HISTORIA DE NOSSO FUSCA PARTE 3 – NOSSO FUSCA NÃO É MAS SÓ NOSSO.

De repente havia dois fuscas em nossa varanda.

Seu Valdemar tinha dois amigos que consideravam quase como irmãos, e que além de operadores de maquinas pesadas como ele, também estavam sempre juntos nas mesmas firmas e nas mesmas transferências para outros estados, assim como quando retornavam para o estado de origem, infelizmente já não se encontram em nosso meio, partiram desta para a melhor, que Deus os tenham em bom lugar.

Os dois amigos passaram muito tempo trabalhando na Venezuela, pais vizinho ao nosso, recebiam seus salários em bolívar e quando vinham de férias para o Brasil cambiavam em dólar e recambiavam aqui em cruzeiro, operações que lhes rendia um extra com o valor das moedas.

Quando chegavam aqui o destino era nossa casa, nesse dia meu pai cancelava toda sua agenda, muito alegre com as visitas, mas minha mãe nem tanto, pois teria que fritar o tira gosto e petiscos até o fim da festa, o final já era previsível, seu Valdemar equilibrado, ou seja, nem sóbrio e nem ébrio, e os amigos só as tiras como o povo chamavam o estado etílico dos bêbados.

Sempre na metade da festa, o pai mandava providenciar duas redes na varanda e o curador dos bêbados, as boas pastilhas efervescentes, que muitos conhecem como o santo dos embriagados, “São Risal”.

Foi em uma dessas vindas para matar saudade do Brasil, que um dos amigos resolveu comprar um fusca, não recordo o ano do carro, mas a cor não dá para esquecer, o fusca era vinho, um pouco mais velho que o nosso mas tinha algo que o de seu Valdemar não tinha, o fusca possuía alvará de taxi, e foi esse o motivo que fez seu Valdemar mudar de profissão ou compartilhar as duas.

De volta para Venezuela para continuar o intercâmbio de mão de obra especializada e qualificada, seu amigo deixou o fusca em nossa garagem e ali passou alguns meses. Foi então que seu Valdemar resolveu fazer um teste como taxista, no final do dia voltou contente pois conseguiu faturar uns bons trocados na praça, mas ficou imaginando que aquilo poderia ser uma sorte de principiante. Mas alguns dias e foi o suficiente para ele tirar a conclusão que aquela era a melhor profissão do mundo.

Me lembro de ter ouvido em uma de suas conversas com algum amigo, como tomou a decisão de largar as maquinas, disse ele:

- Eu estava em um trecho da BR 174, no meio da mata, parei a máquina e fiquei pensando... estou longe da minha família e o que consegui ganhar naquele taxi naquela semana seria suficiente para gente viver. Foi aí que resolvi pedir minhas contas.

Não sei bem ao certo quanto tempo passou trabalhando no taxi vinho, só sei que um dia seu dono o levou e nosso fusca passou a ser o taxi, até ele conseguir comprar um corcel II.

Nesse tempo eu não tinha idade para tirar a carteira de habilitação, mas já sabia dirigir, uma vez senti o gostinho de ser taxista e isso aconteceu em um dia de finados. Nossa casa ficava à algumas quadras do campo santo e minha madrinha sempre vinha passar aquele dia conosco e na parte da tarde ia com a minha mãe fazer visita ao cemitério, e foi em um dia desses em que voltaram mais cedo que meu pai pediu que deixasse minha madrinha em casa, já que ele não gostava de trabalhar e nem dirigir naquele dia, desde que se livrou de morrer em uma máquina sem freios em uma ladeira exatamente no dia de finados.

Tomei aquele banho apressado, coloquei um tênis a bermuda e uma camiseta, e ao sair no portão para missão, escutei ele dizer:

- Vá com cuidado e devagar, volte por onde tiver menos transito, preste atenção que você não tem carteira.

Minha madrinha morava do outro lado da cidade, foi só um pulinho, lhe deixei e na mesma rua uma senhora com uma criança me pediu para parar, ela havia visto a placa vermelha, parei e ela foi logo abrindo a porta e entrando e me passou seu destino e me perguntou em seguida quanto cobraria para deixa-la no endereço, eu lhe então lhe disse:

- Senhora pode me pagar o que quiser pois moro bem próximo do seu destino e estou voltando pra casa.

O destino era próximo ao cemitério, assim que desceu me pagou, acho que um valor bem maior que o da corrida. Foi aí que resolvi colocar o taxímetro em cima do teto do carro e tirei a tabela de dentro do porta luvas, na primeira esquina que dobrei um casal levantou a braço e mais uma corrida fui fazer, dessa vez indo para o centro, retornando para casa resolvi passar pelo cemitério, daí pra frente foi uma corrida atrás da outra.

Ao encerrar passei no posto de gasolina completei o tanque, separei o do lanche, e voltei para casa, mas de três horas depois.

Cheguei em casa e ao encontrar meu pai já fui lhe passando a grana do faturamento e antes que ele me chamasse atenção já lhe adiantei que o tanque estava cheio.

Ele quis brigar, mas o remunerado e o tanque cheio me livraram de todo pecado. Mesmo assim me disse que não deveria ter feito aquelas corridas no dia dos mortos.

Ele perguntou se eu queria algum dinheiro:

Eu lhe disse:

Não é preciso eu já tirei um trocado pra comprar velas.

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 04/02/2021
Reeditado em 16/07/2023
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