

Ele havia sido um pintor, um dos melhores do Estado de Alagoas, cujos quadros enfeitavam ambientes na cidade de Maceió, no interior das Alagoas, no Nordeste, no Brasil e algumas partes do mundo, inclusive na Europa.

Frequentara, em áureos tempos, a alta sociedade, convivendo socialmente com políticos e altos funcionários públicos, morando em apartamento de luxo, a beira-mar.

Conversamos muito sobre seu trabalho, sua vida, até aquele momento.

“___Esse tempo agora estava muito longe, dizia ele ___Meus amigos esqueceram de mim. Hoje estou assim, nem trabalhar posso mais!”

Mostrou-me seu material de trabalho, atapetando a sala da pequena casa... vasilhas com pinceis, bisnagas e latas de tinta, quadros prontos, outros ainda por finalizar, molduras empilhadas sobre cadeiras... eu não o conheci por Mestre Zumba e sim "seu" Zumba, o esposo da dona Maria, minha vizinha... e por que não dizer, minha colega de trabalho, mesmo sendo o seu, um serviço terceirizado.

Voltei mais algumas vezes, a seu convite, me dizendo ela que “seu” Zumba queria falar comigo.

Ficávamos à tarde inteira conversando, até que meu esposo viesse me buscar.

“Seu” Zumba gostava de falar sobre re-ligiões… me perguntou se eu seguia alguma delas. Ao lhe dizer que era estudante de misticismo, desde que me entendo por gente… ele riu e começou a falar sobre a Biblia Judaico-Cristã. Gostava muito da história de Jó.

Contou-me, com um orgulho paterno que iluminava sua retina, sobre o nome que havia escolhido para uma de suas filhas… era a junção dos nomes de cada uma das filhas de Jó: Kézia (acácia), Jemima (pomba) e Keren-Happuck (fartura)… não lembro se ele deu esse nome a menina, enfim, eu gostava de conversar com ele e com dona Maria.

“Seu” Zumba falava também sobre uma re-ligião de Matriz Africana… e sobre ela, um relato assombroso.

Ele era um homem muito sofrido, mas demonstrava ser uma pessoa socialmente culta e tinha um ótimo papo, sem contar o café acompanhado de biscoito ladyfingers, que dona Maria fazia questão de trazer, para adoçar nossas conversas.

Dona Maria sempre me levava até seu “quartinho de Oração”, onde, desde a primeira vez, fiquei encantada com as imagens, os jarros e arranjos florais…. me pedia opinião sobre o que eu faria, se estivesse em seu lugar e eu, sorrindo lhe dizia ___Mas eu não estou no seu lugar, dona Maria!

Ela segurava em meu braço e desatava a rir ___Essa menina é muito esperta!

O tempo, senhor de tudo, foi passando e pouco depois recebi a noticia que o esposo de dona Maria havia falecido.

Tudo aconteceu num piscar de olhos… ela se mudou e até hoje não a vi mais.

Sinto saudade das nossas conversas e das risadas de dona Maria.

Quanto ao Mestre Zumba, deve estar ajudando os Anjos colorir as nuvens do céu no amanhecer e no entardecer do dia, posto que, com um pincel nas mãos e uma tela em branco, ele era imbatível.

Uma coisa que me chamou a atenção ao ler a Manchete – nunca havia percebido que “seu” Zumba era negro… coisa estranha, não é mesmo? Só vi nele um artista, talvez por que não tendo, eu própria, uma denominação racial: indígena, preta ou branca… não sendo cabocla, caboré, crioula, mulata… nem sendo ao menos cafuza… descobri, sem querer, que sou de uma etnia extracorporea: SOU CONFUSA!

Até qualquer dia, foi um prazer lhe conhecer, Mestre Zumba, mas me diz uma coisa, ai, onde você está, tem café e biscoitos ladyfingers ?

Creio que tem...

Adda nari Sussuarana
Enviado por Adda nari Sussuarana em 04/12/2020
Reeditado em 05/12/2020
Código do texto: T7127626
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